A inflação alimentar resulta de calotes científicos e políticos

Em meu livro ''Engenharia Genética: o sétimo dia da criação'' (1995), analiso as lições da chamada Revolução Verde – política agrícola elaborada pelos Estados Unidos e exportada para os países pobres e em desenvolvimento na década de 60.

Não foi fácil convencer meu editor quão necessários eram tais enfoques. Nem se fala neles na abordagem da atual ''inflação alimentar'' e do espectro da fome em seu bojo. Havia imperiosa necessidade de uma abordagem interpenetrada. As descobertas pioneiras da genética ocorreram na botânica: Mendel elaborou as leis da hereditariedade cruzando variedades de ervilhas. No reino vegetal, há milênios, são feitas experiências de seleção das espécies mais aptas a um dado ambiente. A exemplo da enxertia e da hibridação, são parte da cultura de muitos povos.


 


Constatando que a engenharia genética focava o mundo vegetal alegando ser o caminho para o fim da fome e o paraíso da eterna abundância, escrevi ''Transgênicos: o direito de saber e a liberdade de escolher'' (2001), cujas bases científicas não caducaram. Ao contrário, aprofundaram-se os problemas e surgiram novos. Relembro: transgênico é um animal ou vegetal que teve adicionado ao seu patrimônio genético um ''gene estrangeiro''. Na revisão do ''Engenharia Genética'' (2004), há um novo capítulo: ''Transgênicos: 'varinha de condão' ou 'caixa de Pandora'?''.


 


Desde 1995 argumento que o maior sucesso da engenharia genética são as promessas e o maior entrave, cumpri-las, pois a maioria das promessas têm como lastro a ignorância da ciência. No ''Engenharia Genética'' há um capítulo instigante, que é o ''Engenharia genética: constatações, polêmicas e delírios'', no qual teço considerações sobre comida frankfood (transgênica) e as poluições biológica e genética. Cheirava a catastrofismo. Engano! Hoje, três saberes novos – instabilidade do genoma; proteínas inconstantes; e áreas de regulação e desativação de genes do DNA lixo – explicitam que o paradigma sobre o qual a engenharia genética foi construída caiu por terra, o que exige mudança radical de postura no manejo da transgenia. Mas os governos, inclusive o brasileiro, fazem ouvidos de mercador. A ONU, idem!


 



Os resultados práticos dessa ''revolução'' não foram nada animadores; demonstraram que a fome é muito mais uma questão de política do que de produção agrícola.


 



Urge repisar na ferida. No final dos anos 60, a Revolução Verde anunciava o fim da fome, via melhoramento dos vegetais para a alimentação, e acenava com as supersementes, com vistas à alta produtividade; e significou a abertura e a ampliação de mercados – para os EUA – nos setores de sementes, fertilizantes, pesticidas e maquinaria. Foi apresentada ao mundo como uma ''ajuda humanitária'' da ONU para combater a fome. O Banco Mundial financiou a implantação da política e as dívidas externas dos países ''ajudados'' atingiram o inferno. Sob a fachada da ONU, e aproveitando-se da ingenuidade de grande parte dos cientistas, os EUA divulgaram uma miragem.


 


Parecia que a trilha dos milagres havia sido encontrada! Os resultados práticos dessa ''revolução'' não foram nada animadores; demonstraram que a fome é muito mais uma questão de política do que de produção agrícola. O destaque à monocultura, tida como moderna diante da diversidade de cultivo, taxada de atrasada; a dependência aos fertilizantes e agrotóxicos; o desprezo do ''saber popular'' e o culto ao ''saber científico'' são marcas do desacerto do Banco Mundial, bem antes de desconsiderar a agricultura como setor estratégico para o desenvolvimento nos últimos 20 anos e da promoção aética da comida frankfood! Outra vez, cadê a moral para dizer que não foram seus calotes científicos e políticos que nos trouxeram à encruzilhada do fantasma da fome?


 



Artigo publicado em O Tempo
 

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