Constituintes “sob a proteção de Deus”

Foi “sob a proteção de Deus”, conforme diz o seu preâmbulo, que os representantes do povo brasileiro decretaram e promulgaram a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, &ldqu

A Constituição de 1946 foi escrita logo após ditadura estadonovista. Teve forte presença conservadora, mas refletiu também a luta democrática desenvolvida país, a grande vitória sobre o nazi-fascismo obtida na II Guerra Mundial, o alto conceito alcançado pela União Soviética na tentativa de construir um mundo sem exploradores e sem explorados. As eleições de 2 de dezembro de 1945 sufragaram os deputados e senadores constituintes e o presidente da República, o católico conservador general Eurico Gaspar Dutra, que fora figura central do Estado Novo. No Congresso Constituinte, o PSD ficou com 151 cadeiras (42% dos votos); a UDN com 77 (26%), o PTB, 22 (10%) e o PCB (sigla do Partido Comunista do Brasil), 15 (9% dos votos nacionais). Contou com a presença minoritária, mas atuante, de minorias comunistas, socialistas e liberais reformistas, que influíram no seu texto.
A Constituição de 1946 acabou reproduzindo, em linhas gerais, a Lei Magna de 1934, recuperando liberdades que eram nela expressadas: igualdade perante a lei, liberdade de manifestação de pensamento, de culto, de crença e de consciência. Vetava ao Estado “estabelecer ou subvencionar cultos religiosos, ou embaraçar-lhes o exercício” e “ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto ou igreja, sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo” (Art 31, II e III).  Vetava, igualmente lançar impostos sobre os “templos de qualquer culto” (Art 31, V, a). No geral, seu teor registrou o avanço democrático e das liberdades individuais, e inclusive garantias trabalhistas nas relações contratuais, após o autoritarismo do Estado Novo mas, no ano seguinte à sua promulgação, as forças reacionárias reafirmaram seus valores e interesses e cassaram, arbitrariamente, o registro e o mandato dos parlamentares do Partido Comunista do Brasil.
Essa Carta foi rasgada em 1964 pelo golpe militar que colocou o marechal Humberto de Alencar Castello Branco na chefia do governo. O ditador mandou escrever e fez o Congresso Nacional, expurgado de parlamentares que desagradavam aos novos mandantes do país, decretar e promulgar, “invocando a proteção de Deus”, novo texto constitucional em 24 de janeiro de 1967. Lideranças democráticas e populares eram duramente perseguidas, aprisionadas, torturadas e executadas. A nova lei, no entanto, garantia ser “livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica” (Art. 150 § 8)… A cúpula da Igreja Católica, que apoiou o golpe militar, teve preservados seus interesses nesse texto. Mesmo sendo autoritária, ainda foi piorada em 1969, quando o governante de plantão, marechal Arthur da Costa e Silva, fez seu texto absorver instrumentos escancaradamente ditatoriais como os do Ato Institucional nº 5 (AI-5).
Em 1988, derrubada a ditadura, nova Assembléia Constituinte foi eleita – foi a eleição constituinte mais democrática da história do país. Os representantes do povo brasileiro se reuniram para “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. Promulgaram a nova Constituição em 5 de outubro de 1988, eles, também, “sob a proteção de Deus”.
A chamada Constituição Cidadã, ainda em vigor, contou novamente com as participações ativas de democratas e comunistas. A atuação dos comunistas em defesa da liberdade religiosa e de culto e da laicidade do Estado na elaboração constitucional será o tema do próximo artigo.

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