“Anatomia de uma queda”

Suspense de Justine Triet explora culpa, misoginia e frustrações em um drama de tribunal onde Sandra é acusada da morte do marido e tem como única testemunha o filho cego de 11 anos

Cena de "Anatomia de uma queda", de Justine Triet

O filme dirigido pela cineasta, roteirista e editora francesa Justine Triet: “Anatomia de uma queda”, chama-nos atenção para a trama que se desenvolve na maior parte do tempo de tela em um Tribunal, com a tentativa de acusação da escritora Sandra (Sandra Hüller) pela morte de Samuel (Samuel Theis), marido da escritora. Seu filho Daniel (Milo Machado-Graner), de 11 anos, ao retornar de uma caminhada com seu lindo cachorro Snoopy (Messi), se depara com o corpo de seu pai já morto, tendo na cabeça um corte profundo.

Premiado no Oscar 2024 com a estatueta de Melhor Roteiro Original e Palma de Ouro no Festival de Cannes, o longa está disponível na plataforma de streaming Prime Video. Com 2h31min nos prendendo à tela, seja pelo enredo, pela atuação do promotor, do advogado, da própria Sandra e do seu filho; como pela beleza da fotografia, por passar um certo sentimento de abandono das pessoas que ali vivem, pelo clima gélido e solitário, registrado na bela e extensa cordilheira de montanhas que da casa onde moram se pode apreciar um belíssimo cenário.

Sandra, acusada pelo promotor público que não poupa seus argumentos carregados de preconceito e acusações sobre sua vida pessoal e seu comportamento sexual, tem segurança em todas as sessões de julgamento, não sucumbindo, inclusive, ao testemunho do psiquiatra de Samuel, podendo inclusive ser questionado do ponto de vista ético. Samuel que parece ter vivido uma vida de ressentimentos e de culpas por um acidente ocorrido com seu filho, à época com 6 anos, que lhe tirou a visão.

Mesmo a juíza inclina-se para desproteger Sandra nas sessões de julgamento, nos incomodando com sua predisposição à favorecer o promotor público. A narrativa é permeada por diversos temas e angústias de nosso cotidiano como: traição, bissexualidade, culpa paterna, misoginia etc.

Nos parece que a intenção da diretora foi de explorar esses aspectos, mas notadamente de mostrar frustrações pessoais e profissionais, e principalmente de evidenciar uma mulher autônoma, criadora e livre sobre suas escolhas, colidindo com argumentações de testemunhas e mesmo do advogado de acusação.

O amor e a proteção da mãe vão se revelando ao longo da película, e mesmo as dores e situações não manifestadas aparecem no julgamento. Trata-se de uma mãe que sempre buscou proteger o filho Daniel de alguns aspectos do casamento e dos sentimentos do pai frente à maternidade, mas que acaba por ter exposto em tribunal diversos aspectos conflituosos com o pai de Daniel.   Ao final, o depoimento de Daniel e sua inteligência no desvelamento de fatos, cumpre um papel decisivo nos rumos da decisão judicial.

O Border Collie, Messi, que roubou a cena no Oscar, foi campeão do Palm Dog, que homenageia as melhores atuações caninas.

A atuação de Daniel é magnífica, pois quase sem enxergar, resultado de um acidente que sofrera há alguns anos, apresenta independência e nenhuma frustração quanto a sua deficiência, ao contrário, nos presenteia em vários momentos com a música de piano, ao mesmo tempo em que vai amadurecendo e tomando consciência dos fatos.

No final das contas, o julgamento de um crime passa a ser, na verdade, o julgamento de uma relação, e mais precisamente um julgamento da própria escritora na relação com o marido e mesmo de seus escritos, mas notadamente do advogado de acusação e testemunhas que, utilizando narrativas incriminatórias e machistas, questionam o fato dela ser uma mulher determinada.

Esse é mais um dos filmes que indico inclusive para debates em sala de aula, servindo de referência para a reflexão de como um tribunal de júri pode inocentar ou culpabilizar uma pessoa, utilizando de diversas artimanhas, como em “Anatomia de uma queda.”

Assista o trailer.

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