Fazer um filho… (segunda parte)

Há gente que, com algumas letras, empreitam biografias, memórias familiares, receitas caseiras e até teses filosóficas para que o desejoso de publicar seu livro pague e assine. Enquanto isso, nos jornais prolifera artigos produzidos por escritores igualmente fantasmas que, ao final, irão dar corpo a livros publicados por profissionais liberais e, principalmente políticos, com direito a ingressar em uma ou várias de nossas prestigiosas academias de letras, artes, ofícios ou crenças religiosas. Como o livro objeto está em desuso, só resta aos autores, se não se enquadram como produto vendável pela rede internacional de best-sellers, distribuir gratuitamente, oferecer, enviar pelo correio com autógrafo e tudo. Não se assuste o escritor se no outro dia encontrar o fruto de seu suor mental relegado a um fundo pouco visitado do sebo, ou mesmo num aterro sanitário, como vem sendo costume nestas plagas. Mas nada disso importa. Lançamentos centenários e outras facilidades podem ensejar que da inexorável safra alguma coisa vingue e mesmo sem ter seu nome inscrito no panteão da história literária, o autor poderá ter dado algum sentido à sua precária aparição terrena. PLANTAR UMA ÁRVORE. Penso que é o que ainda resta de encorajador no tríduo propósito existencial. Porque quem se atreve a plantar uma árvore tem uma espécie de atuação cármica depois de quinhentos anos em que sua espécie desmatou, incendiou, destruiu tudo que era verde, vendável, comestível, utilizável no chamado Novo Mundo. Uma árvore não calará os ruídos das motosserras, dos tratores, das serrarias, mas dará uma breve ilusão ao habitante urbano de que está reflorestando o planeta com a arvorezinha indígena ou exótica que planta em sua porta. Não esteja porem certo de que esta árvore dará sombra, aninhará pássaros, dará frutos. Um belo dia, virão os agentes da prefeitura e a arrancarão para fazer uma nova garagem, estacionamento,ampliar espaço para as pistas de rolamento, ou garantir a entrada para um comércio. A arvorezinha com que desejava resgatar seu débito de carbono será apenas memória, se não se esqueceu de tirar uma foto digital em uma dessas câmaras modernas ou mesmo no celular. Das três aspirações liricamente humanas, esta é a menos danosa. Afinal, a árvore, se sobreviver não entrará no big brother, no concurso para a mais bela Vênus siliconada, nem concorrerá ao topo da coluna social, ou a presidente do Banco Central. Melhor conforto, embora possa ajudar enfeitando a paisagem, expirando algum oxigênio, nunca pleiteará uma quota universitária, cesta básica ou abono, que não seja de água e solo e ar. Não molestará o vizinho, não ocupará espaço nobre na televisão, nem fará promessas para a próxima estação. Se assustam as perspectivas de fazer filho, escrever livro, plante sua árvore. Seu gesto doerá menos no mundo. Não correrá risco de produzir um carrasco de Luziânia ou um espécime mensaleiro. Para seu sossego e dos dessemelhantes, é bem certo que ela não será candidata a nada na próxima eleição.

Aidenor Aires escreve neste espaço às sextas-feiras.

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