Messias Pontes: Democratas comemoram 30 anos do Jornal Mutirão

Há exatos 30 anos circulava em Fortaleza o primeiro número do Jornal Mutirão, órgão da imprensa alternativa que veio preencher uma lacuna existente, época em que os veículos tradicionais nada divulgavam que pudesse contrariar a ditadura militar.

No Ceará, o único jornal diário que mantinha a independência era O ESTADO, cujo diretor-presidente, Venelouis Xavier Pereira, em 1970, por denunciar a truculência do então comandante-geral da PM, foi seqüestrado e bastante torturado por policiais militares próximo ao autódromo Virgílio Távora, uma área totalmente deserta no vizinho Eusébio, então distrito de Aquiraz.


 


 


A necessidade de um órgão que denunciasse os desmandos dos ditadores de plantão e os crimes do imperialismo norte-americano em todo o mundo, em especial na América Latina, levou um grupo de democratas a fundar o Mutirão, jornal alternativo que chegou a ser o mais longevo nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste do Brasil. Foram muitas reuniões, discussões que consumiam horas, dada a heterogeneidade de pensamentos políticos, até que em outubro de 1977 circulasse o primeiro número. Foi um marco na resistência à ditadura militar em nosso estado.


 



O Mutirão era uma trincheira não só de resistência à tirania dos militares, mas principalmente de apoio às lutas populares e aos movimentos sociais. Foram seis anos – de 1977 a 1982 – de muita luta, muito sacrifício, muita dedicação e muita dificuldade. Os tradicionais anunciantes não queriam nem ouvir falar do Mutirão por medo de represália; os poucos anúncios conseguidos eram praticamente simbólicos e não cobriam nem cinco por cento das suas despesas.


 



Pela sua credibilidade e combatividade, o jornal Mutirão chegou a ter um número significativo de assinantes tanto na capital quanto no interior do estado. Em algumas cidades do interior, como Aratuba, Crateús, Ipueiras, Tauá e outras, foram formados grupos de apoio, a maioria composta por trabalhadores rurais e lideranças ligadas às Comunidades Eclesiais de Base, aos partidos de esquerda e ao MDB. 


 



Esses grupos, em sua maioria, liam o jornal à noite à luz de lamparina, depois de um dia de labuta estafante. As matérias eram debatidas e as críticas e sugestões, inclusive de pauta, encaminhadas para Fortaleza. Periodicamente o Mutirão era avaliado na Capital com a participação de apoiadores do interior do estado. A sede do jornal funcionava no sétimo andar do Edifício Diogo, no Centro da cidade.


 



Dadas as dificuldades, a periodicidade do jornal não foi constante. O sonho era ser semanal, mas durante muito tempo não chegou sequer a ser mensal. Além das dificuldades financeiras, durante muito tempo o Mutirão teve de ser impresso fora por pressão do Governo: primeiro em Mossoró, no Rio Grande do Norte; depois em Maceió, Alagoas; e por fim em São Luis do Maranhão. Em aqui chegando, as páginas eram dobradas e juntadas, para em seguida o jornal ser distribuído em bancas, postado para os assinantes e vendido por apoiadores nas Universidades e na Avenida Beira-mar. O último número, em agosto de 1982, foi impresso em Fortaleza, na Stylos, gráfica do saudoso Dorian Sampaio, jornalista democrata, então candidato ao Senado pelo PMDB. 


 



Embora contasse com a colaboração de alguns jornalistas profissionais, o amadorismo imperava. Muitos erros foram cometidos dado o sectarismo políticos de alguns. Mas, apesar de tudo, o jornal cumpriu o seu papel, denunciando as mazelas do regime militar, dos governantes e “poderosos” locais, e defendendo com determinação as liberdades democráticas. Na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita jogou papel dos mais importantes. Fez e continua fazendo história, propiciando, inclusive, tese de mestrado no Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará, e de dissertação de formandos de Curso de Jornalismo em algumas universidades particulares.


 



A comemoração dos 30 anos do Mutirão está sendo promovida pelo Instituto Maurício Grabois, o Instituto da Cidade e o Instituto da Memória do Povo Cearense, e terá como ponto alto a presença do jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, ex-editor do jornal Movimento e editor dos cadernos Retratos do Brasil, que fará conferência sobre “A imprensa de ontem e a mídia de hoje”, na Casa Amarela  Eusélio de Oliveira, da UFC, na Avenida da Universidade, 2591.


 



O evento conta com o apoio da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, do Comitê de Imprensa da Assembléia Legislativa, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará, do Instituto de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Estado do Ceará, da Universidade Federal do Ceará, da Casa Amarela Eusélio de Oliveira e do Consórcio dos Empreendedores Sociais.


 


 


Messias Pontes é jornalista