Governo Lula: nada será da noite para o dia

Lula tem, de imediato, três questões complexas a tratar: mudança de rumos da política econômica, construção de maioria parlamentar e redefinição do papel das Forças Armadas.

Lula cumprimenta o comandante do Exército Tomás Miguel Paiva (Foto: Ricardo Stuckert/ PR)

Via de regra a ansiedade se choca contra o processo natural da vida. Por isso não nos faz bem. Nem com uma boa dose de rivotril para compensar, como parece ter sido a válvula de escape do ex-presidente Jair Bolsonaro, a julgar pela volumosa compra do ansiolítico registrada em transações com seu cartão corporativo.

Há muita ansiedade em relação ao governo Lula, proporcional ao entrechoque de interesses de classe e segmentos de classe em torno da pesada agenda que se coloca de imediato.

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O governo se assume como de reconstrução nacional, missão a cumprir com apoio na frente ampla que venceu as eleições. Para governar, necessário que seja mais ampla ainda. O que significa força política e ao mesmo tempo contradições internas.

Basta verificar três frentes de atuação imediata do governo por si mesmas complexas: mudança de rumos da política econômica, construção de maioria parlamentar e redefinição do papel das Forças Armadas.

Cada passo, uma novela — como diz aqui o amigo Epaminondas.

Pouco a comemorar de imediato, nem seria sensato. 

Reação forte dos representantes dos poderes da República expressa unidade ampla contra o golpismo Foto: Ricardo Stuckert / Fotos Públicas

Basta acompanhar editoriais e colunas na grande mídia monopolizada, que pressiona para que não se rompa com fundamentos ultraliberais da política econômica. A cantilena é: controle fiscal acima de tudo! Ou seja, garantias ao rentismo a qualquer preço. Mesmo que o preço seja a frustração de políticas sociais absolutamente necessárias.

Uma vez empossada a nova composição da Câmara e do Senado, se muito for possível será uma maioria governista frágil e instável, conquistada e mantida a base de importantes concessões.

E engana-se quem imagina que a substituição do comandante do Exército é suficiente para conter em definitivo o fogo de monturo anti-Lula que queima nas Forças Armadas. A demissão do general Júlio César de Arruda sem dúvida foi um gesto de força do presidente da República. Mas ainda tem o segundo tempo e a prorrogação.

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A chamada questão militar marca a frágil República brasileira desde o seu nascedouro. E mais recentemente, desde o fim da ditadura em 1985, formaram-se gerações do oficialato imbuídas de pretensões intervencionistas que se exacerbaram com o governo Bolsonaro.

Lula tem perfeita noção do tamanho da empreitada. Mais uma vez pilota um governo de transição a um novo projeto de nação a ser construído agora sobre os escombros do desastre bolsonarista. Transição que se dá ora em tom morno, ora em tom exacerbado.

Então, sem arrefecer a esperança e o entusiasmo, importa ter os pés fincados na realidade concreta e no jogo de forças contraditório na sociedade —sensivelmente polarizada e dividida — e no âmbito do próprio governo.

Em apoio às mudanças, é necessária a mobilização da ampla frente social e política. Nos salões, nas redes e nas ruas.

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