A ameaça do Banco Central

Embora nem sempre funcione perfeitamente, a elevação das taxas de juros tende a ser eficiente no combate à inflação na medida em que reduz o investimento privado e desaquece a demanda agregada.

A política de metas de inflação praticada no Brasil pode ser definida com os seguintes elementos: 1) O Conselho Monetário Nacional anuncia uma meta de inflação anual a ser cumprida pelo Banco Central do Brasil (BCB). Atualmente a meta estabelecida possui um intervalo de tolerância de 2% para cima ou para baixo. 2) O BCB tem como único compromisso a meta de inflação. Neste caso, está a presunção de que, basta manter os preços estáveis que o restante as livres forças do mercado resolvem. 3) Para alcançar seu único compromisso, o BCB utiliza como instrumento a taxa básica de juros (taxa Selic); 4) O BCB anuncia e divulga suas reuniões permitindo que o público possa acompanhar o que pretende fazer a autoridade monetária. Este último elemento é essencial porque atua diretamente sobre as expectativas dos agentes. A política de metas pretende exatamente isto: fazer com que a expectativa dos agentes seja influenciada pelo que se acredita que o BCB fará com a taxa de juros. Por exemplo, se os agentes acham que o BCB elevará a taxa básica de juros, mesmo que isso não se verifique no futuro, as taxas de juros praticadas pelo mercado também se elevam.


 



Embora nem sempre funcione perfeitamente, a elevação das taxas de juros tende a ser eficiente no combate à inflação na medida em que reduz o investimento privado e desaquece a demanda agregada. Isto obviamente aumenta o desemprego e cria repercussões negativas sobre a economia. Os defensores da política de metas de inflação diriam simplesmente que o desemprego é um custo de curto prazo aceitável em relação a um objetivo muito mais importante que é a estabilidade dos preços.


 


O problema nessa história, independente da velha discussão sobre o que é mais  importante – crescimento econômico ou estabilidade de preços –  é que o banco central está longe de ser infalível nas suas análises sobre a inflação. É uma ilusão a idéia de que as análises dos diretores do banco central são baseadas exclusivamente em estudos técnicos. Há um conjunto de fatores em movimento que devem ser considerados na economia que influenciam a dinâmica dos preços. É aí que entra a experiência e as convicções dos diretores do banco central no momento de fixar a taxa de juros.


 



Assim sendo, conforme o editorial do jornal Valor Econômico (1) sobre uma importante pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), não apenas a indústria brasileira continua num processo de expansão, como a capacidade instalada recuou de 83,1%, em janeiro, para 82,9%, em fevereiro. Isto é sinal de que os investimentos em capital fixo estão em fase de maturação. Por outro lado, os preços que estão em expansão são os preços das commodities, justamente aqueles que são cotados no mercado internacional e sobre o qual as taxas de juros têm pouquíssima influência. E, como se isso não bastasse, as expectativas de inflação para 2008 continuam dentro da meta estipulada. No acumulado de 12 meses encerrados em março, a inflação medida pelo IPCA, índice oficial, ficou em 4,73%; ou seja, bem abaixo do teto da meta que é de 6,5%.  No entanto, o BCB insiste em passar a idéia de que o risco de descontrole inflacionário é gigantesco, alimentando ele próprio as expectativas de inflação.


 


Ora, por que o BCB trabalha com tanto afinco para provar que a inflação pode ultrapassar a meta estabelecida? Como entender essa fixação por juros altos? Aliás, o que explica a pobreza do debate econômico atual no qual tudo o que parece interessar é se a taxa de juros deve aumentar ou não?


 


O saudoso Nelson Rodrigues afirmava que ninguém é imparcial. O ser humano é capaz de tudo, exceto ser imparcial. “Só acredito na isenção do sujeito que declarar que a própria mãe é vigarista”, dizia Nelson. Quem sabe é só uma desgraçada coincidência, mas a verdade é que a obsessão por juros altos vai ao encontro dos interesses da haute finance (2). Basta verificar como o setor financeiro nacional “engoliu” fácil e tranquilamente os argumentos do BCB.


 


De qualquer forma, mesmo que o risco em não cumprir a meta de inflação fosse realmente alto, outras variáveis teriam que ser levadas em consideração pelo BCB. A principal delas é a deterioração nas contas externas, principalmente em um momento em que as taxas de juros do Fed (banco central dos Estados Unidos) estão baixas. Se o aumento da Selic se confirmar, é muito provável que o processo de deterioração da conta de Transações Correntes se acelere em função da valorização do câmbio. Não custa lembrar que em dezembro de 2001, quando a Argentina enfrentou a pior crise de sua história, o país não tinha absolutamente qualquer problema com inflação.


 


Isto demonstra um problema crucial na política de metas de inflação. Os diretores do BCB podem justificar seu conservadorismo extremado com a obrigação de manter a inflação dentro da meta, único objetivo a ser perseguido. Dessa forma mantêm suas reputações em alta diante do mercado financeiro, uma garantia de bons empregos no futuro, porém ao custo de quebrar o país. 


Notas


(1) “BONS sinais no recuo do uso da capacidade industrial”. Opinião, Valor Econômico, 7 de abril de 2008.


 


(2) Conforme a expressão de Karl Polanyi, na sua magnífica obra A grande Transformação.

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