Programa Alfa e Beto é considerado um prejuízo para a educação
A decisão da Secretaria Municipal de Educação de Salvador de implantar o programa Alfa e Beto nas escolas do município tem gerado polêmica. A APLB (Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Bahia) analisou os livros adotados e verificou a presença de conteúdos racistas, sexistas e judaíco-cristãos. Uma das responsáveis pela análise foi a diretora da entidade, Jacilene Nascimento, que falou ao Vermelho sobre o contrato – que foi feito sem licitação e custou mais de R$ 12 milhões ao município.
Publicado 27/02/2013 18:02 | Editado 04/03/2020 16:17
Portal Vermelho – Por que a APLB se posicionou contra a adoção do programa Alfa e Beto para a rede municipal de educação?
Jacilene Nascimento – O primeiro ponto é que professor recebe um material que ele não analisa, que desconhece, e no primeiro dia de trabalho é apresentado esse material a ele com um pseudo-treinamento de dois dias. O segundo ponto é que esse material não atende a realidade da rede, principalmente quanto à regionalização, quanto ao aprendizado epistemológico, onde o sujeito pode fazer parte e se interar com seu aprendizado. É um retrocesso pedagógico do ensino positivista e a gente não pode concordar com isso. O terceiro ponto é que a própria categoria rejeitou. Quando a categoria rejeita, cabe ao sindicato ouvir. Analisamos esse material e ele é um absurdo do ponto de vista regional, étnico-racial e também sexista e machista. Se retrata a África como uma época selvagem, onde o povo vive em tribos, como antigamente. Esse é um dos textos. Em outro, o estereótipo de beleza é eurocêntrico, loiro, dos olhos azuis, da pele clara e dos cabelos longos. O livro traz também que homem não veste rosa porque não é “coisa de homem”, além de trazer vários textos retirados da Bíblia, onde são mencionados santos católicos o tempo inteiro. Isso fere a laicidade da escola. É uma afronta à nossa cidade. Esse programa retira das nossas escolas programas exitosos já existentes. Outro trecho de um livro revela os valores judaico-cristãos do Instituto Alfa e Beto, quando, no sermão da montanha, se diz “bem-aventurado quem passa fome, quem é pobre, é agredido, quem é posto de lado em nome de Deus”. Não é isso que queremos pra nossas crianças, essa conformidade com a pobreza, com a fome, com a miséria, com a discriminação. Nós tivemos uma assembléia de mais de mil professores dizendo “Não” a esse programa.
PV – Quem fez a análise do conteúdo do material didático e como fez?
JN – Ela foi feita pelo grupo de diretores que são responsáveis pela rede municipal com alguns representantes de escolas. Nós pedimos, também, a cada escola que fizesse a sua análise e enviasse para a APLB-Sindicato. Nós recebemos várias. Temos um material fechado em 15 folhas e se parar para analisar dá muito mais.
PV – Vocês buscaram saber quem é esse grupo que produziu o material?
JN – Na época em que Antônio Carlos Magalhães era senador e que o atual prefeito da cidade, ACM Neto, era secretário no Estado, esse grupo foi denominado como o “Programa do PFL”. Então, é um grupo que está nas prefeituras que são do DEM e traz um treinamento positivista que massifica. Eles estão respaldados em um estudo feito nos Estados Unidos, na época do governo Bush, onde o método fônico era validado. Ao final do governo Bush, a própria ministra de Educação assume que essa metodologia não era mais interessante. Uma metodologia também utilizada na França, mas em condições totalmente diferentes da cidade de Salvador, onde o professor está sendo obrigado a ficar nove horas em sala de aula, em escolas que não possuem espaço físico, não tem condição de trabalho, não tem saúde. Queremos o salário, as condições e todos os direitos que o professor da França tem.
PV – Eu li que a Secretaria Municipal de Educação resistiu a disponibilizar o material para análise do sindicato. Como foi isso?
JN – Eu requisitei esse material à secretaria no início da semana pedagógica, antes do Carnaval, antes de começar as aulas, e ela o todo enrolou. Para ter esse material, tive que ir nas escolas, de sala em sala, pedindo ao professor emprestado. Nós só recebemos esse material incompleto da secretaria na sexta-feira passada (22/2). A Secretaria de Educação vem burlando e enrolando o sindicato.
PV – Uma discussão parecida aconteceu em relação ao uso das obras de Monteiro Lobato na sala de aula. Qual o prejuízo traz para as crianças o contato com materiais de conteúdos discriminatórios?
JN – A direção da APLB não diz que Monteiro Lobato não pode ser utilizado, mas que deve ser utilizado para um grupo que tenha consciência étnico-racial para identificar todas as questões raciais da obra. Monteiro Lobato traz uma retratação de uma época do que ele acreditava de educação. O mesmo Monteiro Lobato que condenou a Semana de Arte Moderna (1922), o mesmo que disse que um presidente negro é um declínio da nação. O que a gente chama atenção é o que essas obras trazem dento de sala de aula, onde o estereótipo do negro é de um malfeitor, onde a mulher que cozinha no Sítio do Pica-Pau Amarelo é uma mulher negra que fala errado. Para as crianças, é um prejuízo muito grande. É perverso você pegar uma criança em formação, que tem em seus meios de comunicação o estereótipo de beleza de Xuxa, de Eliana, de Angélica. É um prejuízo para a educação de Salvador. É um prejuízo que esses R$ 12 milhões investidos nesse programa não sejam investidos nos outros programas exitosos. Salvador tem uma escola que conquistou o segundo lugar em um prêmio qualidade de educação e uma escola que ganhou o melhor Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do Estado, tudo na rede municipal.
PV – Quais as medidas que estão sendo adotadas pelo sindicato?
JN – A APLB tem várias ações, que nós chamamos “Estado de Mobilização”. Nós já tivemos reunião com os professores de arte e de todas as linguagens artísticas, das disciplinas de geografia, história. Esse material traz também um prejuízo na carga horária do professor porque ele retira do currículo da criança artes, teatro, dança, educação física e restringe história e geografia a 50 minutos por semana. Nós estamos também promovendo encontros com representantes de escolas, fóruns de gestores e, provavelmente, vamos chamar uma assembléia extraordinária. Temos uma marcada para o dia 14, mas sentimos que o secretário [João Carlos Barcelar} está enrolando a categoria. Nós vamos dar uma resposta ao secretário e ao prefeito dessa cidade que precisamos e merecemos respeito.
De Salvador,
Erikson Walla