País está preparado para reduzir jornada de trabalho, mostra estudo

Economistas da Unicamp também apontam que proposta pode diminuir a jornada de 37% dos que têm carteira assinada e trabalham mais de 36h e beneficiaria outros 38% informais

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Por décadas, o debate sobre a redução da jornada de trabalho, no Brasil, foi hegemonizado pelo argumento de que sua implantação supostamente prejudicaria as empresas e a economia, vocalizando apenas os interesses do capital, em detrimento do bem-estar da classe trabalhadora. Mas, uma série de estudos feitos a partir da realidade concreta vem mostrando que esse tipo de pretexto não é verídico.

Ao mesmo tempo, pesquisas também apontam que as jornadas longas prejudicam a saúde dos trabalhadores, bem como a produtividade, trazendo impactos sociais e econômicos.

Um desses estudos tem o sugestivo nome de “O Brasil está preparado para trabalhar menos — A PEC da redução da jornada e o fim da escala 6×1”. Apresentado em formato de nota, o material foi elaborado por quatro economistas — Marilane Teixeira, Clara Saliba, Caroline Lima de Oliveira e Lilia Bombo Alsisi — do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit/IE) da Unicamp.

De acordo com a nota, a redução da jornada de trabalho “é uma medida não apenas viável, mas essencial para promover a saúde ocupacional, a estabilidade no mercado de trabalho e uma redistribuição mais equitativa da renda. As experiências de empresas que já implementaram jornadas reduzidas mostram que é possível equilibrar produtividade e bem-estar”.



Além disso, argumenta que a diminuição da jornada está situada no centro da luta entre capital e trabalho — sendo um “passo fundamental contra a exploração da classe trabalhadora” — e configura-se como um movimento “histórico e basilar da luta popular e do sindicalismo, pautado na busca por condições dignas de trabalho e de vida”.

Um dos achados do estudo aponta que as ocupações com os maiores índices de pedidos de demissão estão frequentemente associadas à escala 6×1. “Em cinco dessas ocupações, os desligamentos voluntários superaram a média nacional de 36%: vendedores (38,5%), operadores de caixa (47,2%), atendentes de lojas e mercados (42,9%), repositores de mercadorias (46,2%) e operadores de telemarketing (55,7%)”, destacam.

As economistas ponderam que esse movimento “reflete uma crescente insatisfação, especialmente entre os jovens, impulsionada por um mercado de trabalho aquecido, mas com poucas oportunidades de conciliação da vida pessoal e profissional”.

Avanço tecnológico e redução da jornada

Um dos pontos centrais do estudo diz respeito à relação entre os avanços tecnológicos — e consequentemente da produtividade — e a possibilidade de se reduzir o tempo trabalhado.
A nota destaca que a evolução técnica em máquinas e matérias-primas trouxe maior produtividade, de maneira que uma quantidade maior de trabalho pode ser feita no mesmo tempo ou em menos tempo. “Isso eleva os custos com maquinaria e matérias primas, ao passo que reduz o que precisa ser gasto com mão de obra”, afirma.

Em continuidade, explica, “a estratégia para compensar o alto custo das máquinas (o capital constante) é mantê-las funcionando por mais horas, empregando, assim, mais trabalhadores, gerando mais valor e permitindo ganhos exponenciais, mesmo com um maior valor sendo destinado ao pagamento dos equipamentos — e com um valor proporcionalmente menor destinado aos salários”.

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Contudo, diz, “a duração das jornadas raramente acompanha o movimento de elevação da produtividade, resultando em mais trabalho realizado no mesmo período de tempo, com o crescimento do valor produzido e, frequentemente, o aparecimento de hiatos permanentes entre os ganhos da produtividade e os repasses reais dos salários, reduzindo a participação dos salários na renda nacional e empurrando com mais força a desigualdade funcional da renda, em que se vê a crescente apropriação dos empregadores sobre o que é produzido”.

Lembrando opinião registrada pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o estudo diz, ainda, que “a redução da jornada de trabalho aumentaria o emprego e promoveria uma redistribuição favorável de renda. Mesmo numa situação de baixo crescimento, essa distribuição favoreceria a demanda e aumentaria a possibilidade de as empresas ocuparem melhor a capacidade instalada. O impacto seria ainda mais expressivo nos setores intensivos de mão de obra, como o de serviços”.

Para as pesquisadoras, a resistência à redução da jornada decorre, em grande parte, “do não reconhecimento de que jornadas extensas são contraproducentes, reduzem a produtividade, são motivos de adoecimento e podem levar à exaustão”.

Pobreza de tempo

A partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estudo confirma que as jornadas dos trabalhadores são altas, acima de 40 horas, sobretudo considerando o tempo de deslocamento e os cuidados familiares e domésticos, majoritariamente realizados por mulheres.

Em 2022, as brasileiras ocupadas exerceram uma jornada de trabalho não pago de 17 horas e 48 minutos semanais, contra 11 horas no caso dos homens. Já o tempo médio de deslocamento para o trabalho era de, em média, 4 horas e 54 minutos para quem mora em áreas urbanas e de 3 horas e meia no caso das regiões rurais.

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Ressalvando a impossibilidade de somar os dados devido às diferenças entre as pesquisas realizadas, a nota destaca que a conta não fecha no cotidiano da população ocupada: “as horas trabalhadas na semana somadas ao tempo de deslocamento para o trabalho e aos trabalhos de cuidado e afazeres domésticos superam o máximo humanamente possível e colocam a maioria dos trabalhadores e trabalhadoras em um quadro de pobreza de tempo”.

Tal situação não é exclusividade brasileira e o país ocupa posição próxima à média mundial, mas bastante longe de nações mais desenvolvidas.

De acordo com dados obtidos junto à OIT, em 2023, no ranking internacional de horas semanalmente trabalhadas por sexo, o país está em 37º: as brasileiras trabalham cerca de 36h26min, enquanto a média mundial é de 36h42min. A pior correlação está nos Emirados Árabes, que fica próximo de 50 horas, e a melhor, nos Países Baixos, com pouco mais de 25 horas.



No caso dos homens, o Brasil fica em 42º, com 40h32min, enquanto a média mundial é de 41h06min. A pior situação é a da Índia, que chega às 50h e a melhor é a de Tonga, pouco acima de 30 horas.
Retomando a situação brasileira, a nota destaca que a maioria dos trabalhadores (56,3%) se encontra em jornadas de 40 a 44 horas semanais, especialmente quando considerados apenas os trabalhadores formais — para estes, o índice é de 71,4%.

Mas, pondera, “é interessante destacar que 20% da população ocupada, ou 20,88 milhões de pessoas, exercem uma jornada de trabalho superior àquela permitida por lei, que é de no máximo 44 horas semanais: são 8,9 milhões de trabalhadores formais, 10 milhões de informais e 1,8 milhão de empregadores com jornadas habituais de 45 horas semanais” — a denominada sobrejornada.

As economistas ressaltam que apesar de haver a possibilidade legal de “extensão da jornada de trabalho em até duas horas diárias e não mais do que 10 horas por semana — o que levaria a jornada semanal de 44 para, no máximo, 54 horas —, entende-se que o cumprimento de horas extras deve ser uma atividade excepcional, e que não deveria ser contabilizada na jornada de trabalho habitual”.

Trabalhadores em sobrejornada

De acordo com os dados analisados no estudo, a maioria dos trabalhadores em sobrejornada é de homens negros, 36,7%, enquanto na população ocupada total o percentual é em torno de 32,4%. No caso dos homens brancos, a relação é de 29,5% ante 23,7%, respectivamente.

A maior participação masculina nas ocupações com maiores jornadas de trabalho não é uma surpresa, apontam as pesquisadoras. “Ao se considerar o peso que as tarefas de cuidado não pagas exercem no cotidiano das mulheres, o tempo disponível para a realização de trabalhos remunerados é menor para elas e resulta frequentemente em menores jornadas de trabalho — tanto no Brasil quanto no resto do mundo”.

No que diz respeito aos setores econômicos, embora as jornadas excessivas possam parecer estar presentes em apenas parte deles, as pesquisadoras reforçam que a situação é generalizada, tendo, no entanto, alguns setores mais destacados.

É o caso, por exemplo, do grupamento “transporte, armazenagem e correio”, com 32,2% em sobrejornada; “alojamento e alimentação”, com 30,3% e “comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas”, com 26,1%.



Trabalhadores beneficiados

Atualmente, há ao menos dois projetos em pauta no debate sobre a redução da jornada. O que está em estágio mais avançado é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) protocolada na Câmara pela deputada federal Erika Hilton (PSol-SP) em fevereiro. O outro, apresentado no mesmo mês, é da deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS). Embora tenham redações e aspectos diferentes, ambas as propostas convergem para a necessidade de reduzir a jornada atual.

O estudo se debruça sobre o caso da PEC, que propõe o estabelecimento de uma jornada semanal máxima de 36 horas. Com base nesse parâmetro, o estudo traz a estimativa, feita com base na Pnad Contínua, do IBGE, de quantos trabalhadores seriam direta e indiretamente beneficiados.

“Das 103,8 milhões de pessoas ocupadas no 4º trimestre de 2024, 78,3 milhões declararam trabalhar mais de 36h na semana, das quais 38,4 milhões afirmavam ter carteira assinada. Nesse cenário, a aprovação da PEC reduziria a jornada de trabalho de pelo menos 37% dos trabalhadores — aqueles com carteira assinada — e possivelmente afetaria também as condições de trabalho de outros 38% — também trabalhando mais de 36h semanais, mas sem carteira assinada”, explicam.

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A nota projetou também qual pode ser a população atingida caso o limite de 36h seja elevado para 40h semanais — portanto, 4 horas a menos do que o permitido pela legislação atual. “Nesse contexto, 41,3 milhões de trabalhadores e trabalhadoras estariam em sobrejornada, 22,3 milhões dos quais com carteira assinada. A PEC, nesse caso, chegaria a no mínimo 21,5% do mercado de trabalho, podendo atingir outros 18,3% em sobrejornada, mas sem carteira assinada”, pontuam.

Como conclusão, o estudo reforça a “necessidade urgente de reformas nas condições de trabalho no Brasil, não apenas com relação à duração da jornada, mas também ao reconhecimento das múltiplas responsabilidades que recaem sobre os trabalhadores, especialmente mulheres”. E finaliza dizendo que acabar com a escala 6×1 representa “uma importante iniciativa para enfrentar essas desigualdades, embora ainda dependa de um debate mais amplo para garantir a eficácia e a equidade de sua implementação”.