Desafios do novo Código Florestal
O congresso nacional está incumbido de atualizar o código florestal brasileiro. Como “a natureza e a sociedade se transformam e evoluem permanentemente”, é mais do que natural que regras escritas há mais de 50 anos precisem de atualizações.
Publicado 01/03/2010 16:50
E é natural, igualmente, que o tipo de atualização a ser feito divida opiniões, de acordo com o interesse político, ideológico, de classe, dos distintos grupos que interagem produtivamente com o setor ou manifestam opinião política sobre o tema.
O ponto de partida dessas divergências está na matriz ideológica das três correntes básicas que polemizam a Amazônia: produtivistas, santuaristas e sustentabilistas. Embora o código florestal não trate apenas da Amazônia, na prática não se ver questionamento sobre eventuais exageros ambientais noutras regiões do país. A polêmica se restringe basicamente a Amazônia.
As principais questões que antagonizam as correntes ideológicas nesse debate são o conceito e a área de reserva legal; uso da área produtiva alem do limite legal, tanto pela falta de averbação como pelo desconhecimento desse limite; e o caráter concorrente da legislação ambiental, na qual, união, estados e municípios legislam no âmbito de sua competência.
Como cada grupo se manifesta nesta polêmica?
Os produtivistas, para quem o crescimento é tudo e a preservação é nada, defendem uma revisão geral no código e, obviamente, alteração no conceito e no tamanho da área de reserva legal – hoje em 80% para a Amazônia brasileira – anistia geral e irrestrita para o uso inadequado das reservas legais e, especialmente, uma legislação ambiental concorrente sem regras gerais nacional, como preconiza a atual constituição brasileira.
Os santuaristas, para quem a preservação é tudo e o crescimento é nada, representam o oposto dessa matriz. A rigor são contra qualquer alteração no código, expressando certa limitação teórica e uma concepção anti-científica, na medida em que desconhecem o desenvolvimento natural dos fenômenos e, conseqüentemente, da necessidade de adequações temporais ou sociais; defendem o cumprimento rigoroso da legislação no que diz respeito ao impedimento de uso de qualquer área da reserva legal e a obrigação dos produtores recomporem com mata original a reserva legal eventualmente utilizada; na prática são contra uma legislação ambiental concorrente, desejando que essa atribuição fosse prerrogativa exclusiva da união.
Creio ser oportuno sublinhar que nem produtivos ou santuaristas expressam com essa clareza seus ponto de vista. São bem mais sutis. Mas esse é o conteúdo.
Os sustentabilistas, para quem não há contradição entre produção e preservação, se orientam com base na ciência, no interesse social das camadas populares e, principalmente, na defesa do interesse da nação.
Assim, firmamos a nossa opinião a partir de alguns pressupostos, dentre os quais destacamos os seguintes: não há desenvolvimento sem preservação nem preservação sem desenvolvimento; a produção de alimentos é algo objetivo, não pode faltar; toda ação antrópica ou natural provoca impacto ambiental, o que se discute, portanto, é como minimizar esses impactos; a ciência e a tecnologia são peças essenciais para encontrar a solução adequada ao uso dos recursos naturais.
Parece simples e de fácil aceitação. Seria, de fato, se a divergência não tivesse matriz ideológica, logo inconciliável, do ponto de vista técnico, político e ideológico.
Em síntese sustentamos que é preciso reformar o código florestal – ou qualquer outra norma legal – permanentemente; assegurar uma área produtiva e uma reserva legal definidas com base em estudos científicos contemporâneos que sejam capazes de, a um só tempo, assegurar o necessário desenvolvimento das forças produtivas e a preservação dos recursos naturais; e garantir uma legislação concorrente, onde a união defina as regras gerais e os estados e os municípios que estiverem habilitados técnica e materialmente legislem sobre as especificidades de suas áreas.
Os 191 milhões de brasileiros ou os 25 milhões de amazônidas, atualmente existentes, consomem, respectivamente, algo como 64 e 8 milhões de toneladas de alimentos por ano a um custo aproximado de 127 e 17 bilhões de reais/ano.
A área necessária para produzir todo esse alimento é de apenas 32 milhões de hectares ou algo como 3,7% do território nacional. No caso específico da Amazônia a área necessária é de 4 milhões de hectares ou ínfimos 1,5% de toda sua área.
Como o setor primário cria emprego extensivo em larga escala e agrega PIB líquido numa proporção bem maior do que o setor secundário (indústria) é pouco razoável que qualquer país do mundo possa prescindir dessa atividade, sob pena de comprometer sua segurança alimentar e sua própria soberania.
Fica claro que a produção de alimentos, uma necessidade objetiva, não é a causa do comprometimento ambiental, especialmente da Amazônia. Mas também fica evidente que não é a reserva legal de 80% que inviabiliza o uso racional da Amazônia.
Se a legislação fosse rigorosamente cumprida, assegurando 20% para uso e 80% de reserva legal, não haveria qualquer problema. O problema é que nem produtivistas e nem santuaristas, na prática, respeitam esses limites.
Os primeiros insistindo em avançar além da reserva legal sob o falso argumento de que a Amazônia está engessada e a produção comprometida. Não é verdade. A área é suficiente para assegurar alimento ao país e assegurar a exuberância de nossa balança comercial, hoje baseada essencialmente no setor primário.
Os santuaristas fazem movimento inverso. Aceitam retoricamente que 20% da região seja usado para fins produtivos, mas, na prática, criam todo tipo de obstáculo para que não haja qualquer uso da Amazônia. A dificuldade de licenciamento ambiental é o principal recurso nessa tática. Os exemplos são abundantes e de conhecimento público, desnecessário repeti-los aqui. É a teoria do bloqueio.
É algo extremamente perigoso. Corresponde a tática mais sofisticada até então desenvolvida de internacionalização da Amazônia. Não creio que todos os santuaristas tenham consciência disso. Conheço algumas dezenas, com os quais tenho relação de amizade. São homens e mulheres simples, generosos, idealistas no sentido filosófico e que se dão por uma causa que acreditam ser apenas ambiental, da qual nós também compartilhamos.
Mas a causa não é apenas ambiental. O imperialismo nunca abandonou a idéia de internacionalizar a Amazônia. Já recorreu a várias táticas (militar, ciência, religião, arrendamento, enclaves) e no momento o meio ambiente – a teoria do bloqueio – é o principal recurso utilizado.
O conhecimento científico atual demonstra que a Amazônia seqüestra algo como 350 milhões de toneladas de CO2 contra uma emissão de 150 milhões e saldo, portanto, de 200 milhões de CO2 retirado da atmosfera. A Amazônia limpa e não polui o meio ambiente, atesta a ciência.
Não é isso que os santuaristas e o imperialismo divulgam. Alardeiam que o aquecimento global é decorrente das queimadas amazônicas. Dizem e tanto repetem essa mentira que muita gente passa a repercuti-la acriticamente como se fosse verdade.
É preciso algo mais evidente do que isso?