“A Troca”: Perdido em subtramas

Clint Eastwood usa o desaparecimento do filho da supervisora de companhia telefônica, Christine Collins, ocorrido em 1928, em Los Angeles, para denunciar corrupção policial e crimes violentos praticados por serial killer

Na Los Angeles do final dos anos 20, tomadas por casas com jardim e ruas com pouco trânsito, a vida das famílias seguia o cotidiano de casa/trabalho/casa/passeio. Havia segurança para a mãe levar o filho à escola e, ao retornar, ele estava são e seguro em casa. As noites eram embaladas por programas radiofônicos, ouvidos normalmente após o jantar. Enquanto isto, do lado de fora, as estruturas sociais, inclusive a de segurança, se mantinham estáveis. Quando muito uma prisão aqui, outra acolá. Nada demais. Neste mundo, cheio de aparências, Christine Collins (Angelina Jolie) podia dividir o cotidiano com o filho Walter (Gattlin Griffith), de nove anos, e, como supervisora da companhia telefônica local, seguir numa ascendente carreira profissional. Os abalos em sua convivência com o filho vinham, sobretudo, das mudanças em seus horários de trabalho, que ela contornava com habilidade e promessas ao garoto.



Numa vivência igual a esta seria difícil suspeitar do que existia, de fato, sob os telhados, atrás das paredes e, principalmente, sobre o que ia pela mente dos homens que comandavam a estrutura de segurança da cidade. Enfim, a tranqüilidade predominava até que, numa tarde, Walter desaparece, para surpresa de Christine. A partir daí, tudo irá mudar, inclusive o clima morno da cidade, que, a certa altura, leva um dos policiais a dizer que ela deixou de ser “Dos Anjos”. Este é o princípio que embala o penúltimo filme de Clint Eastwood, “A Troca”, baseado em fatos reais, tendo Christine como centro. Meticulosa, perseverante, ardilosa, ela sai em busca do filho, acreditando estar numa cidade em que tudo está no lugar, a partir, notadamente, da polícia, a quem cabia “zelar pela segurança e tranqüilidade dos cidadãos”.


 


Centro da trama muda a toda hora



O diálogo entre ela e o policial que a atende é digno da troca de palavras entre os cidadãos de hoje, ao ligar para uma Delegacia de Polícia. E Christine logo percebe em que mundo vive. Sua calma vida logo é substituída pelo enigma do desaparecimento de Walter e o desapreço da polícia. Os dias passam e nada de o delegado, Capitão JJ. Jones (Jeffrey Donovan)), localizar seu filho. Até que recebe um telefonema dando conta de que a polícia havia, enfim, cumprido seu papel. Mas, para sua desgraça, aqui, sim, é que começa o seu tormento. Clint Eastwood e seu roteirista J. Michael Straczynski mudam o centro da trama; aquilo que era a busca incansável do filho por uma mãe obcecada, transforma-se na denúncia do sistema de segurança da cidade, por artes não dela, Christine, mas pela disputa política na cidade. Isto porque as freqüentes manobras do comando da polícia haviam atraído a ira do pastor/radialista Gustav Briegleb (John Malkovich), que as denunciava em altos brados diariamente.



A complexa trama funde o drama de uma mãe à procura do filho à disputa política entre a chefia do Departamento de Polícia de Los Angeles e o líder da igreja protestante local e desencadeia uma série de subtramas, que Clint Eastwood deixa soltas. Por algumas sequencias ainda se tem Christine como centro do veio principal do filme, depois as subtramas se impõem, voltando adiante para retomar o fio deslocado. Em sua luta particular com a chefia de polícia, ela se desdobra para escapar à armadilha que lhe foi imposta. O capitão Jones e seu chefe James E.Davis (Colm Feore), cheios de temores, manobram para manter seus nomes limpos perante a opinião pública e a mídia. E passam a usá-la, pressionando-a, ameaçando-a, ao que ela se submete para, em seguida, estar de volta à luta para encontrar o filho. Porém, a estrutura de segurança que deveria ampará-la, saindo em busca do garoto, mostra-se não só incapaz de fazê-lo, como também insiste em amedrontá-la, através de ardis os mais inescrupulosos. Um deles é forçá-la a desistir de sua busca por meio de cruéis métodos psiquiátricos. Tipo de artimanha não só da chefia de polícia, como da dupla Eastwood/Straczynski, que faz lembrar os métodos desumanos usados em “Estranho no Ninho”. O que acrescenta outra vertente ao filme: a do uso de métodos científicos para acobertar a ineficiência policial.



Espectador quer saber o que aconteceu ao garoto



De subtrama em subtrama, ainda tendo Christine como centro, o espectador pode acompanhar sem sustos a epopéia de uma mãe à procura de sua cria. Mesmo irredutível, ela é um personagem por quem ele torce. Devido ao corpo arqueado, a voz quase inaudível, o andar lento e o olhar perdido de Angelina Jolie, é quase impossível não fazê-lo. Quando muito saber, de fato, o que aconteceu ao garoto. Muito distante da trama de “Sobre Meninos e Lobos”, que tratava da experiência traumatizante de um homem, violentado quando criança. Aqui se trata não de traumas, sim da perda do ente querido. Afinal, Christine, mãe solteira, solitária, representa a mulher moderna, que assume as funções de mãe e pai, a um só tempo. O garoto, então, é muito mais do que o filho, é prova da autoridade, da independência e da afirmação de gênero, numa década em que estas qualidades eram vistas como desvio, fraqueza, decadência. É desta forma que a chefia polícia a vê, ainda que não o fale, porquanto a considere uma mulher atormentada, histérica, na visão do psiquiatra, John Montgomery (John Harrington Bland), que a “trata”.



Ele, como seu colega de profissão, o farsante Earl W. Tarr (Peter Gerety), veem em qualquer reação ou comportamento seu sinais das mais diversas doenças mentais. Ao que ela responde com a mesma negativa, enfrentando-os à altura. Desta maneira, “A Troca”, baseado ao que consta num fato real, tornam-se “realidade ficcionada”, atendendo às expectativas do espectador, pouco interessado nas mudanças bruscas da trama. Mas todo esse arcabouço de filme político, tendo a polícia como vilã, por perseguir e maltratar uma cidadã comum, poderia se tornar altamente explosivo nas mãos de Costas Gravas, que, em “Desaparecido”, mostra a luta de um pai para localizar seu filho nas masmorras de Pinochet, ou nas de Francesco Rossi, que denuncia corrupção na alta cúpula da policia italiana, em “Cadáveres Ilustres”. Nas de Clint Eastwood ocorre justamente o contrário. Se na primeira e segunda parte se tem uma trama fácil de acompanhar, com subtramas bem conduzidas, daí pra frente, a trama central se perde e o filme começa a dar “lambadas” (ir de uma subtrama à outra, usando para isto o velho flashback). Os 141 minutos poderiam muito bem ser reduzidos para 120 e a história ganharia em concisão, clareza e condução segura.



Seqüências se tornam longas e cansativas



Estes cortes poderiam ter sido feitos no roteiro ou até mesmo na moviola, na hora da montagem, para dar continuidade à trama, tendo Christine como centro. As “lambadas” surgem a partir do instante em que muitos personagens secundários crescem a ponto de Eastwood ter de lhes dar voz e ação. A começar pelo bonachão Gordon Northcott (Jason Butler Hammer), acusado de ser um serial killer. Com seu jeito bonachão, risonho, é o clássico psicopata, daqueles que depois se desmancham em lágrimas. Coisa fácil de ver pelo comportamento do personagem. As sequencias em que ele aparece tornam-se longas, explicativas em demasia, tirando do espectador a possibilidade de puxar os fios, desvendando por si próprio os rumos desta subtrama, cujo objetivo é acrescentar novos dados à história de Christine, não de elucidá-la. Não bastasse isto, o Capitão Jones e seu Chefe, Davis, e o reverendo Briegleb, ganham demasiada visibilidade, tirando-a de Christine. E fica a impressão de que Eastwood quer fechar ali a trama, solucionando o caso.



Não é o que ocorre. A cada seqüência são acrescentadas outras que ao invés de por fim ao caso, abre mais perspectivas, introduzindo outro personagem, o detetive Lester Ybarra (Michael Kelly) que toma a frente do caso, numa disputa com o Capitão Jones, seu chefe imediato. Difícil o espectador seguir calmamente, por mais treinado que seja, os rumos destas subtramas. Nenhum problema haveria se fossem desfechos, a exemplo de “Seven – Os Sete Crimes Capitais”, em que David Fincher, constrói o filme sobre os assassinatos e, no desfecho, desvenda quem os praticou e como foi punido. Aparentemente, Eastwood quer fazer a mesma coisa. Só que não soube a hora e onde parar. A trama política, abandonada para ceder lugar às ações do psicopata, irá mais à frente dar lugar à luta de Christine para encontrar seu filho. Até surgir de novo uma nova pista e o filme parecer querer recomeçar dali. É quando a dupla Clint Eastwood/Straczunski demonstra que realmente perdeu o rumo de “A Troca”.



Diretor fica dando voltas sem rumo



Há instantes em que Clint Eastwood usa a velha técnica de indicar as consequencias dos atos praticados por Jones, Davis e Gordon, e o espectador imagina que o filme irá terminar daquela forma. Só que aquela (a velha técnica) é apenas um dado, a trama principal voltará. E Eastwood fica dando voltas até chegar a um ponto em que põe termo às suas “lambadas”. Não se deve esquecer que hoje se usa muito a técnica coral (várias histórias se entrelaçando), ao estilo Robert Altman ou Guilhermo Arriaga (“Babel”, “Amores Brutos”), mas não é o caso de “A Trama”. Aí é confusão mesmo. Uma pena, depois de Eastwood ter conduzido magistralmente os filmes de dupla face, “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”, sobre os combates entre soldados estadunidenses e japoneses pela conquista da pequena ilha perdida no Pacífico, durante a II Guerra Mundial. Confusa como está; metade do filme poderia ser remontada para ganhar em clareza e contundência. Então, a trama criaria mistério e suspense, sem deixar de ter Christine como centro da trama.



“A Troca” (“Chanleling”). EUA. 2009. 141 minutos. Roteiro: J. Michael Straczunski. Direção: Clint Eastwood. Elenco: Angelina Jolie, John Malkovich, Michael Kelly, Riki Lindhome, Jefrey Donovan, Colm Feore, Jason Butler Hammer.

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