Brasil, potência energética (1)
Com o anúncio do Pré-Sal, os agrocombustíveis saíram um pouco de foco da atenção nacional. Natural diante da dimensão da descoberta. Todavia, independente do tamanho de nossas reservas em petróleo será importante manter a proposta original de se privilegi
Publicado 17/06/2009 19:34
Setores do próprio movimento social devem entender que a base da superação da cruel exploração a qual vive nossos povos no continente passa pelo desenvolvimento das forças produtivas das nações latino-americanas em torno de um projeto de integração que tenha como eixo a questão energética. Cada país, com suas especificidades, devem privilegiar, em níveis diferenciados, as melhores opções que disporem.
O presente artigo visa explorar algumas destas potencialidades dos chamados agrocombustíveis como opção energética estratégica, complementar às outras já existentes e que deverão compor uma diversificada matriz continental, capaz de garantir nossa soberania produtiva, base fundamental para uma economia integrada pujante e dinâmica.
O texto foi escrito conjuntamente com o camarada Frederico Nunes Borges de Lima, engenheiro agrônomo e dirigente estadual do PCdoB em Minas Gerais, e será dividido em duas partes. O resumo de todo o trabalho segue abaixo, acompanhado da primeira parte do artigo propriamente dito.
Resumo: O mundo vive atualmente uma fase de transição para uma era pós-petróleo, em face do aumento da demanda por novas fontes de energia e a diminuição das reservas de combustíveis fósseis. O Brasil, apesar de experimentar uma fase de expansão da sua produção de petróleo, alcançando recentemente a sua alto-suficiência, apresenta condições excepcionais para se transformar num dos maiores produtores de agrocombustíveis do mundo. Isto se dá em virtude da junção de diversos fatores em um só país: grande extensão de terras cultiváveis, clima favorável, mão-de-obra abundante, experiências exitosas como o PROALCOOL e incentivos governamentais. Porém, tal mudança de paradigma exige a construção de novas bases produtivas, ensejando riscos à produção de agrocombustíveis, tais como a concentração de terras, diminuição da produção de alimentos e aumento da poluição ambiental.
Introdução
A utilização do agrocombustível pode ser um importante instrumento de desenvolvimento do país No entanto, como toda inovação, tem suscitado um intenso debate nos meios acadêmicos e na sociedade em geral, em especial referente ao uso do etanol, que vem despertando diferentes abordagens.
Os críticos da iniciativa têm afirmado que a substituição da gasolina e do diesel por etanol e biodiesel, respectivamente, consumirá uma enorme área agricultável. Isto empurrará as áreas destinadas a alimentos para uma nova fronteira agrícola – menos fértil e possivelmente de matas, o que acarretaria a um só tempo maior inversão tecnológica, com consequente elevação dos custos de produção e preços, e destruição do meio ambiente.
Segundo os defensores dessa tese, também contribuiria para a elevação dos preços a produção de alimentos em quantidades relativamente menores (quantidades de alimentos per capita decrescentes, o que não significa um decréscimo absoluto na produção. Pode-se até se produzir mais, mas a um ritmo mais lento que a do crescimento da população mundial). Tudo isso, para que se possa alimentar a imensa frota mundial de automotores, estimada em 800 milhões de unidades.
Assim, o problema central na visão dos críticos seria a elevação dos preços dos alimentos, definidos pela lei da oferta e da procura.
O ocaso da era do petróleo
A reserva mundial de petróleo está estimada em aproximadamente 1800×1012 barris ou 1800 Giga barris (Gb). O conceito de ''depleção'' da reserva de petróleo se aplica à disponibilidade de petróleo a um preço viável frente a seus sucedâneos como energético de largo uso. O petróleo para aplicações específicas em que ele seja insubstituível continuará provavelmente a existir ao longo da existência humana no planeta.
O grosso das reservas de petróleo está concentrado em poucos países: Abu Dhabi, Irã, Iraque, Kuwait, Zona Neutra (não propriamente um país), Arábia Saudita, Venezuela e alguns países que formavam a antiga URSS. Nestes países acredita-se que estejam concentrados 755 Gb da reserva total e 611 Gb da reserva remanescente. Ou seja, 42 por cento da reserva total (1800 Gb) ou 56% da reserva remanescente (1095 Gb) no ano de 1992. Com alguma participação dos outros países da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) eles têm atuado como reguladores da demanda. Além disto, os custos operacionais de extração são extremamente baixos. A situação especial do Iraque e Irã (e por algum tempo o Kuwait) tem limitado a atuação reguladora desses países que tem sido majoritariamente exercida pela Arábia Saudita.
No caso do Brasil se considera que cerca de 40% da reserva estava por descobrir em 1993 e que a reserva total seria de cerca de 20 Gb. Com a entrada em funcionamento da plataforma P50 em abril de 2006, na bacia de Campos, a produção brasileira de petróleo passou a superar a demanda. Enquanto a produção diária de petróleo já rompeu a marca dos 2,0 milhões de barris por dia, a demanda está na marca de 1,95 milhão de barril de petróleo por dia. Em 2003 a produção foi de 1,54 milhão e a demanda de 1,69 milhão de barril por dia. Estima-se, no entanto, que em 2.013 a produção superará a demanda em mais de 600 mil barris por dia, alcançando a marca de 3,0 milhões de barris por dia (ALVIM, 2006).
A despeito das boas perspectivas brasileiras, fruto do intenso investimento estatal em pesquisa ao longo das últimas décadas, estima-se que a curva de produção mundial esteja em desaceleração e sendo alcançada a passos largos pela demanda. Segundo a revista Le Monde Diplomatique, foram necessários 125 anos para se consumir uma quantidade de petróleo que provavelmente levará não mais que 30 anos para ser consumida de novo.
O mundo poderia viver uma escassez de petróleo em apenas cinco anos se a demanda pelo produto continuar subindo nos mercados emergentes e o cartel dos principais produtores, a OPEP, continuar reticente em relação a produzir mais combustível.
O alerta consta do Relatório do Mercado Petroleiro no Médio Termo, produzido pela Agência Internacional de Energia (AIE). Este relatório é divulgado no instante em que o barril já ultrapassa os US$ 125 nos mercados internacionais, e o planeta discute alternativas de reduzir o consumo dos combustíveis fósseis.
A produção é declinante em áreas como o golfo do México e o mar do Norte, porque, segundo LOPES, 2007, as explorações já estão em seu estágio ''maduro e declinam naturalmente''.
Em resposta a esta realidade é que foi aprovada, em 2005, a lei 11.097, que tem por intenção diminuir a dependência do país aos combustíveis fósseis, estabelecendo metas ousadas de substituição do diesel comum pelo biodiesel, produzido a partir do cultivo de oleaginosas. Segundo a lei, a partir de 2008 o percentual mínimo de biodiesel deverá ser de 2%, devendo chegar este valor a 5%, em 2013.
Ressalta-se que a nossa matriz energética (biomassa e hidroelétrica) tem uma composição orgânica mais favorável aos combustíveis renováveis do que a média mundial. Enquanto a energia consumida no país é 15% oriunda de hidroelétricas, 29,7% de biomassa, o mundo consome apenas 2,1% e 11,2%, respectivamente. As outras fontes no país são 38,4% petróleo, 6,4% carvão, 9,3 gás natural e 1,2% urânio, ao passo que no mundo são 35,3% petróleo, 24,1% carvão, 20,9 gás natural e 6,4 urânio (Ministério das Minas e Energia, 2006).
Ainda assim é pequena a produção brasileira de energia por meio de biomassa (lenha/ carvão vegetal 13,1%, cana-de-açúcar 13,9% e outros 2,7%), se for comparado com a necessidade do país e da lei 11.097/05, em particular. Principalmente, se for levado em conta que a produção nacional deve atender não só ao mercado interno mais também as exportações. Resposta adequada a esta questão passa pelo fortalecimento e incentivo do agronegócio e de uma política agrícola que atenda o interesse de agricultores.
Segundo o JANK (2004), o agronegócio deve ser considerado “como uma complexa rede de troca de mercadorias, serviços, dinheiro e informações que ocorrem entre os diversos atores de uma cadeia produtiva, desde os fornecedores de insumos e outros bens e serviços antes da porteira, passando pela produção agropecuária em si, e os atores à jusante da porteira, como agroindústrias e distribuidores, até chegar ao consumidor.”.
Assim, para JANK, considerando esta intrincada cadeia de suprimentos, pode-se dizer que a qualidade é definida pelo elo mais fraco, no caso o produtor rural. Geralmente, os produtores rurais são os que enfrentam os maiores problemas de infra-estrutura, capacitação gerencial/administrativa, além de sofrer mais intensamente com fatores biológicos e climáticos, quando comparados com as indústrias de insumos, agroindústrias e distribuidores.
Sério limitador à expansão da agricultura brasileira é a vergonhosa distribuição de renda no país. Um dos efeitos diretos de uma melhor distribuição fundiária seria o aumento do mercado interno. A elevação da renda tem o poder de aumentar consumo de bens superiores, com maior valor agregado, e de movimentar as agroindústrias, propagando seus efeitos ao longo das cadeias (FIORI, 1993). É só lembrar o que aconteceu na década passada, quando se freou a hiperinflação, com o frango e o iogurte tornando-se vedetes do “plano real”, sem falar na elevação do consumo de produtos duráveis, como por exemplo: tvs, videocassetes, etc. Isto movimenta a indústria, o mercado de trabalho e cria um círculo virtuoso na economia.
Entretanto, para o JANK (2004) algumas questões têm que ser respondidas, para que o país decida que rumo tomar: “Será que o governo acertou na sua política industrial, favorecendo alguns setores em detrimento de outros? Será que não é mais viável uma política industrial que vise a agregação de valor às commodities nacionais, principalmente uma política ‘agroindustrial’? O emprego mais barato é o do agronegócio. Não seria o caso de se fazer política industrial aproveitando-se a capacidade instalada e potencial de produção agropecuária? Isto não teria um efeito mais imediato, criando emprego, distribuindo renda, interiorizando investimentos, e sendo capaz de financiar outros setores industriais?”.
Riscos da produção de etanol
Estimulado pela visita do presidente americano George W. Bush, em março de 2007, o subsecretário de Estado Nicholas Burns revelou que “essa energia tende a reduzir o poder de alguns Estados que nós achamos que têm um peso negativo no mundo, como a Venezuela”. De modo que a alardeada negociação sobre os biocombustíveis teve também suas razões políticas, inclusive como moeda de troca, mas também econômicas. Ao final do encontro foi assinado um Memorando de Entendimento sobre Cooperação na Área de Biocombustíveis, que objetiva estimular o setor privado a investir na área e fixar padrões comuns para expansão deste “mercado verde”. Contudo, esse suspiro ambientalista emanado pelo governo americano deve ser visto com ressalvas, em face da recusa deste país de assinar o Protocolo de Kyoto e de ser o responsável por mais de um quarto da poluição mundial.
Ao final do encontro Lula afirmou que “o memorando assinado hoje é, sem dúvida, a nossa resposta ao grande desafio energético do século XXI A parceira que vamos inaugurar é ambiciosa e voltada para todos os aspectos ligados à incorporação definitiva do etanol na matriz energético de nossos países”, comemorou Lula em discurso na Transpetro, uma subsidiária da Petrobras em Guarulhos. O presidente ainda dourou a pílula do acordo, ao afirmar que o biodiesel “terá grande impacto social, é voltado para o pequeno agricultor, para a agricultura familiar e ajudará a criar emprego e renda nos lugares mais pobres deste país”. Em meio ao clima festivo em que foi celebrado o acordo, Bush fez questão de afirmar que não atenderá a principal reivindicação do governo e dos usineiros brasileiros: a redução da tarifa cobrada sobre o álcool exportado ao mercado dos EUA. “Isso não vai acontecer. Ela permanecerá até 2009 e depois disso o Congresso dará um jeito”. Atualmente, os EUA cobram uma taxa de 54 centavos de dólar por galão sobre o álcool vendido pelo Brasil, além de 2,5% de impostos alfandegários. Considerando apenas o ano passado, o governo dos EUA arrecadou mais de US$ 220 milhões em sobretaxas sobre o etanol importado do Brasil.
Apesar das barreiras externas, a tendência é de uma enorme expansão do setor nos próximos anos, dada a lucratividade do setor e a tendência real de mudança da matriz energética mundial. Multi-nacionais e grupos privados americanos já investiram mais de 12 bilhões de dólares em novas tecnologias e na aquisição de nossas usinas.
O governo dos EUA tem muita pressa. Ele inclusive já aprovou um plano de redução em 20%, num prazo de dez anos, do consumo de petróleo e pretende elevar dos atuais 5 bilhões de galões por ano para 35 bilhões o consumo de biocombustíveis, como o álcool (BORGES, 2007).
Este otimismo, com a descoberta de novas fontes de energia, não se limita aos integrantes do governo Lula e nem aos barões do agronegócio. A substituição do petróleo por fontes renováveis é uma velha bandeira das entidades ambientalistas. Um estudo elaborado pela ONG Núcleo dos Amigos da Terra explica que o fim da queima dos combustíveis fósseis é, por si só, uma boa nova para a humanidade e para a atmosfera da terra: é uma oportunidade para reduzir o aquecimento global. Os biocombustíveis surgem como alternativa não só mais limpa, mas também capaz de promover a justiça social.
Ademais, a possibilidade de o Brasil se tornar uma potência na produção desta nova fonte de energia também para os mais entusiastas abriria uma “janela de oportunidades”, para o país se desenvolver e encarar os seus graves problemas sociais. O desenvolvimento dos biocombustíveis teria, potencialmente, a capacidade de alavancar o crescimento da economia nacional, gerando emprego e renda. Tudo isto, porém, é apenas uma possibilidade. É preciso não se embriagar com o etanol, este rico derivado do álcool, sobretudo se encardo como a grande panacéia para a resolução dos crônicos e seculares problemas sociais e econômicos brasileiros. Uma visão idealista do assunto pode decepcionar os mais otimistas. Os riscos desta nova fonte de energia são enormes.
Continua na próxima semana