Eu vi o Mao Tsétung na abertura dos Jogos. E você?
Não vi apenas o Mao Tsétung, não. Vi o Deng Xiaoping, o Liu Shoqi, Zhou De, Chen Yun, Zhou Enlai, Peng Dehuai, Sun Yatsen e outros heróis, cuja vida e obra foram a principal condição objetiva para que a China desse esse verdadeiro show de civilidade e cul
Publicado 13/08/2008 18:45
Ah, vi também o Confúcio e o Lao Tse… Só a falta de visão de processo histórico poderia impedir a presença, e a visualização, dessas figuras por lá. Já aqui pelo ocidente há muito tempo que não me encontro nem com Sócrates, nem Platão e muito menos Aristóteles.
A imprensa ocidental alardeou com grande pompa o fato de a China simplesmente ter “pulado” – na abertura dos Jogos – fatos relativos à ocupação estrangeira e a própria Revolução de 1949, de forma que ao esconder Mao Tsétung a intenção chinesa seria de mostrar ao ocidente sua nova cara de um país “capitalista” e “responsável”. Muita gente de uma suposta esquerda “revolucionária” e viúva de tragédias como a Revolução Cultural não tardou em “engolir a pilha” e utilizar as manchetes de jornais como “O Globo” para aguçar seus argumentos contra a máxima socialista chinesa. Particularmente, só tenho a lamentar tal versão de fatos. Por alguns motivos.
Os tambores, Hegel e Marx
Sinceramente não gosto de ficar perdendo meu tempo em responder determinadas coisas. Mas fazer o quê, quem está na chuva é para se molhar. A abertura dos Jogos, por mais que muitos queiram negar, foi uma verdadeira aula de humanidade, civilização e filosofia. Uma aula de cultura de paz e tolerância. Ingredientes que por si só servem para desmoralizar a direita e esse ocidente falido de moral e princípios. Um ocidente que foi devidamente engolido pelo desenvolvimento das forças produtivas, redundando em relações sociais e de produção que não mais comportam um arranque civilizacional necessário para o progresso da humanidade.
Por isso coloco, que pude ver com muita clareza Confúcio e Lao Tse na cerimônia de abertura. Seja pela mensagem de paz, tolerância e de zelo para com a natureza, mas também pela ordem, pelo amor a humanidade. Vi os dois maiores filósofos do mundo naquelas crianças carregando a bandeira nacional. Afinal – à moda taoista – o hasteamento daquela bandeira só foi possível com centenas de milhares de revoltas camponesas contra um poder decrépito e contra um ocidente decrépito. Vi Mao Tsétung e seu Exército Vermelho hasteando a bandeira nacional. Bandeira vermelha “significando a revolução” com cinco estrelas alusivas a “unidade do povo em torno do Partido Comunista”. Vi Confúcio na demonstração do verdadeiro lugar da pátria e da família no coração dos mais de cem mil pessoas presentes ao evento. Vi Confúcio (e sua máxima de “ordem na casa”), também, nos seguidos flashes da TV estatal chinesa encima de Hu Jintao, do ex-presidente Jiang Zemin e dos demais líderes do Estado e do Partido Comunista.
Vi o velho e bom camarada Mao demonstrando, com a retumbância do evento que “não existiria China moderna sem o Partido Comunista”
Eu vi o presidente Mao, também, anunciando ao mundo que “a China nunca mais será pisoteada” no desempenho dos tambores no início da solenidade, um verdadeiro anúncio que um novo mundo está por vir com a realização da tendência assinalada por Hegel e Marx de um ciclo histórico-civilizacional que ao iniciar-se na Ásia, iria passar pela Europa, daí para a América do Norte até retornar ao seu lugar, na Ásia.
''De pé, os que não querem ser escravos”
Vi Mao e seus partizans. Via uma grande homenagem a revolução chinesa!!! Sabe onde? No exato momento em que o estádio se pôs de pé para cantar o hino nacional chinês, a “Marcha dos Voluntários” composta por Tian Han um dos maiores músicos chineses da era moderna e primeira expressão artística puramente revolucionária da China revolucionária e que ingressou no Partido Comunista da China em 1932. A “Marcha dos Voluntários”, composta na segunda metade da década de 1930 embalou milhares de corações e mentes chineses contra a ocupação japonesa. Canção que inicia-se com o chamado para ficar “de pé os que não querem ser escravos” e oficializada como hino nacional chinês somente em 2004, sob os auspícios da quarta geração nucleada pelo “revisionista” Hu Jintao.
Só enxerga a negação às tradições revolucionárias quem quer, ou seja, muitos ignorantes ou “fanáticos” de esquerda para quem a história e o socialismo podem sair de suas próprias cabeças e serem produtos de sua boa vontade e que na análise dos fatos não ficam atrás de iletrados como o tal apresentador do Big Brother que no alto de sua “genialidade” ousou opinar sobre uma civilização com mais de 5.000 anos. Isso sem falar do Galvão Bueno… parece gozação, mas é verdade. O pior é que se a leitura da letra do hino chinês pode transparecer algo cheirando a mofo, o moderno e pop fica por conta do “Deus salve a Rainha” do hino britânico. Parece piada, um atentado contra a inteligência humana. Que se f… a rainha e seus súditos, traficantes internacionais de drogas (quem nunca ouviu falar da Guerra do Ópio)!!!
A “esquerda” que cobra um “auto da fé” chinesa em matéria de socialismo deveria saber, inclusive, que enquanto por aqui se cantava loas em nome da Revolução Cultural e se aparelhavam guerrilhas falimentares de tipo maoístas na tentativa de organizar camponeses católicos e que vitimou dezenas, centenas e milhares do que de melhor gerações inteiras produziu, o próprio Tian Han morreu perseguido por Guardas Vermelhos. Numa grande demonstração de intolerância e injustiça em nome de uma causa que pode ser tudo, menos religiosa ou cartesiana.
Finalizando, Tian Han morreu vítima de algo muito estranho, inclusive para os chineses.
“Estamos felizes, pois nossos amigos estão chegando!!!”
Só não viu quem não quis. As delegações de Cuba e Coréia do Norte serem aplaudidas de pé. Só não sabe quem não se informa, quem fica rezando o dia inteiro em nome de “deuses” como Marx, Engels ou Lênin que os chineses são hoje o principal fôlego de vida aos regimes dos dois países citados que insistem em serem dignatários do socialismo e que no caso de Cuba, os chineses, vira e mexe, perdoam dividas contraídas e concedem créditos com fundo perdido todo ano.
Tem aqueles que ficam cobrando uma atitude tipicamente anglo-saxônica por parte do governo chinês de vociferarem contra os norte-americanos e japoneses cobrando “vaias” às duas delegações. Para que isso? Para que serviria esse tipo de atitude? Somente para demonstrar que a falta de educação também é privilégio chinês? Acho que ficou muito mais bem colocada a frase de Confúcio citada e recitada pelo público presente no início da cerimônia, logo depois da contagem regressiva que dizia: “estamos felizes, pois nossos amigos estão chegando!!!”. Que tapa de luva de pelica!!! Que demonstração de serenidade ante a arrogância e a bestialidade de certos atletas norte-americanos e do próprio presidente Bush, claramente com uma cara de contrariedade ante a demonstração de como deve se comportar diante de determinadas circunstâncias.
Com certeza, o melhor filho da ilha de Manhattam, Walt Whitman – o poeta da Revolução Americana e o preferido de Marx – revira do túmulo toda vez que um norte-americano fala de direitos humanos ao mesmo tempo em que assassina aos milhares pelo mundo. Deve revirar da tumba toda vez que um conterrâneo seu protesta contra a poluição de Pequim enquanto a qualidade do ar na capital chinesa está melhor que a de Nova Iorque, de forma seguida, nos últimos 26 dias.
Cadê a filosofia clássica ocidental?
Vi e me emocionei. Vi a validade da máxima para quem o “socialismo deslumbra horizontes”. Sim deslumbra, pois mesmo em cárcere e próximo da morte figuras como Antonio Gramsci (e outros heróis da causa mais sublime que um homem pode carregar em sua mente e coração) mantinham sua fé no futuro da humanidade, sabiam que a humanidade poderia e pode vencer. As reações de boicote e tentativas de sabotagem ante o sucesso iminente do evento por parte do ocidente, apenas demonstrou que o capitalismo, ao contrário, estreita os horizontes.
Interessante seria a procura. Sim, seria bom procurarmos onde anda, em algum lugar dos EUA ou da Europa, gênios da ética humana e da filosofia ocidental como Sócrates, Platão e Aristóteles.
Para que não sabe, e deveria saber antes de sacramentar juízos de valor contra a China, que Lao Tse e Confúcio viveram antes dos citados filósofos gregos e com mais de dois séculos de antecedência assinalaram princípios de ética e tolerância que até hoje norteiam o horizonte espiritual do povo chinês. Valores altamente amplificados na abertura dos Jogos. Enquanto isso, o que o ocidente fez com os princípios socráticos, platônicos e aristotélicos? Foram para a lata do lixo da história. É isso mesmo.
Sócrates foi condenado a morte por demonstrar que a decadência da democracia grega era expressão da decadência moral do homem grego. E que logo, a democracia grega nunca havia existido. Assim pergunto: será que a decadência moral do homem ocidental hoje não é conseqüência da decadência de uma democracia burguesa, democracia essa que nunca existiu?
Acho que o fato de a cada três segundos uma criança morrer de doenças provocadas pela fome pode responder muito bem a essa pergunta. Com certeza não é por culpa nem dos chineses, nem tampouco do socialismo.
E os direitos humanos? Pergunto eu…