“Lírios D´Água”: Descobertas adolescentes

Impasses, frustrações e descobertas adolescentes dos tempos atuais são abordados pela diretora francesa Céline Sciamma com frieza, e a emoção custa aflorar.

Muitas vezes, após assistir-se a um filme, sai-se do cinema com a impressão de que faltou algo para que ele diga mais do que mostrou. Apenas as imagens e os personagens em movimento no quadro não traduziram a contento o que o roteirista e o diretor quiseram passar para o público. A ordenação das cenas transcorreu durante certo tempo e nenhum choque ou reflexão provocou. Tudo porque cinema é muito mais do que imagens em movimento e personagens indo e vindo no quadro, seguindo a linguagem cinematográfica. Tal é a sensação que se tem ao assistir “Lírios D´Água”, da diretora francesa Céline Sciamma, que tenta discutir ao longo de 85 minutos os desencontros, impasses e descobertas de três adolescentes, Marie (Paulien Acquart), Anne (Louise Blachére) e Floriene (Adele Haenel). Moradoras da periferia de Paris, elas passam o verão entre suas casas, o clube onde exercitam nado sincronizado e as tentativas de desabrochar-se sexualmente. E vêem-se às voltas com sua própria inexperiência em conquistar o parceiro por quem se sentem atraídas.


 


 


Um rito de passagem ao gosto da dramaturgia moderna, com   possibilidade de explorar uma vertente, pouco utilizada pelo cinema: a da busca do parceiro pelas adolescentes, numa época em que as mulheres buscam exercer a liberdade duramente conquistada. E não de uma forma desbragada, utilizando-se de clubes, festas ou reuniões de adolescentes. Sciamma tenta escapar a esta armadilha deixando fluir a ação sem forçar posições. Suas personagens são jovens comuns, às voltas com a necessidade de afirmação, pelos próprios meios, ainda que isto lhes custe dores e frustrações. Marie, tímida, deixa-se levar pelo encanto que Floriane exerce sobre ela, sem avançar demais para que esta não lhe escape. Com seu corpo miúdo, calada, ela segue a bela Floriane pelas ruas e a espreita na piscina onde seu objeto de desejo integra a equipe de nado sincronizado.


 


 


Não conseguir seu intento, atormenta a tímida Marie


 


 


E depois, ao conseguir estar junto dela, acompanha-a a lugares ermos, abandonados, onde é largada, sem saber onde está Floriane. Nada lhe é permitido ver ou participar, ali permanece apenas porque sente forte atração pela outra. Uma espécie de poder que ela não sabe controlar ou fazer voltar para si. Enquanto Floriane não se dá pelo que ela pretende, deixa-se seguir, aumentando o sofrimento de Marie. Mas também ela, Floriane, indecisa, querendo ser audaz, capaz de atrair para seu campo os rapazes com que divide o espaço do clube de nado sincronizado, não sabe como expor seu desejo. Enfim, ela, age com desenvoltura, mas não os deixa chegar ao ponto. Diferente de Anne, gordinha, que insatisfeita, querendo aparentar mais do que os 15 anos que tem; atira-se sobre François com uma insistência que o faz se distanciar. E tudo ocorre nos mesmos espaços freqüentados por Marie e Floriane, num vai-e-vem entediante, assim como a vida de ambas.


 


 


Este é, em suma, o tema de “Lírios D´Àgua”: a busca do amor, do parceiro(a) por três adolescentes, de forma adversa, ou seja, longe da família, das regras sociais e dos caminhos normais. Um tema e tanto, sem dúvida. Não pelas mãos da novata Céline Sciamma. Sua câmera parece estar sempre com receio de se aproximar das personagens; mostrar de perto suas reações. Acompanha-as à distância, no limitado espaço do cenário, que nada acrescenta à ação. E elas, mesmo estando próximas não interagem; faltam química, diálogos mais contundentes. Sciamma foge ao falatório costumeiro do cinema francês, porém não traduzem, com os monossílabos, a suposta falta de comunicação entre Marie, Floriane e Anne. Fica-se com a impressão de que o problema é mesmo com a escritura dos diálogos. Às vezes, Paulien Acquart consegue dizer mais com olhares, gestos ou quietude do que se expressando com frases curtíssimas. Mas, talvez, Sciamma quisesse dizer que os jovens de hoje falam assim mesmo, porém não é isto que se ouve na tela.


 


 


Sciamma trata a cena como uma simples cirurgia


 


 


Numa cena em que Marie tem a oportunidade de estar às sós com Floriane; Sciamma dirige a cena como se tratasse de uma cirurgia e não uma relação em que a sedutora, Marie, busca sua plenitude. Tudo transcorre friamente, sem choque ou descoberta. Nas mãos de Gus van Sant (“Paranoid Park”, “Elefante”), especialista em explorar os instintos juvenis, as nuances emergiriam e o espectador sentiria a frustração de Marie e o desabrochar de Floriane para, enfim, poder entregar-se a François.  É a cena crucial do filme, pois ambas ganhariam com o que ali aconteceu: Floriane porque se desembaraçaria de algo que a impede, em sua visão, ser aceita por François, e Marie porque, afinal, poderia estar às sós com seu objeto de desejo. Sciamma, no entanto, não deixa a cena fluir ou decantar (esperar que o espectador apreenda emocionalmente ou não o que se passa), nem as enquadra de modo à ação completar-se em si mesma. Em suma, usar a linguagem cinematográfica em sua amplitude.


 


 


As seqüências só crescem em significado e emoção quando Anne está em cena. Louise Blachére trabalha as aflições de sua personagem com carinho, detalhando cada emoção, a ponto de sofrermos com ela. Está sempre a meio caminho do fracasso. Quando vai ao baile seduzir François, arruma o vestido para mostrar-se sedutora, quer ser vista, tenta estar ao lado dele, que dança com Floriene, e nada consegue. É o único personagem realmente vivo em, “Lírios D´Àgua”. Como Marie não desiste, e será recompensada por isto. Sciamma toma assim posição a favor da menos atraente, sem possibilidade aparentemente de alcançar seu intento. Incentiva, desta forma, a garotas como Anne, em sua busca para conquistar seu parceiro.
Bela a cena em que ela conta a Marie o que conseguiu: não há em sua face qualquer traço de volubilidade; é uma conquista sobremaneira importante para seu amadurecimento.


 


 


Filme poderia ser contraponto às obras sobre a juventude


 


 



Seqüências com estas, no entanto, não elevam “Lírios D´Àgua”  à categoria de bom filme. Ainda que tenha belas cenas de nado sincronizado, filmadas de forma quase documental, faltou ousadia à Sciamma para adentrar a fundo na composição dos personagens. Daria, sem dúvida, um belo filme, pois escapa ao lugar comum dos filmes sobre parcela da juventude atual, imersa na experiência da droga, dos agitos madrugada adentro e da falta de perspectivas. Tenta mostrar que continua a existir outro espaço onde ela se relaciona, faz suas descobertas e supera seus impasses. Mas não se resume apenas ao que Sciamma aborda em “Lírios D´Àgua”, principalmente na França atual. Como foi produzido, Marie, Anne e Floriane são apenas lírios tentando se agitar nas águas azuis da piscina esportiva, seguindo o ritmo coreográfico do nado sincronizado.


 


 


“Lírios D´Água” (“Naissance des Pieuvres”). Drama. França. 2007. 85 minutos. Roteiro/direção: Céline Sciamma. Elenco: Paulien Acquart, Louise Blachére, Adele Haenel, Warren Jacquin.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor