A Capoeira em movimento
Prestes a completar três séculos de existência a Capoeira poderá obter uma conquista que talvez seja a maior de sua tumultuada história.
Publicado 16/12/2009 18:58
Surgida das entranhas da luta pela liberdade dos escravos, instrumento poderoso na cruel batalha que se desenvolveu, das senzalas às matas do Brasil colonial, a luta disfarçada em dança se tornou uma "arte marcial".
Apesar da polêmica, por vezes acadêmica, quanto ao seu surgimento e origem, os argumentos cada vez mais fortes e incontestavéis surgem a favor daqueles, que como eu, defendem que ela, embora tenha sido gestada na África, foi aqui que nasceu e ganhou vida. Jovem ainda, sofreu mudanças e alterações que ocorreriam ao longo de sua trajetória até os dias de hoje.
Produto da luta contra a opressão racial foi se adaptando e se tornando contemporânea e não podia ser diferente. Considerou o tipo fisico de quem a praticava, as condições onde se desenvolvia e os perigos existentes em cada região. Assim como as influências de outras culturas que habitaram e habitam o nosso vasto país. Foi poderosa a sua participação na luta abolicionista. Jogou papel de destaque nas manifestações que atecederam a Lei Áurea e as que a ela se seguiram.
Ao final, ludribiada pelos que propagandeavam que a liberdade dos escravos tinha sido obra da bondade monárquica personificada pela Princesa Isabel, defendeu a Monarquia na peleja desta, com a nascente e progressista República.
A República, embora avançada em relação ao regime anterior, trouxe em suas entranhas aspectos do velho sistema e vingando-se das escaramuças protagonizadas pela velha e forte Capoeira, transformou-a em crime, e mais, colocou o Capoeirista Sampaio Ferraz, Delegado de Policia Federal, no encalço dos então "criminosos" que, como delito, tinham no seu curriculum a arte dos seus ancestrais. A luta foi ferrenha.
Claro que a utilização da Capoeira como instrumento, quase que como milicia nas temivéis maltas e nas disputas políticas no Rio de Janeiro e em Recife, não foi só o fenômeno social subjetivo, também foi fruto da necessidade dos negros libertos, sem condições de sobrevivência, buscarem formas de se manter. A ocupação dos capoeiristas na defesa deste ou daquele grupo político era, para quem nada recebia por morrer de trabalhar, vantajoso do ponto de vista financeiro.
Mas, perseguida, criminalizada e caluniada, não foi extinta. Pelo contrário, espalhou-se mais uma vez pelo Brasil subindo para a Bahia onde nesta época se fortaleceu e muito. E foi de lá que veio forte, como movimento esportivo encabeçada pelos capoeiristas baianos, tendo à frente o Mestre Bimba e seus universitários alunos. Getúlio Vargas, seduzido pelo balanço e ginga desta arte, combinando com sua visão de Nação colocou-a como esporte "genuinamente brasileiro", segundo palavras a ele atribuídas.
E foi nesta forma (esportiva) que ela ganhou o Brasil e se espalhou pelo mundo. Claro que este avanço também abriu portas para os defensores do estilo tradicional, aquele um pouco diferente do aperfeiçoado por "Bimba".
Mas esta polêmica, se interessa a alguns, não interessa à Capoeira que sempre foi e será viva, mutante, evoluída e adaptável. Como esporte, ganhou academias, escolas e clubes e tudo isso sem sair das ruas onde é "jogada", práticada em cada canto deste imenso país e em mais de 113 países no mundo.
Na década de 70 foi "aprisionada" em uma Confederação Brasileira de Pugilismo (Boxe). Mas isso foi por pouco tempo. Logo, guerreira, procurou suas próprias formas de organizar, fundou suas entidades e associações, grupos e ligas e massificou-se extraordinariamente, a despeito de todo racismo e preconceito que ainda grassa as suas atividades país afora.
Enfrentou uma luta contra a ingerência indevida do sistema CREF/CONFEF. Buscou sua emancipação e madura foi dialogar com o poder público. Neste período, começou a enfrentar e ainda enfrenta, seu mais forte inimigo, mais temivel adversário e este ela não conseguiu vencer ainda, que é a sua divisão. Com seus derivados teimam em rondar as suas vitórias como um espectro tenta eliminar as perspesctivas de sucesso.
Fortemente apoiado na vaidade primitiva de alguns líderes na tentativa, a todo custo, de projetar a uns mais que outros, infelizmente patina. Em 2003 talvez tenha realizado sua maior e mais importante mobilização de toda sua história. No 1º Congresso Nacional de Capoeira realizado em São Paulo, em agosto, onde mais de 1000 delegados e delegadas representando 24 estados brasileiros debateram e concluiram de forma unitária e combativa que queriam sim um reconhecimento maior do Estado Brasileiro. Definiu que a Capoeira como Patrimônio Cultural e Histórico do nosso povo não poderia ficar relegada com estava. E o governo do Presidente Lula através de Ministério como o da Cultura, Esporte, Educação e das Relações Exteriores deram e estão dando enorme contribuição para este resgate importante e necessário. E assim seguiu-se o 2º Congresso no Rio de Janeiro, em novembro de 2004, que também consolidou a unidade e as bandeiras de lutas.
Às vésperas de se transformar em profissão e talvez em Esporte Olímpico entra em sua fase decisiva. É uma verdadeira encruzilhada. Ou avança e amplia seus horizontes e deixa para trás atitudes e metódos utrapassados que não servem ao coletivo, ou se afunda na areia movediça dos que tentam puxar para trás a roda da história. Ou segue seu caminho de múltiplas atividades, de instrumento potente de inclusão social, de prática desportiva e cultural de alto nível, ou fica no "reme-reme" das rodas sectárias e estreitas que reduziram à mera dança que anima cada vez menos gente e solidifica tribos.
A conquista da capoeira como profissão é um passo importante, talvez definitivo, para este avanço. Ela permitirá de forma consistente a entrada desta prática na escola como parte integrante do apredizado da história africana e sua influência em nossa cultura e vida. Permitirá que os milhões que vivem de sua prática tenham assistência e fiscalização do estado para as suas atividades, separando o joio do trigo que é fundamental para a depuração necessária na vida de qualquer ser vivo. Permitirá que tenhamos conselhos gestores, que desenvolvamos caminhos e mecanismos de sua maior difusão e de sua responsabilidade.
O Projeto de Lei de autoria do Deputado Federal do PTB de São Paulo, Arnaldo Faria de Sá – PL nº 07150/2002 – que agora tramita no Senado pelas mãos do relator Senador José Nery (PSOL do Pará), pode possibilitar tudo isso, desde que a comunidade madura e consciente se mobilize para garantir que a lei, ao ser aprovada, não se torne letra morta.
Afinal, "a Capoeira é uma expressão cultural que mistura esporte, luta, dança,cultura popular e brincadeira.desenvolvida por descendentes de escravos africanos trazidos ao Brasil, além de representar a resitência dos negros a escravidão", como bem diz o texto na justificativa do Projeto de Lei.
Axé!