Os “democratas de Reagan” trocam de partido
Neil Samuels é um exemplo de muitos democratas no condado (município) de Bucks, na Pensilvânia -um subúrbio pitoresco no norte de Filadélfia. Um ex-republicano, Samuels é um dos milhares que trocaram de lealdade e transformaram Bucks em uma zona majoritar
Publicado 12/04/2008 18:24
“Ronald Reagan disse certa vez: 'Eu não deixei o Partido Democrata; o Partido Democrata me deixou'”, diz Samuels, que é vice-presidente do Partido Democrata em seu condado. “Bem, eu não deixei o Partido Republicano, o Partido Republicano me deixou.”
A tendência acentuada a se afastar do Partido Republicano não se limita a Bucks. Alimentada pela desilusão com a guerra do Iraque, os supostos erros do governo Bush na política econômica e seu distanciamento do conservadorismo fiscal, a Pensilvânia em geral deixou de ser um Estado oscilante para ser democrata nos últimos anos. Em 2002 a Pensilvânia tinha 3,8 milhões de republicanos registrados e 3,2 milhões de democratas. Hoje tem 4,2 milhões de democratas e 3,2 milhões de republicanos.
A imagem é semelhante em nível nacional. Segundo os Relatórios Rasmussen, 41% dos americanos são afiliados aos democratas, comparados com 32% aos republicanos -uma quase inversão da imagem do primeiro governo de George W. Bush.
Mas a mudança teve um efeito especial no condado de Bucks, que é um campo de batalha crítico entre Hillary Clinton e Barack Obama na eleição primária da Pensilvânia, que ocorre daqui a dez dias. Esta semana foi o primeiro momento em mais de uma geração em que o número de democratas registrados superou o de republicanos em Bucks.
“Este é um enclave republicano desde que eu posso me lembrar”, diz Marilyn Larsen, uma ex-membro republicana do conselho educacional local em Newton, condado de Bucks, que recentemente se afiliou aos democratas. Larsen, uma professora aposentada, disse que foi a “hostilidade em relação à ciência” do governo Bush e a disseminação da política evangélica que a ajudou a mudar de partido.
Há um grande número de católicos que vivem nos subúrbios de Filadélfia, muitos dos quais eram originalmente funcionários de escritórios que fugiram do centro da cidade nas décadas de 1960 e 70. Eles fizeram parte da mudança dos “democratas de Reagan”, que ajudou a criar uma geração de predomínio conservador nos EUA. Hoje um grande número está voltando para os democratas.
Em novembro de 2006 a área elegeu seu primeiro congressista democrata em muitos anos -Patrick Murphy, um irlandês-americano de 34 anos e veterano da guerra do Iraque. Murphy derrotou um adversário republicano evangélico cuja retórica baseada na Bíblia teve pouca repercussão entre os eleitores católicos. Em novembro ele deverá voltar com uma maioria mais ampla.
Larsen diz que muitos de seus vizinhos poderão votar em Obama -uma perspectiva impensável entre as pessoas que fugiram da “política mecânica” afro-americana que tomou conta da Pensilvânia há uma geração.
“Sejamos honestos, Barack Obama é culturalmente branco -é por isso que muita gente daqui está disposta a votar nele”, diz Larsen, que ainda não decidiu se votará em Obama ou em Hillary, que mantém a liderança nas pesquisas de opinião. “Mas quando ouvem Michelle Obama falar elas começam a hesitar. Ela parece mais afro-americana. As pessoas não mudaram tanto quanto gostam de pensar.”
No entanto, Obama está conquistando apoio em locais improváveis. Em um comício dele em Levittown, Pensilvânia -um dos primeiros subúrbios planejados dos EUA, fundado em 1951-, os ingressos para o evento principalmente branco se esgotaram em poucas horas.
Muitos moradores mais velhos lembram de Daisy Myers, a primeira moradora negra da cidade, que foi embora em 1962 depois de sofrer um preconceito intolerável.
Hillary ainda deverá vencer a votação em Levittown. Mas Obama é competitivo. “Quanto mais eu vi Obama na TV, mais me convenci de sua integridade e suas qualidades de liderança”, diz Christine Harrison, uma artista gráfica e ex-republicana que convenceu seus pais e os quatro irmãos a virar democratas.
Alguns democratas em Washington temem que a disputa cada vez mais áspera entre Obama e Hillary possa corroer a vantagem nacional do partido e ameaçar as perspectivas de conquistar a Casa Branca em novembro. Mas Samuels, que ajudou a liderar a campanha em Bucks para registrar novos democratas, rejeita essa especulação.
“Acho que o surto de registros em Pensilvânia e o grande comparecimento que vimos em outras primárias democratas é um testemunho de uma virada muito mais duradoura”, ele disse. “Seria preciso muito mais que uma primária competitiva entre dois candidatos muito atraentes para inverter essa tendência.” Larsen concorda: “Não subestimem o quanto as pessoas estão desiludidas com os republicanos”, ela disse. “Elas querem uma oportunidade para expressar isso.”
Fonte: Financial Times