A ONU e o massacre israelense

Desde a segunda-feira desta semana, os Estados Unidos e a França, apresentaram uma proposta de Resolução em conjunto para a crise envolvendo Israel, o país mais agressor no Oriente Médio, que ataca a população civil de forma indistinta no Líbano. A propos

O massacre prossegue. O mais brutal de todos eles foi perpetrado na cidade libanesa de Cana, considerada sagrada para os cristãos, pois teria sido nessa aldeia que Jesus Cristo teria feito o primeiro de seus vários milagres relatados na Bíblia. Entre os quase 60 mortos, 37 eram crianças. É como se um Herodes israelense estivesse à solta na região. O que vimos presenciando é que o prazo dado ao estado judeu pelos Estados Unidos para o massacre e para supostamente tentar destruir as bases do grupo Hizbolláh no Líbano – em torno de duas semanas – não surtiu efeito algum e a resistência libanesa à ocupação de Israel no Sul do Líbano continua firme. É bem verdade que continuam as evidentes desproporções de forças dos dois lados envolvidos no conflito. De um lado o oitavo mais poderoso e bem treinado exército do mundo e de outro lado, os guerrilheiros muçulmanos, em sua maioria de linha xiita. Mais de mil libaneses foram mortos e cerca de cem israelenses. Os deslocados na guerra, no Líbano, já ultrapassam a um milhão de pessoas, que fugiram de suas casas, que, também em sua maioria, foi totalmente destruída pelas bombas ditas inteligentes (idiotas na verdade), que são fornecidas pelos EUA à Israel.



As bases da proposta são de forma resumida:



• Devem ser respeitadas as soberanias e a integridade territorial do Líbano e de Israel (mas, não há uma palavra e menção à retirada das tropas israelenses do Líbano);
• Fica estabelecida uma linha azul, que seria uma espécie de fronteira demarcada entre os dois países;
• A fronteira real entre os dois países seria delimitada nas áreas em disputa (faz-se menção às Fazendas do Sheeba, ocupadas há anos por Israel e pertencentes ao Líbano);
• Cria-se uma zona “tampão”, que ficaria situada entre a faixa azul e o rio Litani e esta região seria ocupada por forças internacionais, sob a supervisão da ONU;
• Todos os grupos seriam desarmados no Líbano;
• Haveria um embargo supervisionado pela ONU, das vendas de armas para o Líbano;
• Israel teria que fornecer o mapa de todas as minas terrestres que implantou na região de fronteira (a única concessão ao Líbano feita na proposta).



O combativo e competente jornalista Robert Fisk, morador há anos de Beirute e especialista em Oriente Médio, teceu comentários interessantes sobre tal resolução, com os quais estou plenamente de acordo. É como se essa gente, das potências imperiais, não aprendessem com seus erros na história. Insistem em desrespeitar os países árabes e aliam-se ao agressor, que é Israel. A resolução é na verdade anti-Líbano e pró-Israel. Fisk adota o termo “irritante e ofensivo”, à proposta de resolução e chega a dizer que é como se ouvíssemos o gemido dos libaneses ao lerem a proposta (1). É um “documento cheio de falsidades e parcialidades”.



O mais incrível é que a proposta nada fala sobre a imensa e desproporcional diferença na resposta que Israel dá aos ataques que recebeu da guerrilha libanesa no norte de seu país. Há controversas inclusive, entre especialistas, que Israel já preparava os ataques independente do seqüestro de dois soldados libaneses em 12 de julho passado (vamos completar um mês de seguidos e pesados ataques e bombardeios das Forças de Defesa de Israel contra aldeias e povoados libaneses e à sua capital, Beirute).



Interessante ainda o fato que a proposta menciona apenas o desarmamento do Hizbolláh e nada fala da violência israelense. É como se tivéssemos dois pesos e duas medidas. Na própria imprensa e mídia grande, os guerrilheiros muçulmanos são tratados como “terroristas”, mas os soldados israelenses que matam, massacram e assassinam civis e inocentes palestinos e libaneses não tem o mesmo tratamento de linguagem por essa imprensa, comprometida, em sua imensa maioria, com os países imperialistas e com o sionista político.



Do lado dos libaneses, ainda que feita pelo governo enfraquecido do primeiro Ministro Fouad Siniora, o que se propõe é: 1. Fim imediato dos conflitos e um cessar fogo total e completo; 2. Devolução de todas as terras libanesas tomadas por Israel; 3. Libertação de todos os prisioneiros libaneses por Israel (são centenas) e 4. Entrega dos mapas das minas terrestres.



As causas e conseqüências do conflito



A raiz de todos os problemas vividos no Oriente Médio, sem dúvida alguma, foi a criação do Estado de Israel, pela ONU em 29 de novembro de 1947, há quase 60 anos. Se as potências imperialistas não se derem conta e convencerem Israel disso, de que a paz só poderá ser conquistada se houver a devolução das terras árabes e palestinas ocupadas ilegalmente, a situação vai continuar tensa e o problema vai se agravar mais. Os países árabes só reconheceriam o Estado de Israel – pelo menos a imensa maioria deles que até hoje não reconhece – se esse estado devolvesse todas as terras e as suas fronteiras voltassem às de junho de 1967, quando da Guerra dos Seis Dias. Pelo andar da carruagem, para os palestinos restarão, no máximo, uns 10% das terras que lhes foi destinado pela ONU em 1947 e ainda assim, divididas em três regiões separadas, como se fossem bantustões africanos.


 


No conflito palestino especificamente há que se garantir que pelo menos Jerusalém Oriental deve ser reconhecida como a capital do Estado Palestino e todos os refugiados de 1948 devem ter o direito ao retorno ou ao menos ser discutido uma indenização para os mesmos.


 


David Gardner, jornalista do poderoso Financial Times em recente artigo, mostra como a posição dos Estados Unidos vem piorando sobre a questão palestina e em relação aos libaneses. Durante o governo do democrata Jimmy Carter (1977-1980), a referência aos assentamentos era de que eles eram “ilegais”. Nos governos republicanos seguintes de Ronald Reagan e George Bush (pai), de 1980 a 1992, a posição sobre os assentamentos era de que eles seriam “obstáculos à paz”. No governo de Bill Clinton, ainda que democrata, tais assentamentos judaicos passaram a ser “fatores complicadores” e por fim, no atual governo Bush (filho), autorizou-se a recaptura de terras palestinas e a construção do Muro da Vergonha, que separa Israel da Cisjordânia, condenado por diversos organismos internacionais da ONU (2).



A reação dos árabes



É claro que sei bem a diferença entre os povos e seus governos. Às ruas das capitais dos países árabes foram tomadas de amplas e gigantescas manifestações dos povos árabes tanto aos libaneses como aos palestinos. No entanto, a bovina mansidão dos governantes desses países é impressionante.



Somente esta semana, após 25 dias seguidos de massacres e bombardeios israelenses contra aldeias libanesas a Liga dos Estados Árabes mexeu-se. É como se esses países e governos estivessem dando o mesmo prazo de algumas semanas para Israel completar o seu “serviço” e massacrar a resistência guerrilheira libanesa, comandada pelo valorosos guerrilheiros do Hizbolláh. Antes disso, no máximo notas oficiais de governos, declarações de ministros e condenações verbais. Nada mais. Um silêncio obsequioso.



Mesmo a reação desta semana, ocorreu a partir de uma reunião de “emergência” da Liga dos Estados Árabes, realizada na cidade de Beirute. Até mesmo para que a reunião ocorresse, foi preciso um avião militar egípcio para trazer os ministros das relações exteriores dos países árabes e uma autorização da parte de Israel de forma que os agressores permitiram ao avião pudesse pousar no aeroporto internacional de Beirute.



Tal qual a nota que o Partido comunista Libanês emitiu recentemente, nós somamos nossas vozes e indagamos: “Onde estão os exércitos árabes?”. Não que queiramos um conflito internacionalizado e generalizado na região, que a ninguém interessa. Mas, há que se cobrar uma ativa solidariedade dos países e dos governos árabes ao povo libanês e palestino que vive o peso do massacre israelense.



Não somo a minha opinião com os que chegam a falar em uma possível terceira guerra mundial, como chegou a prever o direitista e ex-deputado republicano dos EUA, Newton Grinch. Mas, não é possível que os Estados Unidos, que seguem sendo a maior potência militar do planeta, continue agindo da forma de um xerife planetário. Os países e a ONU deveriam dar um basta a isso, mesmo que fosse usando a linguagem militar.



Por fim, e dentro de um profundo desgaste que vem sofrendo e do isolamento que Israel vem enfrentando na comunidade do sistema das Nações Unidas, este país enviou um sinal de que achou “interessante” a proposta do exército libanês ocupar e controlar a fronteira do Sul do país. Assim poderíamos até imaginar uma eventual retirada do exército israelense da região. Pessoalmente, não vejo nem a terceira guerra à vista, mas também não vejo nenhuma perspectiva de paz para a região. Minhas opiniões pessoais são:



1. A paz esta cada vez mais distante;
2. É possível que no Iraque se caminhe para uma guerra civil;
3. Há u claro fortalecimentos dos grupos fundamentalistas islâmicos na região (venceram as eleições no Iraque e no Líbano fizeram pelo menos 27% dos votos e na Palestina formaram o governo);
4. Israel vai ficando cada vez mais isolada dos países e mal visto pela ONU (ainda que esta não tenha poder alguma de punir o estado judeu);
5. O Hizbolláh, que é um misto de Partido, milícia e movimento, vai ficando cada vez mais forte, a despeito de todos os ataques que tem recebido (mas responde cada vez com mais força e vigor a todos eles).



Torço pela paz, mas não a vejo no horizonte próximo.



Notas


(1) Ver artigo intitulado “Resolução da ONU não põe fim à crise”, do autor, jornalista do The Independent, publicado na Folha no dia 7 de agosto de 2006, página A12.



(2) Ver artigo do autor publicado na Folha de SP de 6 de agosto de 2006, na página A12, intitulado “Verdadeira raiz do conflito foi negligenciada pelos EUA”,

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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