Os dois Paraguais e Paris + 11

Durante muito tempo protestamos contra um suposto erro de geografia contido em um livro didático nos Estados Unidos em que a Amazônia brasileira não integrava nosso território nacional. O que vão dizer agora nossos irmãos equatorianos quando souberem que

Na véspera da Conferência Mundial de Ensino Superior (CMES – Unesco), a realizar-se em julho deste ano em Paris, 11 anos após a primeira edição ocorrida na mesma cidade, um detalhe chama atenção: o legado dos governos neoliberais à educação dos seus cidadãos. Ou seja, não é apenas São Paulo, governada há 14 anos pelos tucanos, mas em todos os rincões onde a lógica do estado mínimo vigora (ou vigorou) a situação do ensino em todos os seus níveis é catastrófica.


 



 
Basta lembrar que durante todos os oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso as universidades brasileiras ficaram fechadas a concursos, repondo seu quadro técnico apenas com professores substitutos (graduandos ou recém graduados) e com estagiários docentes bolsistas da Capes (pós-graduandos). Muitos cargos foram extintos. As bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e outras, ficaram dez anos sem qualquer reajuste. A ameaça da cobrança de mensalidades ganhou força e o período foi marcado pela escalada estratosférica das faculdades particulares que abocanharam mais de 70% das matrículas no Ensino Superior. No ensino básico, as conseqüências estão aí: analfabetos funcionais, escolas de lata, professores mal pagos e com nota zero, livros didáticos repletos de erros… Estado mínimo para a Educação pública, mas máximo para banqueiros e agiotas.


 



 
Pelo mundo afora encontramos exemplos diversos deste entulho neoliberal (ainda presente mesmo nos países em que hoje lutam para desvencilhar-se do seu receituário). A superação dos estragos ocasionados não será tarefa fácil e tampouco possível de ser alcançada em um curto prazo. Pelo contrário.


 


 


A herança que nossa geração recebe é calamitosa. Segundo dados da UNESCO, convivemos com um contingente de 37 milhões de analfabetos em nossa região . O número de estudantes no Ensino Superior – recursos humanos imprescindíveis para promover o desenvolvimento econômico e social nestes países -, não ultrapassava a 14 milhões até o ano de 2003. Ao final da década de 90, enquanto a América Latina reunia 8% do total da população mundial, apenas representava 1,6% das publicações científicas mundiais, 0,2 das patentes e 0,2 do conhecimento aplicado .


 


 


Justamente estes países – que adotaram por muitos anos uma agenda neoliberal ortodoxa, em que era apregoada a eficiência do “deus” mercado como eficiente regulador da economia -, são precisamente aqueles em que a relação de matrículas em instituições públicas e privadas mais decresceu. Na atualidade, os mesmos países que por anos de tudo fizeram para promover a educação como um serviço a ser regulamentado pelo GATS como uma mercadoria qualquer, são os que hoje pagam o alto preço de ter uma rede pública de Educação Superior incapaz de fazer frente à expansão indiscriminada do ensino privado. Brasil, Chile, El Salvador e Colômbia (não por acaso onde o dogma neoliberal foi seguido mais à risca) lideram o topo desta lista, com mais de 70% dos seus universitários matriculados na rede privada de ensino. Apenas Cuba garante à sua população a totalidade das vagas em instituições públicas, de forma gratuita.


 


 


Boa oportunidade para passar todos estes dados a limpo e fazer um ajuste de contas com as teses mercantilistas foi a Conferência Regional de Ensino Superior da América Latina e Caribe (CRES), realizada de 4 a 6 de junho do ano passado na cidade colombiana de Cartagena, e que aportará importantes desdobramentos na Conferência Mundial de Ensino Superior, patrocinada pela UNESCO, na cidade de Paris, ainda este ano. O evento terá a oportunidade de reafirmar a Educação Superior com um bem público social, um direito humano e universal e, sobretudo, garantido pelos Estados Nacionais. Deverá condenar as correntes que por anos promovem a mercantilização, a privatização e a redução do apoio e financiamento dos Estados Nacionais na Educação Superior. De igual maneira, a tese da separação do nacional e regional em relação ao global (bem público global) deverá ser rechaçada pelo fato de objetivar fortalecer ainda mais as hegemonias existentes.


 


 


A superação deste quadro alarmante em que vivemos dependerá de ações políticas estruturais, que caminha justamente na contramão da propaganda da grande imprensa que dia e noite condena a tal “gastança pública”. Importante reafirmar que é preciso investir ainda muito mais para recuperar o tempo perdido e superar a tal herança perversa. A onda de concursos públicos promovida pelo governo Lula ainda é tímida frente às demandas apresentadas pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). De igual maneira, os investimentos em C&T que pela primeira vez superou a ordem de 1% do PIB, devem ser incrementados substancialmente. Só assim, livrando-nos de vez das amarras neoliberais, conseguiremos avançar rumo a sistemas nacionais de educação e de C&T avançados e de qualidade.


 


 


Talvez um bom exemplo a ser seguido deva partir justamente destes países em que tentamos riscar do mapa. Uruguai (dirigido pela Frente Ampla de Tabaré Vázquez) tem a segunda maior média de estudantes matriculados na rede público de ensino superior, quase 90%, ficando atrás apenas de Cuba. Tanto Equador como Paraguai, através dos seus governos que apresentam plataformas políticas claramente antineoliberais, adotam ações semelhantes às da Venezuela, Bolívia e Nicarágua, e esperam erradicar o analfabetismo nos próximos anos.


 


 


O mapa educacional latino-americano precisa ser refeito. Esta é, inclusive, a orientação apontada pelos milhares de participantes da última Conferência Regional de Ensino Superior, em Cartagena. Um mapa que em vez de excluir países, elimine o analfabetismo, a ignorância e a lógica neoliberal, inimigos comuns da educação pública em todo o globo.

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