Feudalismo no Brasil: satisfações

Recebi com muita curiosidade a tréplica (que circulou pela internet) ao meu último artigo publicado neste espaço. Desde já coloco que a sadia polêmica está sendo feita a partir de pontos de partida totalmente diferentes. Partindo inclusive de diferentes “

Existe um ponto de partida colocado pelo meu interlocutor de que as relações internas de produção são determinantes para compreender a natureza de nosso modo de produção. Para isto utiliza uma sistematização metodológica, que a meu ver, é estranha ao método marxista: o da especialização, ou do primado disciplinar da história em detrimento (ou apoio) de outras ciências. Portanto um todo (abstração, visão de conjunto, da totalidade, …) não pode ser visualizável, logo compreender a forma que um determinado Estado exerce poder sobre um país dependente ou colonial está fora das cogitações.

 

 




Trata-se neste caso específico de negar, mesmo que subjetivamente a determinação política do processo e não compreender que Portugal exercia seu poder no Brasil pelo monopólio da terra, assim como o imperialismo norte-americano exerce seu poder sobre o Brasil a partir do controle de nosso sistema financeiro (monopólio sobre o Banco Central).

 


 


 







Relações de produção e reducionismo: a 2° Internacional e o estruturalismo althusseriano

 

 


Daí a inúmeros marxistas acreditarem que a contradição de classe no âmbito da formação social é a principal em detrimento da contradição entre imperialismo e projeto nacional de desenvolvimento. A raiz deste tipo de observação é justamente a inobservação de que nossas relações com o centro dinâmico da economia mundial é também uma relação de produção com forte poder de determinação sobre o nosso futuro. E desde Lênin a contradição que surge com a radicalização da divisão internacional do trabalho é a principal, não secundária. Para Mao Tsétung, “durante a luta antiimperialista, a luta de classes fica em segundo plano, pois a luta antiimperialista é o estágio supremo da luta-de-classes”.

 

 

 


Meu problema não é discutir modo de produção strictu sensu e sim discutir formação social, que, em Emílio Sereni (La categoria de formación economico-espacial, 1976),  “esta forma abarca inequivocamente a totalidade e unidade de todas as esferas da vida social, na continuidade e ao mesmo tempo na descontinuidade de seu desenvolvimento histórico”. Acredito eu e concordando com Marcos Aurélio da Silva (Geografia e Marxismo: Questões de Método e Notas de Pesquisa, 2003), “com efeito, esta compreensão (de formação social) afasta tanto o reducionismo do marxismo da 2º Internacional (K. Kausky), que identifica a noção de formação social com “a do conjunto das relações de produção”, ou com “modo de produção” ou enfim, … com base econômica”. Também está além de Althusser que buscou superar a noção hegeliana de tempo histórico (continuidade homogênea), redundando na negação da unidade dialética entre continuidade e descontinuidade. Segundo Althuser “não é possível pensar no mesmo tempo histórico os diferentes níveis do todo”.
 

 

 


Se partisse de tais pressupostos (2º Internacional e Althusser) Ignácio Rangel talvez não teria sido o único a perceber a não-estagnação do capitalismo brasileiro nos anos 60 em decorrência de uma agricultura supostamente arcaica no seu todo, como muitos economistas altamente bajulados acreditavam naquele momento, propondo como solução de nosso impasse a velha e reacionária bandeira da “estabilização monetária” pela via da compressão da demanda. Também a influência marxista de alguns não corroborariam a união entre estruturalistas e monetaristas no início da década de 60 e no Plano Cruzado, onde tal união deu-se contra o inimigo comum, a inflação tida inercial tendo como meio de combate o arrocho salarial e o estrangulamento de nosso nascente capitalismo financeiro.

 


 





Marx e o arqueólogo


 


 



Os pensamentos expostos e a forma como se analisa a colonização portuguesa no Brasil (relações de produção interna, strictu sensu) não encontram nexo com a forma como Marx define o concreto no famoso Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política (citado por M. A. da Silva), onde para ele o concreto reproduzido no pensamento, surge como a “síntese de múltiplas determinações, logo unidade da diversidade”. Desta forma podemos verificar em O Capital, as formas que ele se referiu a forma dinheiro (forma simples) para o caso do pré-capitalismo (posse, forma mais simples) verificado nas famílias tribais e propriedade da terra também pré-capitalista e capital, bancos, trabalho assalariado (formas mais concretas e complexas). Para Marx, “as categorias simples são a expressão de relações em que o concreto ainda não desenvolvido deixa subsistir essa mesma categoria como uma relação subordinada”. O velho Karl, nos chama ainda atenção para o fato de “a sociedade burguesa é a organização histórica mais desenvolvida e mais variada que existe (…) nela, as formas de sociedades desaparecidas sobre cujas ruínas e elementos ela se edificou continuam a subsistir…”

 


 


Assim fico muito grato pelo fato de meu respeitável interlocutor me comparar a um arqueólogo que nas palavras dele a respeito de minhas opiniões, “ao invés de buscar no estudo concreto do passado os elementos que comprovariam suas opiniões, busca-os nos vestígios do presente”.

 


 


Certamente os arqueólogos são muito mais radicais que a maioria de nossos marxistas. Disso eu não tenho dúvida. Agora, não é justo dizer que busco vestígios do passado em nosso presente, o que busco são concretudes do passado que me façam abrir os olhos para o futuro de nosso país e não simples e simploriamente as relações de produção internas da colônia. Isso (relações de produção…) é parte de um todo.

 

 





Economia natural e feudalismo



Não escrevi em nenhum momento sobre uma possível autonomia existente entre economia natural e fazenda de escravos. Em ciências sociais não existe autonomia de umas coisas das outras, existem sim, relações entre elas e no caso em tela, unidade dos contrários. A economia natural é produto de reflexos de crises cíclicas no centro do sistema. E como reflexo, ela engendra o novo que irá substituir o velho numa “contemporaneidade do não coetâneo”, ou seja duas formas de produção coexistindo, mas não coetâneos. O surgimento da economia natural deve ser vista não somente pelo “simplório” fato de escravos trabalharem nela, mas principalmente sob sua incidência em outras determinações como o efeito da reprodução populacional, a economia da colônia (que continuava a crescer mesmo com a crise), o direito (direito romano e direito comercial convivendo, porém não coetâneos), as novas relações de produção que desembocaram em safras recordes de café e o surgimento da pequena produção mercantil como modo de produção secundário e como raiz da explosão industrial do planalto paulista e do litoral de Santa Catarina.

 


 


O feudalismo brasileiro surge, como já falei diversas vezes, como a melhor maneira de produção em escala para uma metrópole do porte da Inglaterra. A economia natural pode ser a primeira manifestação do que Celso Furtado definiu como a “internalização do centro dinâmico” em nossa economia em decorrência de crises externas. Daí com a Independência, esta mesma fazenda ter duplo caráter (já exposto).

 

 


Puxando para o presente, negar esta relação de “contemporaneidade do não-coetâneo”, é o mesmo que negar a existência dentro de um mesmo governo de neoliberais contumazes (Paulo Bernardo, Henrique Meirelles, etc) com correntes nacionalistas como o nosso PCdoB. Não se trata de um vestígio do presente para justificar um passado, pois “quebrar” a nossa contemporaneidade não coetânea é tarefa primária de nossa ação política concreta, que demanda visão de processo e transições dentro de transições. Não é a toa que muitos marxistas da acadêmia já romperam a muito tempo com o atual governo brasileiro.

 


 





Dualidades básicas e modelo econômico


 

 


Logo, as afirmações defendidas por meu interlocutor neste debate não se sustenta de forma alguma às múltiplas determinações do concreto. Para Karl Popper (A miséria do historicismo, 1991) a metodologia do “se é concreto deve ser visto a partir de suas múltiplas determinações”, não é apenas marxista, é científica no sentido geral mais amplo, pois, “dar uma explicação causal de certo evento específico equivale a deduzir um enunciado em que se descreve o evento, a partir de duas espécies de premissas: algumas leis universais e alguns enunciados singulares ou específicos, que podemos chamar condições iniciais e específicas”.

 


 


Desta forma a observação da existência do feudalismo no Brasil deve-se basicamente a uma análise marxista que atribui ao modelo da “dualidade básica” (nada a ver com dualismo) uma combinação singular e dialética dos conceitos formais de escravismo, feudalismo e capitalismo (formas comercial, industrial e financeira). A combinação de tais ao “pousar no concreto” demanda uma seqüência determinada pelo desenvolvimento das forças produtivas, criando assim o modelo econômico de nossa formação social nos últimos 184 anos como país independente.

 

 


Daí a partir das “dualidades básicas” ser muito mais simples (não simplista) determinar ramos econômicos e cadeias produtivas de nossa indústria que necessitem ou não de “desatamento de nós de estrangulamento”, criando condições muito mais confortáveis para um programador econômico de formação marxista-leninista decifrar não somente o passado e o presente de nossa nação.

 


 


Mas principalmente o futuro, totalmente longe do horizonte da maioria dos cientistas sociais brasileiros. Infelizmente, e os membros do Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil (expressão de nossas relações de produção com o imperialismo) agradecem efusivamente…

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