Marcos, Zacarias e o desenvolvimento econômico
A sede do PCdoB era na Rua Bispo Cardoso Ayres, no Recife, na Boa Vista, perto do centro. Marcos e Zacarias, dois garotos de seus dez a onze anos, exerciam o ofício de flanelinha no semáforo da esquina e aos poucos se tornaram nossos amigos, a ponto de pe
Publicado 01/05/2008 18:14
Melhor para quem? Zacarias comemorava um ligeiro aumento da receita diária, mas continuava mergulhado na rotina de morador de rua, acolhido de favor pelo vigia da casa ao lado. E assim se tornaria homem feito, com o passar dos anos, até migrar para outro lugar qualquer, sem deixar rastro nem notícia. Enquanto Marcos, que voltou ao seio da família, estudou, aprendeu um ofício e se incorporou ao exército de assalariados de nossa cidade. Trabalhava numa loja de calçados quando o vimos pela última vez.
É de Marcos e Zacarias, dois destinos díspares, que nos lembramos agora ao nos debruçarmos sobre os dados da Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), divulgados na última terça-feira. Eles revelam a existência de 31.992 Zacarias adultos – pessoas com 18 anos ou mais de idade em situação de rua – em 71 municípios (23 capitais e 48 cidades com mais de 300 mil habitantes) pesquisados, excluindo-se três capitais que efetuaram levantamentos semelhantes recentemente: São Paulo (SP), com 10.399 pessoas em situação de rua; Recife (PE), 1.390; e Belo Horizonte (MG), 916.
Os dados revelam uma estratégia de sobrevivência num ambiente urbano hostil. Do total 72% dizem realizar regularmente atividade remunerada (recolhendo materiais recicláveis, limpando pára-brisas de carros em semáforos, auxiliando serviços na construção civil e no comércio, etc.), sendo que apenas 16% dessas pessoas são pedintes. A renda dessa gente varia de R$ 20 a R$ 80 semanais e 74% sabem ler e escrever. Apenas 3% chega a ser atendida por programas assistenciais como a aposentadoria, o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
O governo anuncia a adequação de seus programas para atender a essa parcela de brasileiros quase párias. Tudo bem. Que assim seja. Mas essa realidade denuncia, através de uma dos seus fragmentos mais dolorosos, o estado de infelicidade a que está condenada uma parcela do contingente que acorreu aos centros urbanos tangida pelo latifúndio e atraída pelo sonho de encontrar uma ocupação. E põe em relevo a urgência do desenvolvimento econômico com expansão do emprego, distribuição de renda e valorização do trabalho. Para que haja menos Zacarias em nossas cidades.