Tratado europeu prossegue estratégia do capital
“Oito anos decorridos desde a adoção da chamada “Estratégia de Lisboa”, a situação social e econômica na generalidade dos países europeus é marcada pelo agravamento do desemprego, pela redução dos salários, de direitos trabalhistas e sociais, pelas desloc
Publicado 24/04/2008 10:49
“É a nossa própria experiência nacional que põe em evidência a insanável contradição entre os reais propósitos de liberalização, privatização e flexibilização do mercado de trabalho que estavam no cerne da nova estratégia européia de Lisboa e os proclamados objetivos da criação de mais emprego e de emprego com qualidade e de combate à pobreza”, salientou o secretário-geral do Partido Comunista Português, Jerónimo de Sousa, no encerramento de um debate promovido na sexta-feira (18) em Lisboa, com o apoio do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Européia/Esquerda Verde Nórdica, no qual se integram os deputados comunistas portugueses.
Logo na abertura da iniciativa, que contou com a participação da deputada alemã, Gabi Zimmer, do partido A Esquerda, Ilda Figueiredo alertou para “as íntimas ligações existentes entre a dita estratégia de Lisboa e o Tratado”, texto que a Assembléia da República, com os votos do PS, PSD e CDS, se preparava para ratificar esta semana, depois de o governo de Sócrates ter recusado ao povo português o direito de se pronunciar em referendo.
Como afirmou a deputada do PCP, o projeto de tratado europeu prossegue e aprofunda as políticas neoliberais, abrindo novos horizontes à ofensiva dos grupos econômicos e financeiros para “dominar cada vez mais as relações econômicas e sociais e os próprios Estados”.
Ao programa de liberalizações e privatizações, de flexibilidade e desregulamentação trabalhista e de ataque aos sistemas de segurança social, foi associado o Pacto de Estabilidade e Crescimento para garantir a supervisão da disciplina orçamentária dos Estados, que transferiram para o Banco Central Europeu a competência de definir a taxa de juro e a política monetária.
As opções seguidas significaram dificuldades para as micro, pequenas e médias empresas, a falência para muitas delas, o desemprego para os trabalhadores e a quebra dos ritmos de crescimento econômico em países como Portugal.
No plano social, as consequências devastadoras estão patentes nos números que a deputada do PCP referiu no debate: “A pobreza e a exclusão social atingem cerca de 80 milhões de pessoas na União Européia, dos quais mais de 30 milhões são trabalhadores com baixos salários.
“A maioria do emprego que entretanto foi criado é precário. Há agora mais de 100 milhões de trabalhadores com trabalho precário na UE quando em 2000 eram cerca de 60 milhões. O trabalho de tempo parcial não voluntário atinge especialmente as mulheres, que continuam a ser discriminadas no acesso ao emprego, na formação e progressão nas carreiras e a nível salarial (…). O desemprego juvenil mantém-se com taxas superiores a 17 por cento”.
Geração de precários
Em Portugal, como mais além se referiu Francisco Lopes, membro da Comissão Política e deputado na Assembléia, o desemprego e a precariedade agravaram-se neste período. O número de desempregados atinge hoje mais de 500 mil pessoas, enquanto os vínculos precários abrangem já 25 por cento da população ativa.
Entre as diversas formas de precariedade, Francisco Lopes referiu a utilização abusiva das bolsas de investigação científica, estágios profissionais não remunerados ou a formação de trabalhadores nas linhas de produção sem pagamento.
Ao mesmo tempo, verifica-se um processo acelerado de redução do valor médio dos salários através da substituição de trabalhadores por novos contratados em condições inferiores.
Embora a luta dos trabalhadores tenha obrigado o governo a alguns recuos “táticos” e a outros “efetivos”, prossegue a ofensiva destruidora das funções sociais do Estado, principalmente na segurança social, com a redução das pensões e o aumento da idade da reforma, na saúde, na educação e na generalidade dos serviços públicos.
Inserem-se igualmente na chamada estratégia de Lisboa, as alterações ao Código do Trabalho que o governo prepara, as quais visam impor a “flexigurança”, ou seja, a facilitação das demissões sem justa causa, a eliminação da atualização anual dos salários e da contratação coletiva mediante a introdução da caducidade das convenções ao fim de 10 a 15 meses.
Outros aspectos concretos da ofensiva do capital no nosso país foram abordados por Ricardo Oliveira, Sérgio Ribeiro, Rui Namorado Rosa, Frederico Carvalho, Ana Avoila, Carlos Braga, entre cerca de dezena e meia intervenientes no debate.
Um exemplo de precariedade
O percurso profissional de Nuno Pereira nos últimos 15 anos é um exemplo vivo dos métodos utilizados pelas grandes empresas para reduzir salários e manter os trabalhadores sob permanente pressão.
Admitido para os serviços de manutenção da Autoeuropa em 1993, com um salário de 150 contos, Nuno Pereira é transferido nesse mesmo ano para a empresa TSA, que ficou responsável pelo serviço, onde passou a receber apenas 120 mil escudos.
Organizados no Sindicato dos Metalúrgicos, os trabalhadores alcançaram novos direitos e salários, fato que não passou despercebido aos responsáveis da Autoeuropa. Em outubro de 2001, os serviços de manutenção são divididos por mais duas empresas, a Maclalen e a Hormam Portugal, com intuito evidente de quebrar a organização sindical e retirar direitos. Só que, mais uma vez os trabalhadores resistiram e a Autoeuropa foi obrigada a manter a antiguidade e os salários. Dois anos mais tarde, a Maclalen abre falência e a sua substituta, a Ramel, apenas pretendia conservar os trabalhadores precários com menores salários. A luta permitiu salvaguardar todos os postos de trabalho, mas perdeu-se a antiguidade, os salários foram reduzidos e os trabalhadores passaram para contratos a prazo.
Em dezembro de 2004, Nuno Pereira recebia na Ramel um salário de 865 euros conquistado meses antes, juntamente com a efetividade e outros direitos, após a convocação de uma greve de cinco dias que a empresa evitou à última hora.
Um mês depois, em Janeiro de 2005, a Tyssengroup, ganhadora do novo concurso, admite apenas 80 por cento dos trabalhadores, impondo-lhes contratos a prazo e redução de salários. O vencimento de Nuno Pereira regride para 800 euros.
Só em meados deste mês, após a atualização anual, os trabalhadores conseguiram recuperar o montante perdido há três anos. O salário subiu de 845 para 870 euros brutos. Mas a diferença da inflação continua nos bolsos do patrão”.