Godard em retrospectiva na Mubi

O cinema de Jean-Luc Godard em “Mafia em Paris” e o cinema de Robert Bresson em “Au hasard Balthazar”

O maior inventor de novas formas de linguagem do cinema no mundo, desde a segunda metade do século XX, o cineasta Jean-Luc Godard está agora com seus filmes em exibição nessa plataforma em “streaming”. Desse modo, ele está sendo visto pela elite intelectual brasileira como um excelente realizador de filmes de bom gosto, uma diversão sofisticada. Os filmes de JLG não são mais surpresa para esse público, porque as suas principais descobertas formais foram assimiladas por todos os cineastas do mundo, e viraram indicação para quem quer fazer cinema com estilo. Não tem mais mistério e sim diversão.

Entretanto, ninguém até agora conseguiu atingir o nível estético de Jean-Luc Godard, porque um bom cineasta pode simplesmente aproveitar os caminhos sem dúvida descobertos pelo francês, mas é preciso ter o toque de genialidade para então renovar e se recriar em cada filme.

O filme que vi hoje foi “Máfia em Paris”, um título simplório para não utilizar o colocado pelo cineasta “Detetive”. O fato é que todo cineasta profissional precisa fazer filmes com certa periodicidade, até um Godard se encaixa nesse esquema. Assim consegue uma produção e o filme com ares de popular tem que ser feito. Esse “Detetive” seria uma obra do gênero ‘policial’, e o cineasta o desenvolve buscando a criação de um ‘policial’. A verdade, porém, é que um verdadeiro apreciador de filmes policiais não aguentaria na cadeira do cinema mais do que uns 17 minutos e sairia correndo, pois o filme tem a aparência, mas no fundo não tem nada do que um ‘policial’ real deveria ter. Basta observar os diálogos onde não se esconde nenhum mistério e nem mesmo violência. O lutador de box parece não um lutador, mas um imitador de um possível lutador. Afinal, Jean-Luc Godard faz cinema não para divertir no sentido tradicional de um filme hollywoodiano. O que ele termina deixando é algo que antes mesmo em 1985, quando o filme foi feito, é algo que pode expressar um pensamento. E como é dito num dos diálogos, sim, as pessoas falam e pensam que estão pensando.

Filme “Mafia em Paris’ | Foto: Divulgação/Mubi

É um cineasta experimental que pensa, mas não se esquece de mostrar aos seus produtores que seu filme pode atingir uma determinada camada de público. E para isso, não se esquece de colocar como intérpretes figuras que estão na mídia de comunicação como Johnny Hallyday, Nathalie Baye, Laurent Terzieff, e em pequenos papéis muitos atores famosos. Interessante como Jean-Luc Godard não se esquece nem mesmo de colocar uma trilha sonora com música que poderia também estar numa obra popular, como a música do extraordinário clássico Richard Wagner.

Enfim, quem por acaso ainda não conheça o cinema de JLG, terá uma boa surpresa indo ver ou melhor assistindo na tela do seu computador a esse trabalho “Detetive”. Divertido e muito inteligente no sentido de não perder tempo com falsas emoções.

Olinda, 17. 03. 22

Personagem principal é o burro Balthazar

Filme “Au hasard Balthazar” | Foto: Divulgação

Os cineastas atuais, que vivem procurando assuntos estranhos para seus filmes, podem ver o filme de Robert Bresson “Au hasard Balthazar” (A grande testemunha) de um dos grandes cineastas do cinema francês. O personagem principal é Balthazar, um burrinho, e a vida dele enquanto escravo de um camponês que tem o comportamento de uma pessoa má. Mas Bresson não era nenhum ingênuo e assim conta a estória da forma que a produção cinematográfica pedia, mesmo nos anos 60 do século passado. Seu filme conta a estória também de uma jovem vivida justamente pela atriz Anne Wiazemsky, que depois se tornou atriz e mulher de Jean-Luc Godard.

O que pensa nos contar “Au hasard Balthazar” é como os habitantes de uma pequena cidade francesa podem ser enquanto cidadãos. Uma estória que, embora seja tão ferina, tem uma leveza e uma grande alegria. A beleza juvenil de Wiazemsky contribui muito. A maldade do dono de Balthazar se sobrepõe também contra a Marie, que termina também desaparecendo para buscar outros caminhos. O nome do burrinho foi dado por ela quando criança.

Para falar da maldade que faziam a Balthazar, conto apenas um episódio em que o desgraçado do dono amarra um pedaço de jornal na perna do burro e toca fogo para que ele andasse. No final da vida, um novo protetor de Marie considera que Balthazar é um animal sagrado, mas mesmo assim ele é sacrificado à bala. O título em francês do filme é ligado ao burro e o final é uma cena em que o burro ficou morto numa área e os cães levam todas as ovelhas e carneiros para circundá-lo. Poderia ser algo melodramático, mas corretamente não ficou.

Robert Bresson é autor de filmes como “Diário de um padre”, “Um condenado à morte escapou”, “O processo de Joana d’Arc” e “Mouchette, a virgem possuída”. Todos filmes que falam da realidade francesa, mas com uma linguagem minimalista e nunca melodramática. Ele assim se tornou o maior cineasta dos anos 60 e 70, embora tenha trabalhado até o fim da vida, no ano de 1999. Viveu um século. De 1901 a 1999.

Olinda, 18. 01. 22

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor