A Semana Santa agora e antigamente

Saudade do tempo em que ainda se parava para pensar, mesmo quando o ritual nos parecia incompreensível. 

Encenação da Paixão de Cristo em Nova Jerusalém, Agreste Pernambucano. Foto: Divulgação


Em tempo de comunicação cibernética, as informações nos chegam múltiplas e em tempo real. Busco notícias da cena política e encontro uma enxurrada de fatos de toda ordem. Dentre eles, alguns registros do que será a Sexta-feira Santa. 

Sim, apenas alguns registros, quase perdidos em meio ao farto noticiário. 

E o que encontro em nada se parece com o que acontecia na minha infância. 

Fala-se em praias, espetáculos teatrais e até shows de jazz. E como que para não se cometer nenhum sacrilégio, também se anunciam atos religiosos. 

Naquele tempo (estou falando obviamente do século passado), tudo funcionava como se de fato estivesse acontecendo, em tempo real, o sacrifício de Jesus. 

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As emissoras de rádio tocavam peças clássicas instrumentais e dobrados entremeados, em alguns horários supostamente solenes, pela leitura de textos religiosos. 

Lá em casa minha mãe, católica praticante, nos servia refeições frugais a base de peixe. Carne, não. Nada que pudesse sugerir prazer. Doces, por exemplo, nem pensar. 

Como experimentar algum prazer no exato dia em que Jesus Cristo era imolado para redimir a Humanidade? 

Então ficávamos em casa meio que ociosos. E impacientes, cabe confessar. 

Já no dia seguinte, o sábado de aleluia, tinha até carnaval — para a alegria do meu irmão mais velho, Humberto, que não perdia o baile do Aeroclube. 

A memória não me traz nenhum prazer, antes a sensação de que éramos reprimidos em nome de valores religiosos que não compreendíamos. Privados até de jogar futebol no quintal. 

Mas hoje confesso experimentar um laivo de nostalgia. 

Saudade do tempo em que ainda se parava para pensar, mesmo quando o ritual nos parecia incompreensível. 

Hoje tudo é acelerado. Imagino até para quem professa fé religiosa.  

Orações se compartilham pelo WhatsApp e nas redes. Às vezes com ilustrações de mau gosto. 

Também nos templos — para alguns, considerando o universo de quase 220 milhões brasileiros e brasileiras.

Enquanto isso, tudo segue dentro da normalidade vigente: a programação da TV, das rádios, sites, podcasts e canais diversos é como se fosse ontem ou já fosse amanhã. 

Nada muda, como nas últimas décadas.

Pois a Semana Santa, para a imensa maioria, tem mais um quê de feriadão, mais lazer do que fervor espiritual. 

Da minha parte, torço para que de hoje até domingo faça sol porque o que eu quero mesmo é caminhar na praia, ler crônicas e poesias, jogar conversa fora e beber uma coisinha, que ninguém é de ferro…

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