Publicado 09/05/2007 18:21 | Editado 04/03/2020 17:19
A eleição do jornalista Paulo Markun para a presidência da Fundação Padre Anchieta representa uma nova alteração na direção da entidade que dirige a TV Cultura, a maior rede de televisão pública do Brasil. Existem duas considerações de fundo para analisar esta eleição: a movimentação política que envolve a substituição de quadros dirigentes no governo paulista e o novo projeto de TV pública a partir de São Paulo.
Paulo Markun tem uma história importante na vida política e no jornalismo brasileiro. Foi líder estudantil, atuou em movimentos revolucionários de esquerda durante a Ditadura e sempre esteve ao lado de idéias progressistas. Ao assumir uma importante função na TV Cultura, a de apresentar o programa Roda Viva, carro-chefe do jornalismo da emissora, sempre apresentou de forma cordata e democrática a condução das entrevistas e das pautas do programa.
Ao lado dessas credenciais, Markun enfrentará uma difícil tarefa de reorganizar a Cultura. As alterações realizadas pelos antecessores Jorge da Cunha Lima e, mais profundamente, por Marco Mendonça, transformaram significativamente a grade e o conteúdo da programação, as fontes de captação de recursos e o enxugamento da rede, que resultou em perda de qualidade e independência da emissora.
Os presidentes anteriores, em especial Marcos Mendonça, aprofundaram uma idéia de TV pública autogerida, capaz de captar recursos suficientes para se manter, tendo necessariamente que “modernizar” a grade de programação. A TV Cultura substituiu ou diminuiu a produção de programas como Vitrine, Castelo Ra-Tim-Bum, Metrópolis e outros reconhecidos pela qualidade de conteúdo e formato (sobretudo os infantis), para colocar no ar programas de César Giolbi (colunista social do jornal O Estado de São Paulo) e Sílvia Popovic. Trocou a equipe de jornalismo, oferecendo coberturas tendenciosas a favor dos governos da cidade e do estado de São Paulo, tendo por visibilidade na tela a substituição do âncora Heródoto Barbeiro por Salete Lemos (ex-Record). Definitivamente a linha de condução de Mendonça foi uma das marcas do ex-governador Geraldo Alckmin em seu contexto de administração pública vinculado aos preceitos do neoliberalismo.
A substituição de Mendonça por Markun faz parte das reformas que José Serra realiza nos principais postos estratégicos do governo estadual, tirando nomes ligados ao seu antecessor Geraldo Alckmin e colocando figuras que devem comungar com seu projeto político na disputa presidencial de 2010. Esta lógica obedece a uma estratégia de conquistar espaço político e demonstrar diferenças tanto com o modelo implantado por Alckmin quanto o projeto de televisão pública proposta pelo governo federal. A TV Cultura pode desempenhar papel importante para o projeto do governador de São Paulo. Neste caso, Serra dá um passo ousado reformulando não apenas a presidência da Fundação Padre Anchieta, mas também parte de seu conselho deliberativo, colocando figuras de expressão como Eugêniuo Bucci (ex-presidente da Radiobrás no governo Lula) e Luiz Gonzaga Beluzzo (economista).
A tarefa de Paulo Markun frente à Fundação Padre Anchieta será difícil e terá que se equilibrar entre as demandas existentes para retomar a qualidade e a referência de TV pública que é a marca da Cultura e a agenda de otimização administrativa, receita desenhada pelos remanescentes da tese da TV Cultura como veículo mais próximo dos programas das emissoras comerciais.
A TV Cultura deve continuar sendo uma emissora com qualidade diferenciada e preocupada, sobretudo, com capacidade de produzir e transmitir programas de interesse público e promover o aprimoramento educativo e cultural de telespectadores e ouvintes, visando a transformação qualitativa da sociedade.
Rodrigo de Carvalho é sociólogo e secretário estadual de Comunicação do PCdoB/SP