Colette – Uma mulher extraordinária
A história comovente e resistente de Colette como de tantas mulheres tem contribuído para a construção de uma estética de justiça
Publicado 14/06/2022 13:09

O filme Colette. brilhantemente desempenhado pela competente e linda atriz Keira Knightley, dirigido por Wash Westmoreland (o mesmo diretor do filme: Para Sempre Alice, que ainda pretendo resenhar), baseia-se na história da indescritível escritora, poeta, artista de teatro, feminista, Sidonie Gabrielle Colette (1873-1954), talvez ainda pouco conhecida pelo movimento de mulheres e mesmo pela intelectualidade em geral.
Registra a trajetória da escritora Colette, desde sua vida no interior da França até seu casamento com Henry Gauthier-Villars – (Dominic West) escritor e redator, conhecido como Willy. Ele, um homem emocionalmente chantagista e oportunista, ao perceber o talento da esposa, e diante de uma sociedade patriarcal que tenta impor uma prescrição normativa, uma ordem de gênero onde os textos escritos por homens tem prevalência, força Colette a usar toda sua genialidade na produção do romance que ela intitula de Claudine, inspirado em sua infância. A obra faz muito sucesso, e com isso, Willy que não consegue elaborar obriga Colette a continuar escrevendo, explorando a esposa sistematicamente para que produzisse horas a fio, chegando à trancá-la por dias para essa escrita. O casamento abusivo é marcado por violência psicológica por parte do marido. Como registra a história, muitas mulheres incluindo essa brilhante romancista francesa teve parte de sua trajetória usurpada pelo marido. Uma frase que resume esse domínio que marca a película e que Willy afirma: “a História é contada pela caneta de quem escreve”, confirmando o quanto a sociedade manteve o anonimato de muitas mulheres.

Ao ver esse filme lembrei mais uma vez do livro “As mulheres e os silêncios da História”, da estudiosa e pesquisadora francesa Michelle Perrot, que sintetiza que o silêncio e a invisibilização foram reiterados através dos tempos pelas religiões, pelos sistemas políticos e pelos manuais de comportamento, reproduzidos na família, nos clubes, na igreja, tendo como objetivo impedir que as mulheres tivessem destaque. Para a autora: “aceitar, conformar-se, obedecer, submeter-se e calar-se, esse mesmo silêncio, imposto pela ordem simbólica, não é somente o calar da fala, mas também o da expressão, gestual ou escriturária”. Assim, toda a capacidade extraordinária de Colette é subtraída por Willy, que rouba sua produção e tenta apagá-la. Importante resgatar a argumentação de Perrot, que já evidenciei em outros textos, de que esse apagamento recebeu resistência, muitas mulheres não aceitaram passivamente tais imposições, procurando contribuir para o desbaramento da estrutura sociocultural imposto e que é reproduzida até nossos dias. Assim, a história comovente e resistente de Colette como de tantas mulheres tem contribuído para a construção de uma estética de justiça, expressa em escritas e outras diversas formas de luta que demonstram rebeldia ante o controle por regras arcaicas, de tentativa do domínio de mentes e corpos femininos.
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Na introdução do livro já destacado acima, Perrot pergunta: “Silenciosas, as mulheres? Mas elas são as únicas que escutamos, dirão alguns de nossos contemporâneos, que com certa angústia tem a impressão de sua irresistível ascensão e de sua fala invasora.” Assim, Colette rompeu com a ordem e o controle de uma perspectiva masculina de história e marcou significativamente uma trajetória, um tempo e contribuiu sistematicamente, principalmente para que adolescentes do final do século XIX e início do século XX se identificassem com uma Paris em constante transformação. Ela rompe com uma ordem heteronormativa, se relaciona com mulheres, assume um romance trans e aparece com trajes de estética masculina.
A fotografia do filme é deslumbrante, bem como o figurino que é apresentado com classe pela atriz mesmo que as vezes com simplicidade de seus trajes.
Mais um filme imperdível com uma história real da Belle Epoque, de subversão das regras do machismo de luta pelo reconhecimento feminino, que exprime transformação, empoderamento, feminismo e força para a construção de uma sociedade emancipada.
Colette: Drama – lançamento no Brasil – dezembro 2018
Duração: 1h52min
Direção: Wash Westmoreland
Roteiro: Richard Glatzer, Wash Westmoreland
Elenco: Keira Knightley, Dominic West, Eleanor Tomlinson
Referências:
PERROT, Michelle. As mulheres e os silêncios da História. Bauru: Edusc, 2005.
https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/personagem/colette-mulher-resenha-filme-direitos.phtml