A sombra de Caravaggio – parte I

No pequeno povoado de Caravaggio, norte da Itália, ele nasceu em 28 de setembro de 1573. Era filho de um pedreiro, que trabalhava construindo as casas dos marqueses locais. Mas seus pais morreram quando ele era ainda pequeno.

 Aos 11 anos, seu irmão Battista, o encaminha para Milão, cidade próxima. Lá, o menino estudou durante quatro anos com o pintor dos mais considerados em sua região, Simone Peterzano. A precocidade do menino logo se fez mostrar e Peterzano lhe disse que com 15 anos de idade ele já poderia trabalhar sozinho.

Entre 1584 e 1589, Michelangelo Merisi de Caravaggio – assim ficou conhecido por causa de sua cidade de nascimento – viajou entre Bérgamo, Bréscia, Cremona, Lordi e Milão, sempre no norte italiano. Roberto Longhi diz que nessa região havia uma comunidade de pintores que vinha se mantendo há muito tempo como uma espécie de “santuário de arte simples”, mais voltado para pintar a humanidade mais próxima, a religiosidade dos humildes, o colorido mais verdadeiro, as “sombras mais marcadas”. O que eles queriam, diz Longhi, era“entender melhor a natureza dos homens e das coisas”. Esse tipo de pintura era feita naquela região por mestres que vinham desde Ticiano. E ela marcou profundamente a adolescência do jovem Caravaggio.

Milão, na época em que ele passou por lá, atraía aprendizes jovens e sem recursos, como ele próprio, órfão de um mestre-de-obras. Depois de passados quatro anos de “estudos conduzidos com diligência”, Caravaggio viaja para Roma, chegando lá por volta de 1589-90, com 16 ou 17 anos de idade.

Em Roma

Um dos biógrafos de Caravaggio que o conheceu desde sua chegada a Roma, Giovanni Baglione – que era também pintor e tem um quadro seu na exposição do Masp – atesta que ele veio com “ânimo de aprender com diligência este virtuoso exercício”. Naquela época, a viagem a Roma era uma viagem de estudos e Caravaggio tinha uma “sanha constante” em aprender.

Mas antes, em suas viagens, ele teria tomado anotações sobre uma obra de Annibale Carraci na “Deposição” da igreja dos Capuchinhos em Parma, que ele teria usado quando pintou a Nossa Senhora morta, 15 anos mais tarde. Em Florença, ele teria estudado os afrescos de Masaccio na igreja de Santa Maria del Carmine, além de ter lido pelo menos dois textos sobre pintura: um de Giorgio Vasari (autor da “Vida dos Artistas”, recentemente publicado em São Paulo pela Imprensa Oficial) e o “Trattato” de Lomazzo. Ambos, no ateliê de seu professor Peterzano. No Trattato de Lomazzo, estava escrito que Masaccio “apenas iluminava e sombreava as figuras sem contorno”. Mais essa informação fica gravada na mente de Caravaggio.

Em Roma, onde prosperava a religião católica e diversas igrejas e casas religiosas iam sendo construídas, estava aberto um imenso campo de trabalho para os pintores que vinham de vários cantos da Itália e mesmo da Europa.

Quando o jovem Caravaggio chegou nessa cidade próspera e que apontava grandes possibilidades de trabalho também para ele, era muito pobre e necessitado. Nos primeiros meses, arranjou trabalho na oficina de Lorenzo Siciliano, que lhe pagava por dia. Seu trabalho era pintar cabeças, que ele fazia até três por dia. Um padre, Pandolfo Pucci, lhe ofereceu abrigo, em troca de algumas “cópias de devoção”. Mas pouco se comia por lá e logo Caravaggio lhe deu o apelido de “monsenhor salada”. Pouco depois, foi trabalhar no ateliê de um pintor pouco mais velho que ele, Antiveduto Gramatica (conhecido como o “grande cabeceiro”), onde Caravaggio fazia “cópias, na sua maioria, dos bustos de homens ilustres da coleção de Villa Médici e do Museu Gioviano, ou produções semelhantes em série para forasteiros de passagem”.

Mas não demorou muito para Caravaggio começar a tentar pintar por conta própria e são desse período seus quadros: “Menino mordido por um lagarto”, “Menino descascando uma pera” e o retrato de um taberneiro com quem se hospedara, “Retrato de um alfaiate”.

Mas a vida era muito difícil naqueles tempos e Caravaggio vivendo na miséria, adoeceu gravemente. Foi internado no hospital dos indigentes, onde teria pintado “muitos quadros” para o prior do hospital, que era de Sevilha, Espanha. E para lá levou essas pinturas de Caravaggio. Longhi observa que 20 anos depois, em Sevilha, nascia uma grande pintura local: aí estava o jovem Diego Velázquez, assim como Zurbarán e Cotán, “que pintavam naturezas-mortas”.

Rapaz com cesto de frutas, 1593, óleo sobre tela, Galeria Borghese, Roma

Quando se recuperou, ele foi passar uma temporada no atelier de Giuseppe Cesari di Arpino, um rapaz cinco anos mais velho que ele e também considerado pintor-prodígio. Mas a presença de Caravaggio lá
não foi gratuita: Arpino se apropriou de duas pinturas dele: o “Jovem Baco Doente” e “Rapaz com cesto de frutas”.

Mais uma vez Caravaggio tenta se estabelecer por conta própria e encontra um quarto onde dormir na casa do monsenhor Fantin Petrignani. Dessa fase do artista, são seus quadros: “Baco”, “A Cigana que
lê a sorte”, “Repouso na fuga para o Egito”, “Madalena Arrependida”, nos quais ele já se mostra “dono de um modo novo e inédito de ver e pintar”. Um dos seus biógrafos dizem que o quadro “Menino mordido por um lagarto” foi vendido por menos de 25 giuli e a “A Cigana que lê a sorte” por 8 escudos, preços simplesmente irrisórios.

Mas a venda dos quadros era rara e, ainda segundo Giovanni Baglione, Caravaggio “acabou ficando sem dinheiro, e pessimamente vestido, de modo que alguns cavalheiros da profissão, por caridade, o andaram ajudando”.

Caravaggio em seus dias de maior miséria, jogado de lá pra cá, “entre os monsenhores de meia-pataca e colegas de caridade interesseira” muitas vezes tentava vender suas obras na rua dos comerciantes, quando conheceu o mestre Valentino. Foi um dos primeiros a reconhecer o talento do pintor. Impressionado, Valentino o apresenta ao cardeal Del Monte que era um apreciador da pintura e poderia ser um provável comprador. Mais do que isso, Caravaggio se hospedou na casa dele, ganhando comida e um salário, como pagamento para que ele pintasse quadros para o cardeal. Mas não era fácil conviver com o jovem pintor. Numa carta de Dom Del Monte a Federico Borromeo, de fevereiro de 1596, ele conta que o temperamento de Caravaggio era tão difícil que ele, o cardeal, precisava “armar-se de paciência”.

É desse tempo seus quadros “Os Trapaceiros”, o “Tocador de Alaúde” e a “Cabeça da Medusa”, encomendados pelo padre.

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