Cartas de Longe à companheira Dilma
Quando a primeira etapa da revolução soviética eclodiu, em março de 1917, Lênin estava exilado na Suíça. Como naquela época não havia essa maravilha da internet, ele só podia opinar sobre o mais notável acontecimento do século XX por cartas, as quais se tornaram famosas, após publicação, com o título de “cartas de longe” ou “cartas de um ausente”.
Publicado 21/02/2011 15:49
Nessas famosas cartas Lênin analisava os acontecimentos, emitia sua opinião, fazia recomendações aos camaradas e travava o bom combate ideológico – uma de suas características mais notáveis – alertando que os aliados do proletariado russo eram os proletários de todos os demais países e não os sociais-chauvinistas, como Plekhánov, Gvózdev e Potréssov que haviam se bandeado para o lado da burguesia.
Não estou exilado. Apenas estou na Amazônia, esse mundo à parte, e não tenho a pretensão de dar conselhos à presidenta Dilma. Minha pretensão é tão somente dizer que ela pode e deve avançar mais em relação à superação desse enorme fosso social que a direita brasileira criou em nosso país. E o tratamento dispensado ao salário mínimo, que novamente será votado no Senado da República, é simbólico.
Não se impressione minha cara presidenta com a facilidade com que a proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados. A tendência natural é senhora ter menos trabalho do que teve o nosso companheiro Lula. Afinal, a esquerda finalmente vai entendendo que quem ganha governa e quem perde faz oposição, a qual hoje, no Brasil e em boa parte do mundo, é exercida por uma direita desqualificada sob qualquer aspecto, o que lhe retira condições de fazer de fato oposição. Faz demagogia.
No primeiro momento do governo Lula reinou a confusão no seio do movimento social e das forças de esquerda, tal qual ocorreu com o proletariado russo na revolução soviética, os quais se deixaram impressionar pela demagogia dos sociais-chauvinistas.
No caso brasileiro o movimento social e a esquerda foi aos poucos se dando conta que a sua defensiva decorria da falsa percepção coletiva de que governo é “direita” e oposição é “esquerda”. Percepção, aliás, construída por uma prática de 500 anos de governos de direita e de 500 anos de resistência oposicionistas da esquerda.
Mas governo ou oposição é apenas e tão somente um posicionamento político, enquanto esquerda e direita é a expressão de uma prática ideológica. Hoje, portanto, a esquerda é governo e, felizmente, a direita lhe faz oposição. O que é natural.
Assim, apenas alguns poucos incautos e os vigaristas de sempre que se aglutinam em torno da esquerda por conveniência, lhe negaram o voto. Os demais, mesmo condenando e demonstrando a viabilidade de um aumento maior do salário mínimo, votaram com a política de valorização e recuperação do valor real do salário mínimo. Não se prestaram à demagogia e jamais se aliariam com a direita. Deram-lhe um voto de confiança, mas não estão satisfeitos porque sabem que as contas públicas jamais seriam comprometidas com uma sinalização mais generosa e justa de sua parte.
A sua base política, portanto, é ideologicamente mais sólida e naturalmente mais madura do que a de seu antecessor. Aproveite para consolidar os avanços sociais que esse país tanto reclama. Não permita que a direita faça demagogia e iluda algumas parcelas sociais desarmadas. Avance, ouse muito mais, ouça menos os “guarda livros” e mais a sua própria história.
Os 47 milhões de brasileiros que de uma forma ou de outra tem seus vencimentos indexados ao mínimo agradecerão penhoradamente. A diferença eventual de 15 reais custará aos cofres públicos 705 milhões de reais por mês.
É muito? É bem menor do que os 3 bilhões de reais que serão gastos a mais com a dívida pública em decorrência da elevação de 0,5% da taxa de juros, apenas da parcela da dívida indexada a selic.