Direita vence eleições em Israel
Semana passada minha coluna teve o título “Falcões podem vencer eleições em Israel”. A desta semana poderia ter sido “Falcões vencem eleições”. Venceram mesmo. Preferi a palavra “direita” no lugar de falcão. Os resultados praticamente já estão definidos.
Publicado 12/02/2009 19:22
Direitista Bibi pode voltar a ser Primeiro Ministro?
Os jornalões paulistas do dia 11 de fevereiro, Folha e Estadão usam o termo “direita” em várias passagens de suas reportagens, de seus correspondentes em Israel ou enviados especiais. Até que é positivo que eles façam isso. O que me estranha é quando esses órgãos de imprensa colocam o partido da atual chanceler Tzipi Livni, o Kadima ser classificado de “centro-esquerda”. Um verdadeiro absurdo. Mesmo que deixemos de lado as definições mais clássicas do significado de “esquerda’ e “direita”, em hipótese alguma o Kadima pode ser considerado um partido de “centro-esquerda”. Com muita boa vontade, um partido de centro.
Ocorre que, com os 21 dias de bombardeios incessantes, o que chamamos de genocídio palestino, por parte de Israel contra a faixa de Gaza, fez com que a sociedade israelense vestisse suas fardas e apoiasse totalmente tais ataques. No auge das agressões, o apoio aos ataques atingiu a 90%. Ou dito de outra forma, apenas um em cada dez cidadãos colocou-se contra a solução militar.
Interessante registrar o elevado índice de acerto das pesquisa eleitorais, nas eleições do tipo distrital que Israel pratica. As previsões eram de que os partidos de extrema direita cresceriam e isso se confirmou nas pesquisas. Mas algumas surpresas ocorreram. Vamos a elas.
1. Direita nacionalista e laica cresce – um dos partidos ideologicamente mais extremados de Israel é o Partido Israel Beitenu (Israel é Nossa Casa). Seu líder, Avigdor Liebermann, é o imigrante russo de 54 anos (saiu da Moldávia, antiga república da URSS) há 30 anos. Seu nacionalismo é extremado. Defende que o ato de concessão de cidadania para árabes que moram em Israel só mediante juramento de lealdade perante a bandeira israelense. Esse partido tinha 11 deputados e pulou para 15, crescendo 36%. Ele será o fiel da balança para ajudar a formar o novo gabinete, seja com o Kadima ou com o Likud. O paradoxo é que ele defende um caráter laico do Estado de Israel e não religioso e judaico como o Shas e mesmo o Likud. É difícil prever para que lado ele penderá, se de Tzipi ou de Bibi (Netanyahu). É provável que em 30 dias o governo seja formado;
2. O impressionante crescimento do Likud – O Likud é um dos mais antigos partidos em israel. Mais antigo que ele apenas o Trabalhista (chamado popularmente de Labor). Nas eleições de 2006 eles tinham sido derrotados, pelo racha com Ariel Sharon que havia fundado o Kadima, que esvaziou o PTI. Elegeram à época apenas 12 deputados. Passaram agora para 27! Um impressionante crescimento de 125%. Netanyahu, que muitos davam como um zumbi na política, morto-vivo abatido e ex-primeiro Ministro, viu-se ressuscitado das cinzas com um discurso extremista. Pregou a campanha inteira contra os acordos de paz, a entrega de terras e defendeu Jerusalém como capital indivisível de Israel. Um absurdo completo, mas hoje com todas as condições de formar um novo governo, de extrema direita;
3. Derrota dos Trabalhistas – Alguns historiadores – erroneamente – costumam descrever os primeiros sionistas que se mudaram para a Palestina no início do século 20 como sendo “socialistas”. Ledo engano. Poderiam até existir alguns que o fossem. Mas a sua maioria cumpria um projeto de colonização, em aliança com as potências ocidentais. Esses primeiros imigrantes fundaram o Partido Trabalhista de Israel, o PTI, ou popularmente conhecidos como Labor. Foram hegemônicos na fundação de Israel e governaram com maioria de 61 deputados (ou mais) até pelo menos 1977, ou quase 30 anos após a proclamação do seu Estado nacional. Seu líder atual, ministro da Defesa do corrupto governo de Olmert, Ehud Barak, é um dos generais mais condecorados e vivos da história israelense. Foi cauteloso na defesa dos ataques à gaza, mas depois de iniciados, foi dos mais sanguinários. Ficou esvaziado. É o grande derrotado destas eleições. Não será sequer o fiel da balança de governo algum. Fala-se que pode se retirar da vida política, deixando a liderança do Partido. Em termos percentuais, o recuo ficou da ordem de 31% (tinha 19 cadeiras, recuou para apenas 13);
4. Kadima na mesma – Os que afirmam que esse Partido é de centro equivocam-se. Logo no seu surgimento, há três anos, cheguei a aventar essa possibilidade em uma das colunas semanais. No entanto, a vida foi mostrando a sua verdadeira face. Como, aliás, com raras exceções, todos os partidos em Israel são assim: organizações conservadoras que servem a um projeto neocolonial, imperialista e que objetiva tomar todas as terras do povo local – o palestino – que forem possíveis de serem tomadas. Esse é o destino manifesto do Estado de Israel. A chanceler Tzipi Livni, vem de um passado nefasto. Foi agente do serviço secreto, o Mossad. Seu “berço” é dos piores. Seu pai militou na organização terrorista chamada Irgun, que tantas chacinas perpetraram contra aldeias palestinas antes de 1948. Suas declarações durante o massacre de Gaza foram horríveis. Defendeu ardorosamente os ataques, a matança, o genocídio. Seu discurso ficou cada vez mais assumidamente de direita. Uns dizem que ela fez isso para tentar barrar o crescimento do Likud, outros que se moveu mesmo, por convencimento, para a extrema direita e que não defenderá mais a solução do chamado “dois estados”. Vai tentar formar um novo governo sob sua liderança e se conseguir será a segunda mulher em 61 a governar Israel, depois de Golda Meir. O crescimento foi zero de cadeiras (tinha 29, recuou para 28);
5. Judeus ultra-ortodoxos – são os fundamentalistas judeus, aqueles que usam chapéus de aba larga preto e trancinhas no cabelo e passam horas e horas olhando um muro com suas vestes religiosas. Defendem o estado teocrático (mais ainda do que Israel já é no momento). Esse partido chama-se Shas. Estavam compostos com Olmert, do Kadima, mas romperam e podem ir para os braços de Bibi. Elegeram 11 deputados (tinha 12, um pequeno recuo);
6. A esquerda israelense – A lista árabe, junto com o Hadash e o Balad, ficou praticamente na mesma. Tinham 10 e elegeram 11, 10% de crescimento. Devem apoiar Tzipi se ela conseguir montar um governo. Aliados a esses, o Meretz, mais à esquerda, que sofreu um recuo grande de 40% (tinham 5 e caíram para 3 apenas).
As combinações possíveis para formar um novo governo são várias. Israel, tal qual o nosso Brasil, nunca foi um país que vivesse o bipartidarismo do modelo americano. Hoje o parlamento tem 13 partidos participando, com 120 deputados apenas (no Brasil com 513 deputados, temos 18 partidos atuando). Tanto Livni como Bibi declararam-se vencedores e em condições de montar um novo governo. Acho que Bibi sairá na frente, pois O Beitenu e o Shas podem ir correndo para seus braços, ainda que do ponto de vista da laicidade do estado estas organizações extremistas divergem (Avigdor chega a defender inclusive o casamento e união estável de pessoas do mesmo sexo, coisa abominável e considerada do “diabo” pelo Shas).
Livni, claro, já lançou um convite para Bibi integrar um governo que ela vem chamando de “união nacional”, onde todos os partidos estivessem presentes. Ficaria ingovernável e muitas crises ocorreriam. Vamos ver que papel os EUA jogará depois desses resultados e o enviado de Barak Obama para a região, George Michel, cuja mãe é libanesa e fala o árabe fluentemente, vão desempenhar. Até agora, não mostraram a que vieram.
A paz, de meu ponto de vista, vai ficando cada dia mais distante.
Programa Ronnie Von
Tive a honra de ter sido convidado para debater no programa Ronnie Von na TV Gazeta, no último dia 10 de fevereiro, para falar sobre o tema desta coluna: eleições em Israel e perspectivas de paz. Debati ao lado do jornalista do Estadão Mauro Chaves, e do professor aposentado da FEA/USP, Dr. Henrique Ratner, de origem judaica. Registro que tal convite chegou-me por indicação dos amigos do Instituto Jerusalém do Brasil, Prof. Ali El Khatib, pelo Dr. Eduardo Elias, presidente da Fearab/SP e pela Drª Claude Hajjar, diretora da Fearab/Américas, aos quais agradeço de forma pública. Acompanharam-me no estúdio da emissora dando apoio de toda ordem, a Claude e meu colega sociólogo, diretor do Sinsesp, Armando Assumpção, aos quais agradeço. Por fim, recebi dezenas de mensagens no celular e por e-mail, bem como telefonemas, parabenizando pela nossa pequena e modesta participação, á serviço da causa palestina. Sempre com muita fundamentação. Ao Ronnie Von em particular, agradeço de coração e o parabenizo pela sua sensibilidade ao tratar de tema tão importante.