Aulas particulares de matemática

*

O assoalho de madeira, as mesas arrumadas, o quadro negro e a professora que nos aguardava todas as tardes. Eram as aulas de matemática. As quatro operações: dividir, subtrair, somar e multiplicar. Nesta época só os quatro mais velhos tinham aulas particulares de matemática. Morávamos em Piripiri e a nossa professora era Dona Conceição. A matemática foi a forma que a professora encontrou de educar as crianças, ali ela tinha um mote para chegar da geografia as boas maneiras. E como eram deliciosas as nossas aulas. A taboada era um instrumento indispensável e tinhamos que tê-la sempre na ponta da língua. Um piano suave que me fazia sonhar.. aulas entrecortadas pelo som suave da música. Aulas, hoje equiparadas ao que chamamos reforço escolar, um recitava Olavo Bilac, outro falava os afluentes do rio Amazonas, alguém descrevia a Bandeira do Piauí e outro falava do tipo de solo do nordeste. Todos os temas eram abordados, era uma classe multidisciplinar.
Lembro do meu irmão Francisco ainda no primário saber todas as capitais dos estados brasileiros. Era motivo de orgulho para mamãe. E as aulas transformavam-se em momentos prazerosos. A beleza do ambiente, a sala de aula – um salão que ficava no segundo piso da casa. O piano e as cortinas das janelas são as lembranças que ficaram.
Dona Coneceição era linda e muito elegante, um ar de preceptora e ali passávamos a tarde inteira, fazendo os deveres e formando-se para a vida. Ir ao quadro negro, não era uma tarefa fácil. Quando a professora mandava levantar o coração dava pulos, era difícil controlar a respiração. Ela era maravilhosa, primeiro dava ordens para apagar o quadro e depois abastecer de giz o aparador, essa movimentação era uma forma de relaxamento e em seguida iniciava o ditado. As palavras eram escritas no quadro negro e ali também eram corrigidas, um aprendizado coletivo de respeito e admiração. As leituras em voz alta eram as minhas preferidas, ali aprendíamos a entonação da voz, a pontuação e a postura. Às vezes fazíamos a leitura em pé , às vezes sentados e depois ela fazia os comentários.
Na saída, esquecíamos do tempo, fascinados com o gato que comia miolo de pão. Um velho senhor, o pai da professora em sua cadeira de balanço, abria o pão e aos poucos ia tirando o miolo fofo, refeição do gato que ficava entre os pés da cadeira com gestos preguiçosos próprios dos gatos mimados.
Das minhas aulas de matemática, penso, a única coisa que não aprendi foi matemática, mas foram aulas valiosas que carrego orgulhosamente no meu currículum.
Até hoje não entendi o porquê do nome: aulas particulares de matemática.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor