Epístola Sobre a Solidão no Ocaso Político
Como já disse, a campanha eleitoral de Vila velha apresentou muitas surpresas, mas reiterou e reafirmou velhos comportamentos. Como numa adaptação do antigo comercial do finado BAMERINDUS podemos cantar: “o tempo passa, o tempo voa…”, só não passam d
Publicado 26/10/2008 20:35 | Editado 04/03/2020 16:43
Alguns, com os olhos no passado, sacrificaram o presente e o futuro de outros, em função de suas obsessões, dos fantasmas que habitam as memórias que recusam abandonar, dos velhos embates que insistem a colocar no presente. Esses senhores de triste figura continuam hoje a lancetar seus moinhos de vento, como se a história fosse um relógio quebrado e um tempo imóvel. No entanto se move.
A candidatura de Vasco Alves situa-se nesse contexto. Em alguns momentos pareceu um gesto heróico, em outros, simplesmente patético. A imprensa chegou a registrar seu desempenho em alguns debates como superior aos demais concorrentes, deixando a imagem de um vencedor do confronto. O discurso temperado por mais de 30 anos de militância política eleitoral parecia consistente a quem desembarcasse no processo sem informação e imagens cristalizadas.
Vasco teve um papel renovador na política de Vila Velha. Em 82, na condição de outsider derrotou as lideranças que dominaram a política no Município nos anos 70. Teve no primeiro mandato a oportunidade de fazer uma gestão modernizadora, que poderia torná-lo numa referência para a política do Estado. Associado ao velho Partidão, com seus quadros jovens, brilhantes e inovadores poderia ter marcado época. Implantou em Vila Velha o orçamento participativo, uma gestão fundada na administração direta, quando se acreditava na eficácia desse modelo, mutirões como forma de mobilização e priorizou as demandas populares.
Mas não soube conservar esse patrimônio. Rompeu com o PCB e sacrificou um projeto maior a projetos menores de cunho pessoal. Deixou a Prefeitura para ser deputado constituinte – com todas as conseqüências conhecidas, migrou para Cariacica onde se elegeu prefeito, sob o mote de “Um tempo Novo”. O tempo novo, se a memória não me engana, foi Itanhenga, que durante muitos anos foi o maior invasão da Grande Vitória.
Conquistou um segundo mandato em 92. Nesse momento, Vila Velha começava a mudar aceleradamente de perfil, especialmente sob os impactos da Terceira Ponte e a revolução urbana daí decorrente. Nesse momento, deveria construir uma nova imagem e buscar um novo lastro eleitoral. Fez a opção de preservar a imagem de político populista, improvisador na ação administrativa, retomando métodos de gestão que já estavam em crise e perdeu, definitivamente, a classe média da cidade.
Consolidou a imagem, não sei se justa ou injusta, de um líder populista, político do atraso, promotor de invasões e predador da coisa pública em função do improviso ao administrar e da subordinação da administração as demandas clientelistas.
Na imprensa e no imaginário do Estado, colecionava histórias folclóricas sob a forma de fazer política e as “técnicas” de conquistar o eleitorado. Deixou correr as versões do político que buscava a identidade com o povo na simplicidade da forma de ser; do político que sempre deixava o carro velho morrer nas ruas movimentadas para ser empurrado pelos eleitores sensibilizados pela “pobreza” do candidato; do homem simples que sempre tinha um pacote de lingüiça para fritar no almoço da casa da “D. Maria” e onde, em seguida, faria a “siesta” ou recuperaria as energias perdidas.
A partir daí sofreu sucessivas derrotas: não elegeu seu sucessor em 96, perdeu a eleição em 98 para o governo do Estado, em 2004 fracassou na disputa para o cargo de prefeito e não conseguiu o mandato de deputado federal em 2006. Era hora de parar ou repensar a trajetória para um recomeço, em novas interlocuções sociais e construção de uma nova imagem.
Insistiu no discurso do passado, acentuando os mesmos traços que haviam caracterizado o seu perfil político, definiu e aprofundou a vocação para uma liderança voltada para as classes DE, quando essas já não constituem a maioria do eleitorado do município e continuou a fazer política como se as eleições ainda se definissem no velho eixo de crescimento da cidade: começando no Paul, acompanhando a Carlos Lindenberg, entrando em Cobilândia, pela Estrada Velha com Garrido e outros.
Ao se apresentar como candidato nessa eleição, como disse acima, foi corajoso, em alguns momentos mostrava segurança e confiança, tentava construir a imagem da experiência, mas em outros momentos foi patético, deixando transparecer o ar da amargura. Amargura de um homem que não conseguia entender o isolamento e o abandono. Amargura do homem que não conseguia entender o aparente processo de perseguição. Indeferida a candidatura, contemplado na lista de políticos “fichas sujas” da Associação dos Magistrados Brasileiros buscava denunciar uma grande conspiração e uma perseguição política de que seria vítima. Sem se dar conta do ridículo, ameaçou recorrer a organismos e a presença de observadores internacionais.
O discurso era o mesmo, centrado em um eleitorado que talvez só existisse na sua imaginação. Em um momento em que os prefeitos da Grande Vitória se voltam para as grandes questões metropolitanas, em que a mobilidade urbana se tornava o grande tema polarizador dos debates, em que os candidatos se digladiavam na discussão sobre alternativas como “veículo leve sobre trilhos”, metrô de superfície, mono trem, Vasco fazia a apologia de uma administração que tinha implantado em Vila Velha as fábricas de manilha e bloquete. Parecia o candidato de uma pequena cidade do interior, em que a grande ação administrativa é plantar manilhas e calçar ruas.
Como disse foi corajoso ao voltar e a insistir. Escorado em uma legenda sem expressão e desconhecida, sem aliados de peso e uma coligação representativa. Isolado na política de alianças, sem tempo significativo de televisão e caracterizado no discurso vigente no último mandato como representante do atraso e ameaça de retrocesso, Vasco desempenha o ocaso de seu personagem político.
*Fonte: www.robertobeling.com