A segunda parte do filme independente

A segunda parte do filme “A Bread Gactory”, o cinema no cineasta senegalês Ousmane Sembène e a cultura afro-americana em “A voz suprema do blues”

Filme "A Bread Factory - Part Two: Walk with me a while" | Foto: DIvulgação

Comentei na semana passada a realização norte-americana “A bread factory – Part One” e reclamei da Mubi a segunda parte. Eles lançaram logo depois e assim pudemos assistir a “A bread factory – Part two: Walk with me a while”.  

É claro que eu estou sabendo só um pouquinho de inglês e seria então impossível uma análise mais aprofundada desse filme dirigido por Patrick Wang com produção independente, pois se trata – como eu posso observar – de um produto realmente intelectual, que exige do espectador um nível cultural não primário. 

Nessa segunda parte, a ação teatral está mais evidente, não porque tenha havido uma reformulação na narrativa, mas pela força teatral do que é narrado. Nos dá a impressão de um filme da Inglaterra, isso pela força da parte oral. Mas a expressão é norte-americana. E a beleza que temos nos diálogos continua, mesmo quando o assunto é o cotidiano. E quando temos a sequência em que o sapateado domina a cena, fazendo a cultura dos Estados Unidos dominar a comunicação.  

Uma beleza extrema temos na sequência final, tanto pelo acompanhamento musical quanto pela própria imagem e como ela está compondo o contexto do filme.  

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Quando assistimos a uma obra como essa “A bread factory”, sentimos quanto o cinema já evoluiu como arte e se transformou numa sétima arte integralmente. Nunca mais o cinema será um simples brinquedo incapaz de contextualizar uma criação de grande poder artístico. Isso é fundamental, inclusive para sustentar a própria cultura dos Estados Unidos.  

Olinda, 29. 06. 22 

Dois filmes de Ousmane Sembène

Filmes “A negra de…” e “O Carroceiro” | Fotos: Divulgação

São dois filmes do cineasta africano do Senegal Ousmane Sembène. Um é “A negra de…” (La noire de …), de 1 hora de duração. O outro é “O carroceiro” (Boron Sarret), que tem apenas 20 minutos. Eles foram preservados por uma Fundação criada por cineastas norte-americanos e restaurados chegam agora à Mubi. Foram produzidos em 1966 e 1963, respectivamente. 

“A negra de …” conta a estória de uma moça do Senegal que vai para Paris contratada por uma família francesa para tomar conta de duas crianças, e termina sendo doméstica e revoltada. “O carroceiro” parte da vida de um jovem que trabalha com uma carroça, mas que termina perdendo sua carroça tomada pela polícia. 

Dois filmes importantíssimos para a História do Cinema e não só da África, razão pela qual foram restaurados pela Fundação norte-americana. Mostra a existência de figuras ligadas ao cinema em muitos outros espaços, inclusive na África.  

Entretanto, sinto mais tristeza, ou melhor, senti mais tristeza quando assisti a “O carroceiro”, que nunca tinha visto, e quando revi “A negra de …”, que tinha visto e comentado lá pelos anos 60, quando era crítico do Jornal do Commercio no Recife. Tristeza simplesmente porque vejo como a esperança que tínhamos, quando assistimos a esses filmes nos anos 60, não se concretizou. Ao que parece, os filmes não têm força prática para influenciar na vida da humanidade. Certamente, o cinema é uma grande arte e tem a utilidade de uma grande arte, como o teatro. Mas obras como estas de Ousmane Sembène, cuja pretensão de realizador era ‘mudar o mundo’, não chegam a influenciar nem na própria Dakar, cidade onde a estória do carroceiro se passa, e capital do Senegal. 

O jeito é gozar o prazer estético. Principalmente o curta-metragem mostra uma inovadora linguagem cinematográfica. Quanto ao extraordinário drama social que divulgou, tudo mostra que foi como se nunca passasse de uma estorinha de Trancoso.  

Olinda, 30. 06. 22 

O negro e a cultura afro-americana

Filme “A voz suprema do blues” | Foto: Divulgação

O filme se chama “A voz suprema do blues”, que está sendo exibido na Netflix, Eu coloquei no texto o título acima, justamente para destacar o que a produção realmente desejou, que não foi contar simplesmente a história da cantora Ma Rainey, mas colocar questões e contribuir para o conhecimento da cultura negra afro-americana. Eu já tinha assistido a esse filme antes, mas o volume total dos diálogos me impediu de entendê-lo. A verdade é que a gente é sempre um novo crítico, e por mais velho que estejamos, por exemplo, no meu caso foi o fato de ter estudado e estar estudando o inglês. É fundamental conhecer a língua do país para então melhor se localizar com o que estamos lidando.  

A equipe técnica-artística desse filme não me é muito conhecida, e o elemento talvez famoso seja o produtor Denzel Washington, sendo ele provavelmente o principal mentor de todo o debate que temos em torno do que é a cultura afro-americana. Além do filme mesmo, que tem a duração de 1h34min, eles apresentam uma documentação em torno do que é o povo afro-americano e sua maneira de pensar. Vários integrantes do elenco comentam como se colocam no contexto dessa cultura.  

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A estrutura de “A voz suprema do blues”, do ponto de vista do cinema, é muito simples, mas muito correta, inclusive para o nível norte-americano. Mas é enquanto representação de vida que o filme vai ganhando importância. Eu hoje me sinto até mesmo envergonhado por não ter aprendido o inglês antes, e assim não sei como era cronista de cinema sem saber inglês. Agora estou procurando cobrir essa deficiência. 

A bluseira Ma Rainey viveu nos anos 20 do século passado, teve grande importância para a formação da cultura do blue, e assim é um excelente esteio como elemento de explicitação do que o filme quer. Também a atriz-cantora Viola Davis cumpriu muito bem seu papel de a representar. O diretor-roteirista George C. Wolfe soube conduzir com clareza toda a trama, e assim dividir o tempo entre apresentações musicais e os muitos momentos vividos pelos intérpretes dos músicos. Temos uns quinze por cento do filme em torno de Ma Rainey, e no mais temos diálogos e questões colocadas pelos músicos. Mas não só questões dos instrumentistas, e sim o mais fundamental que é viver como naqueles anos de um século atrás, que estava começando a se formar como povo específico. Sabemos que o negro nos Estados Unidos conseguiu criar a sua própria cultura sem se preocupar, ou melhor, fugindo a um acordo com os brancos. Que realmente escolheram o mando. No Brasil, a luta foi diferente e certamente o sociólogo-antropólogo Gilberto Freyre analisou muito bem essa questão. 

“A voz suprema do blues” é uma excelente programação na Netflix. 

Olinda, 01. 07. 22 

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