“A Gaiola Dourada" Incômodas Conveniências

Cineasta francês Ruben Alves mostra nesta comédia de costumes a exploração e a subserviência a que se submetem os imigrantes portugueses na França de hoje

Nesta comédia que oscila entre os costumes e a crítica social, beirando às vezes a chanchada, o cineasta francês Ruben Alves ousa abrir as cortinas para mostrar, sem meios tons, o tratamento a que segmentos franceses submetem os 580.240 mil (*) imigrantes portugueses (e não só eles). É um tema delicado, devido ao crescimento da fascista Frente Nacional (FN), de Marine Le Pen, que nas últimas eleições francesas obteve 7% dos votos. A FN defende o fechamento do país aos imigrantes e a expulsão dos que lá estão, mudando a outrora imagem do país aberto aos povos das mais diversas nacionalidades e continentes.

A ação deste “A Gaiola Dourada” se passa em Paris, mas os cenários são o canteiro de obras, o condomínio de luxo de burgueses aposentados e o circuito de bares e restaurantes frequentado pelos imigrantes portugueses. Dentre eles a família Teixeira da Costa Ribeiro, José Manuel (Joaquim de Almeida), Maria (Rita Blanco) e os filhos Paula (Barbara Cabrita) e Pedro (Alex Alves Pereira). Em sua órbita vivem ainda Lourdes (Jacqueline Corado da Silva), irmã de Maria, e seu companheiro Carlos (Jean-Pierre Martins). Há 35 anos na França, eles se desdobram para agradar seus patrões e sonham, um dia, retornar “ricos” a Portugal.

É com esta trupe lusitana que Ruben Alves e seus corroteiristas Jean-André Yerlès e Hugo Célin criam hilariantes situações. Principalmente na primeira parte, quando opõem Maria à rica Madame Reichert (Nicole Croisille) e José ao empreiteiro Francis Caillaux (Roland Giraud). Reichert é mestre em corrigir as trocas de “b” por “p” de Lurdes e irritar Maria com suas absurdas exigências. O riso nestas ocasiões brota do ridículo da francesa e do muxoxo da portuguesa. O mesmo se dá com José, sorridente, tão submisso que se apalerma diante do patrão Caillaux. É o preço pago pela sobrevivência na França.

Alves cria fino e inteligente humor

O humor só muda quando a inquieta Lourdes e a ardilosa Rosa (Maria Vieira) se opõem a Reichert e a Caillaux. Elas, ao contrário da acanhada Maria, criticam a vaidade de Reichert, e Rosa, em particular, a peruca de Caillaux. O riso rasgado vem do mau humor, provocado por um tipo de vingança às escondidas. O subjugado encontra uma forma de zombar de quem o oprime e o coloca em situações vexatórias. Em outras sequências, Alves reconstrói a comédia de situações com ligeiras mudanças de papéis, pondo um patrão como algoz do outro. E cria, desta forma, um fino e inteligente humor.

Esta reversão de papéis se dá pela maneira como Alves estrutura a velha sequência do jantar em que as famílias do namorado e da namorada enfim se conhecem. Ao invés da trapalhada vir dos pais da moça, Paula, quem destoa é a mãe do rapaz, Charles (Lannick Gautry). Solange Caillaux (Chantal Lauby) é a típica socialite disposta a desfilar sua “cultura” perante os “incultos imigrantes portugueses”. Ela tenta agradar Maria oferecendo-lhe tulipas, confundindo-os com outra flor-símbolo da Revolução dos Cravos (1974/1979), em Portugal. Mas quanto mais Caillaux a corrige, mais ela se enrola.

No entanto, seu grande momento nesta inversão é quando ela atende a sempre incômoda Madame Reichert e a trata como esta faz com Maria. Além do riso, há o sentido de que são iguais, mesmo em papéis trocados. E num tom de troça, de quem pouco se importa com as consequências. Maria exulta, pois gostaria de ter feito o mesmo, só não o fazendo por se sentir “intrusa” no país de ambas. É com estas sutilezas (ou talvez nem tanto), que Alves trata de tema tão delicado. O que ele deslinda nestas sequências atesta o risível tratamento dado por segmentos franceses aos imigrantes tidos como indesejáveis.

Luta de classe é posta a nu

Com esta visão, construída na primeira parte, Alves chega à segunda deixando a chanchada de lado, o humor torna-se ácido, de comédia dramática. Os Costa Ribeiro decidem se insurgir contra a exploração. A acanhada Maria põe fogo no vestido da mãe de Madame Reichert, José monta uma parede inclinada para Caillaux apresentar a seus clientes, como modelo a ser erguido em novo shopping. Ao serem cobrados, eles desfiam todo o rancor contra os baixos salários e os altos lucros obtidos às suas custas. A luta de classe põe a nu o acirrado conflito entre capital e trabalho na França atual.

Assim, Caillaux e Reichert se veem na encruzilhada entre reconhecer o valor e a contribuição deles ou simplesmente rechaçá-los. Alves então atenua os impasses, através de uma artimanha dramatúrgica. Paula se torna o ponto de equilíbrio entre as famílias Costa Ribeiro e Caillaux, por ser francesa, de origem portuguesa. E o desfecho flui para uma espécie de arremate nostálgico-familiar, “à portuguesa com certeza”. O que não tira o encanto desta comédia que trata de tema sério rindo de portugueses e franceses.

“A Gaiola Dourada”. (“Le Cage Dorée”). Portugal/França. Comédia de costumes. 2013. 91 minutos. Montagem: Nassin Gordji Tehrani. Música: Rodrigo Leão. Fotografia: André Szankowski. Argumento: Ruben Alves/Luc-Olivier Veuve. Roteiro: Ruben Alves/Jean-André Yerlès/Hugo Célin. Direção: Ruben Alves. Elenco: Rita Blanco, Joaquim de Almeida, Roland Giraud, Chantal Lauby, Barbara Cabrita, Lannick Gautry.

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