Sem categoria

Acordo ortográfico: da torre de Babel à torre de papel

“Toda a Terra tinha uma só língua e as mesmas palavras.” (Gênesis, 11, 1).


 


Auto-respeito ou autorrespeito? Coerdar ou co-herdar? Infra-estrutura ou i

Nossos problemas gramaticais vêm de longe. Em 22 de janeiro de 1500, três meses antes do descobrimento do Brasil, o rei português Dom Manuel I, o Venturoso, determinou: “Avemos por bem que nehum moço fidalgo não seja apontado nem paga a sua moradia, salvo por certidão de Dieg´Alvares, Mestre de Grammatica”.


 


O que o rei quis determinar? Que nenhum fidalgo analfabeto fosse nomeado (apontado) para o serviço público, ou ganhasse alguma coisa do erário, sem que o professor Diego Álvares atestasse que o nomeado sabia ler e escrever.


 


Cinco séculos depois, baixada ordem semelhante, o Senado, a Câmara Federal, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais seriam dizimados e, em alguns casos, esvaziados. Quantos senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores passariam numa prova de gramática da língua portuguesa? Quantos dos mais de cinco mil prefeitos, respectivos secretários e assessores seriam aprovados?


 


Agora, então, com o novo Acordo, a coisa piorou muito. Mas nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Os brasileiros viveram e escreveram 453 anos sem Acordo Ortográfico. O primeiro surgiu em 1943, no penúltimo governo de Getúlio Vargas, político preocupado com a unidade nacional.


 


Vendas a rodo


 


Fazia apenas 36 anos que o padre Fernando de Oliveira tinha publicado a sua Grammatica da Lingoagem Portugueza quando surgiu a referência solar da língua escrita — Os Lusíadas, publicado em 1572.


 


Até então, desde o século 16, quando ocorreram as primeiras manifestações escritas da língua portuguesa no Brasil, obra de portugueses que para cá vieram ou brasileiros natos, até a Segunda Guerra Mundial, cada um escrevia como queria, abusando de consoantes dobradas, agás, ípsilons, hífens etc.


 


Como está a questão hoje? Em empresas, escolas e universidades, ouvem-se os pedidos de socorro, o principal dos quais é a dúvida se a palavra tem ou não hífen: “Tudo junto ou separado?”.


 


É oportuna uma reflexão sobre nosso modus operandi para agirmos organizada e coletivamente — a língua é nossa! — com o fim de consertar a desarrumação que tomou conta de nosso modo de escrever.


 


Em vez de discutirmos amplamente todas as questões, pois tivemos bastante tempo para isso, vez que o Acordo foi concebido ainda na década de 1980, optamos por esta confusão causada pela pressa com que pessoas abnegadas e outras muito espertas tentaram atender ao distinto público.


 


As abnegadas quiseram atender; as espertas quiseram vender, que é também uma forma de atender, naturalmente, mas que tem, digamos assim, limites éticos mais esgarçados.


 


O sucesso dessas últimas é impressionante, por motivos óbvios. Tenho olhado com melancolia para pais que, orientados pelos filhos, dirigem-se aos caixas das livrarias para pagar altos preços por gramáticas e dicionários, depois de ouvir dos pimpolhos que “a professora disse que é este aqui”. “Mas aqui na lista está este”. “Mas mudou!”.


 


Letra da lei


 


No governo e fora dele, há profissionais trabalhando e sofrendo para arrumar a aplicação do Acordo. A crise por que passa a forma de escrever em língua portuguesa trouxe novas oportunidades de trabalho para profissionais de Letras.


 


Reitero que sou a favor do Acordo Ortográfico. Línguas de cultura como o latim, o grego, o inglês, o francês, o alemão, o espanhol e o italiano estão unificados há muito tempo. Até o árabe, que tinha catorze grafias, agora tem uma só.


 


Passou o tempo de lamentar e reiterar que o Acordo poderia ter sido feito de outro modo. É hora de, todos juntos, colaborarmos para sua aplicação. O Acordo agora é lei.