Polêmica das Biografias

Tem uma historinha que eu conheço desde que pisei pela primeira vez em uma redação. Diz que o editor de um jornal, já perto da hora de fechamento, vira-se para um redator e ordena:

— Amanhã é quinta-feira da Paixão, escreva aí um editorial sobre Jesus Cristo.

Prontamente, o redator pergunta:

— A favor ou contra?

O caso é sempre contado em tom de piada, mas carrega uma verdade nua e crua: a imparcialidade não existe. Todos os viventes, jornalistas ou não, têm suas próprias opiniões sobre fatos e pessoas, que se expressam em suas falas ou textos. O que não muda são os fatos, que podem ser interpretados, mas não distorcidos, alterados.

Esse tema vem à tona a propósito da polêmica criada em relação a relatos biográficos não autorizados pelo personagem retratado. Sua origem está em restrição imposta pelo cantor e compositor Roberto Carlos, que desautorizou uma biografia sua, atitude apoiada por vários outros artistas muito queridos dos brasileiros.

Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Djavan e alguns outros saíram em defesa da postura do rei da Jovem Guarda. Virou um bate-boca que envolve o direito à privacidade, garantido pelo Código Civil em vigor, e a liberdade de expressão, uma dádiva da própria natureza humana. E que não são excludentes.

O debate acabou ganhando contornos simplistas e, pelo menos até o momento, em desfavor da liberdade de expressão. Em artigo no jornal OGlobo do último domingo, Caetano diz que era a favor da liberdade total dos biógrafos, mas que saiu em defesa de Roberto por causa de exageros, da falta de limites no que se refere a artistas. Quanto a políticos, empresários e afins o pau pode comer.

Começando pelo começo, a verdade é que não há graça alguma em perfis ou biografias mais extensas escritas em parcerias entre os biografados e o biógrafos. São personagens interpretando suas próprias vivências. Ou seja, por mais que haja outras pessoas envolvidas, no ato de escrever, acabam sendo autobiografias.

Em situação dessas, ao jornalista é aconselhável fazer uma longa entrevista, que fica uma peça, digamos, mais honesta do ponto de vista autoral. Caso aceite o conluio com seu retratado, entretanto, o escriba compromete seu trabalho, virando uma espécie de ghost-writer explícito, escancarado.

Caetano levanta a postura de “uma certa imprensa”, que vive de bisbilhotar a vida de artistas, buscando fatos picantes, muitas vezes distorcidos ou até inventados. É a imprensa marrom, que sempre existiu e, para nossa tristeza, dificilmente vai acabar. Mas, para contê-la ou puni-la existe a Justiça.

Não se pode é punir antecipadamente todos os jornalistas, por supor que eles podem inventar fatos.

A generalização é altamente deletéria, pois significa pancada direta na liberdade de expressão. Ao escritor cabe ter o bom senso, recorrendo inclusive ao contraditório, quando achar necessário. O que não cabe é a censura prévia.

Mesmo que sem querer, portanto, os artistas acabam nos remontando aos dramáticos anos da ditadura militar, que dizia o que podia e o que não podia ser escrito sobre esta ou aquela pessoa.

Muito feio, esse papel.

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