Centrão emparedado por uma crise institucional

O governo Bolsonaro, hoje, se apoia no Centrão para se manter de pé. No entanto, com o isolamento de Bolsonaro, seu movimento passa a ser o tensionamento de uma crise institucional

Fotomontagem feita com as fotos de: IStock e Sérgio Lima/Poder 360

Quando os pais não colocam limites a crianças birrentas achando que pelo fato de serem crianças isso não é um problema, chega o momento em que a birra se transforma em algo mais grave e já não há mais controle. Bolsonaro, por 28 anos, na Câmara dos Deputados, fez apologia à tortura, defendeu ditaduras, ofendeu mulheres, negros e homossexuais e nunca ninguém fez nada. Todos diziam que não passava de uma figura folclórica, que era só da boca para fora, que cachorro que muito late não morde e outras coisas do gênero. Não era alguém a ser levado a sério.

Por uma série de injunções que aqui não vem ao caso, tal figura folclórica chegou ao segundo turno em 2018. Obviamente tal personagem, pelo seu passado de criança birrenta, não era confiável perante as oligarquias brasileiras. Mas elas estavam diante de um dilema: de um lado o PT, contra o qual tanto haviam lutado e tinham conseguido remover do poder e, de outro, o deputado destrambelhado do qual se poderia esperar qualquer coisa, menos que fosse capaz de governar o país. Porém, os militares, que haviam feito de Bolsonaro um projeto de volta ao poder, tendo ajudado a construir sua campanha, apresentaram-se às oligarquias como avalistas e tutores da candidatura. Deram-lhes a garantia de que seriam eles, os militares, que governariam e que manteriam o controverso capitão nos limites da racionalidade.

Bolsonaro, eleito pelas circunstâncias do momento, não sabia e não sabe o que é governar. Não possui espírito de liderança, não entende de gestão, de economia, de defesa, de educação, de saúde, de agricultura, de cultura, de política externa. Entende de rachadinhas e nada mais, de forma que terceirizou o governo aos militares e a economia a Paulo Guedes. Os militares, no entanto, fracassaram nos dois objetivos. Na missão de governar, mostraram-se tão incompetentes quanto o candidato que elegeram. Lotearam cargos, promoveram privilégios corporativos, elevaram o orçamento das Forças Armadas, foram um total desastre na saúde, tiveram catastróficas participações onde se envolveram na educação e fizeram vistas grossas para a devastação da Amazônia. Em síntese, olharam para o próprio umbigo e tão somente procuraram assegurar e ampliar seus privilégios. Na missão de manter Bolsonaro sob controle, o fracasso foi ainda maior. E na maioria das vezes até participaram e avalizaram as manifestações totalitárias que se comprometeram controlar. A participação militar no governo ultrapassou os limites da mediocridade.

Foto: Reprodução

Com o governo se isolando cada vez mais, por iniciativa do general Ramos, o Centrão foi aliciado para compor a base governista no Congresso. Os centristas, no entanto, não são amadores em política como os militares. Todos cantavam a pedra de que não venderiam barato tal apoio. Inicialmente exigiram alguns cargos e condicionaram o apoio ao governo ao apoio deste na disputa das presidências do Senado e da Câmara. Mas a fatura apresentada foi além do comando das duas casas. Em um primeiro momento, tiveram a pretensão de colocar sob o comando de Rodrigo Pacheco a superação da crise sanitária por meio da constituição de um comitê de crise composto pelos três poderes. Também estava na conta o comando do Ministério da Saúde, mas já de cara Bolsonaro deu o calote escanteando a médica Ludhmila Hajjar, indicada por Arthur Lira, e nomeando o tal do Queiroga. O Centrão considerou uma meia vitória, pois pelo menos removeram Pazuello.

Entretanto, o comitê de crise na prática não existiu e, na saúde, avançou a aquisição e distribuição de vacinas, mas a instalação da CPI da Covid escancarou a incompetência dos militares, em especial de Pazuello. O Centrão exigiu então o comando do governo, de forma que, além da Articulação Política, que já havia sido dada a Flávia Arruda, também ganharam a Casa Civil para Ciro Nogueira, fazendo com que Bolsonaro descartasse os militares. Como consolação, restou Braga Netto na Defesa, Ramos, reduzido a oficial de ordem de Bolsonaro, e Heleno, o general senil da Segurança Institucional, que parece ter aprendido que em boca fechada não entra mosca.

Mas enganam-se aqueles que pensam que o Centrão se converteu ao bolsonarismo. Diante do fracasso dos generais, seus integrantes viram a oportunidade de construir o seu próprio projeto de poder. Não querem ser mais meros coadjuvantes abocanhando um ou outro cargo do governo de plantão. O Centrão quer ser o protagonista, quer ser o próprio governo e, assim como fizeram os militares, procuram fazer do incompetente capitão um instrumento do seu projeto. Da mesma forma, colocam-se perante as elites como avalistas do governo, comprometendo-se em tutelar e manter o destrambelhado sob controle. Jogam com duas alternativas. A primeira, é de conseguir resgatar a popularidade de Bolsonaro emplacando um vice e pavimentando o terreno para 2026, e a segunda, caso não consigam tal recuperação em decorrência do descontrole do capitão, é de se qualificar como a terceira via, muito provavelmente costurando a candidatura de Pacheco.

Os centristas resolveram apostar no tratamento que sempre foi dado a Bolsonaro quando ele era deputado, ou seja, deixá-lo falar, pois suas besteiras não representariam perigo. Perceberam que os militares já se desgastaram o suficiente e seria um suicídio se envolverem em um golpe e que o próprio Bolsonaro já demonstra não ter a mesma capacidade para mobilizar suas milícias e fanáticos.

Bolsonaro ao lado de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco – Foto: Marcos Corrêa/PR

Ocorre que Bolsonaro, que não sabe governar e não governa, precisa fazer parecer para os seus eleitores que governa, que é ele quem manda, pois quer ser candidato à reeleição em 2022. Como não entende nada de nada, precisa sempre criar um factoide, uma polêmica, para se manter em evidência.

Bolsonaro entregou o governo ao Centrão, mas, simultaneamente, elegeu como factoide da vez a cruzada contra as urnas eletrônicas. Ficasse ele falando exclusivamente na sua descrença na inviolabilidade do sistema, poderia ser mantido sob controle e o Centrão avançaria em seu projeto. Ocorre que o destrambelhado passou a atacar o Judiciário e seus integrantes de forma vil, obrigando o STF a reagir enquanto instituição e poder da República. Ao tempo em que o Supremo respondeu apertando o cerco com inquéritos contra Bolsonaro, Fux rompeu o diálogo e passou a agir politicamente, exigindo posicionamento de Aras e do próprio Congresso. A crise institucional está instalada e atingiu um grau de tensão que dificilmente terá uma saída que não seja de ruptura.

Todas as possibilidades de diálogo se esgotaram e dificilmente os inquéritos abertos serão interrompidos, de forma que Bolsonaro procurará manter os ataques ao Judiciário. Um rompimento favorável ao capitão, com um golpe de Estado, não encontra apoio nas Forças Armadas neste momento e muito menos nas Oligarquias. Estas últimas, pelo contrário, já se manifestaram em apoio a Fux e segundo alguns jornalistas, até mesmo altos oficiais se mostraram simpáticos a atitude do magistrado. O aprofundamento da crise institucional provavelmente determinará o afastamento de Bolsonaro e aí todo o projeto do Centrão, que acabou de emplacar Ciro Nogueira no comando do governo, terá ido por água abaixo. Com o Centrão desnorteado, Arthur Lira lançou mão da manobra de levar ao plenário da Câmara a decisão sobre o voto impresso. O resultado provavelmente favorável à manutenção do voto eletrônico não calará Bolsonaro e muito menos removerá o STF da posição adotada. O movimento de Lira não tem outro objetivo senão ganhar tempo para que as tensões esfriem e, neste ínterim, encontrar alguma solução para a sinuca de bico em que se encontra. Terá de tirar um coelho da cartola, no entanto, pois dificilmente esta crise institucional será resolvida sem o afastamento de Bolsonaro.

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