Meirelles: o “Dalai-Lama da economia brasileira”

Assim como o “picareta tibetano”, pintado e decantado às sete cores do arco-íris por uma imprensa colonizada, o “líder espiritual” da banca nacional e internacional também tem um papel reservado – pelos escribas mais desmoralizados ao sul da linha do Equa

Os “malvados” do governo continuam a “aumentar os gastos”. O povo sem compreensão da “essência de sua própria existência” utilizam seus limites de crédito, alimentando a ciranda inflacionária. Meirelles, assim como o Dalai-Lama surge, com o véu da serenidade. Aumenta-se os juros, clamam seus “fiéis”. Aumenta-se a dívida interna, agradecem seus verdadeiros patrões. Os mesmos patrões de Dalai-Lama.


 


A semelhança entre esses dois polêmicos, mas nada “santos” personagens foi devidamente acurada pelo destaque diário dado pela mídia, tanto dos protestos maquietados pelos inimigos do regime chinês nas cidades de Paris, Londres e São Francisco quanto pela diuturna campanha veiculada pelo Jornal Nacional de “controle dos gastos governamentais” e de, ao mostrar o crescente consumo de famílias pobres e da baixa classe média, colocar “no povo” a culpa pelo aumento da ciranda inflacionária.


 



Lei da oferta e procura: prova da existência de deus


 


Deste caldo de “irresponsabilidade governamental”, como uma cobra a ser abatida por um super-herói norte-americano, vem o personagem, o homem cuja tarefa encerra uma série de divindades encarnadas na terra. Henrique Meirelles, quase unanimidade, amigo quase íntimo do presidente da República. A seu cargo está “colocar os pingos-nos-is” na cada vez mais “bagunçada” economia brasileira. Todos, na imprensa hegemônica, estão convertidos ao budismo que se transformou a idéia que se faz do (não) desenvolvimento econômico. Todos, na imprensa hegemônica, estão de acordo com a quiromancia que faz acreditar que nossa economia não pode crescer, o PAC é uma irresponsabilidade, etc, etc, etc.


 


Henrique Meirelles é adepto de uma religião para quem as leis econômicas tem caráter universal e tem aplicação seja onde estiver alguém em busca de meios para se reproduzir. A idéia que faz da inflação e sua vertente brasileira é bem isso: segue a mesma etiologia de processos inflacionários como o dos Estados Unidos, é produto da ação espontânea da lei da oferta e da procura. Religiosamente, não acredita que o monopólio e o oligopólio já deixaram a economia de mercado na lata do lixo da história.


 


Para Meirelles e seus seguidores, a lei da oferta e da procura é a prova da existência de deus. A inflação é a demonstração da revolta desse mesmo deus, a cujos homens divinizados como Meirelles cabem a sacrossanta missão de abortar os espinhos nefastos de sua ação. É assim que Meirelles se reproduz e como nos Estados Unidos, onde a fundação de uma igreja em cada esquina é uma tônica, o Banco Central do Brasil transformou-se numa verdadeira instituição religiosa. Com todas mesquinharias anglo-saxônicas anexas.


 



Diáconos de Chicago


 


A sede mundial de sua seita é a Universidade de Chicago. Nesta universidade encastelaram-se os próceres da “economia vulgar” e que mesmo após o acachapante desmonte feito por Marx de seus esquemas (divinos) teóricos continuaram em franca atividade. A todo vapor. Rogavam pragas ao Estado, e seu papel “terreno” de solapar a iniciativa pessoal. Como se o Estado – em milhares de casos contados pela história – não fosse o institucionalizador, incentivador das mais amplas iniciativas pessoais, como atestam os casos japonês, alemão, chinês e – inclusive – brasileiro entre 1930 e 1980. Amiúde o arranque capitalista pós-1945, acumularam forças, receberam do mundo todo protótipos de crentes para sessões de evangelização.


 


Do Brasil, pelas mãos de missionários como Eugênio Gudin e Roberto Campos, acolheram uma leva impressionante de jovens. Jovens que hoje ocupam os gânglios vitais da atividade precípua de gerir e elaborar a política econômica de nosso país. Henrique Meirelles é um deles. Verdadeiro “santo do pau oco”, por detrás de uma retórica talmúdica e envolvente, como são as pregações religiosas ao agirem na subjetividade das pessoas mais simples, encontra-se toda uma essência decodificada. A decodificação da essência de seu pressuposto mental é a utilização da economia para atingir os fins designados pelos seus diáconos de Chicago: perpetuar à periferia a reles condição de aproveitar suas vantagens comparativas na agricultura. No Brasil, esta seita foi derrotada pela Revolução de 1930 encampada pelo grande patriota e estadista Getúlio Vargas. À margem dela, nosso país saiu dos umbrais da Idade Antiga à ante-sala dos países capitalistas desenvolvidos no final da década de 1970. Praguejavam, desde sempre, contra a “inflação”. Era a forma de atingir a subjetividade da massa e, assim, atingir seus objetivos estratégicos para com nosso país.


 


Se a história do imperialismo é a história de um “destino manifesto” de fundo religioso e messiânico, com a vitória deste imperialismo sobre o socialismo recém-nascido, foi possível tomarem o poder no Brasil com a eleição de Collor e implantarem com alguns milhares de dólares um senso-comum na imprensa e na universidade. O Brasil e a forma de enxergar nosso futuro foi substituído pela euforia visível em nossa intelectualidade pós-década de 1930 (a partir de trabalhos de G. Freyre, I. Rangel, C. Furtado e outros) para a reedição de uma idéia para quem nosso país não tem futuro. Se o tem é tão distante e improvável quanto o retorno do “Messias” para os judeus.


 



Os “gastos governamentais” e a atual cruzada


 


Felizmente para uns e infelizmente para outros, a história é uma de concreto, que pode andar para frente ou para trás de acordo com a força política das classes e setores em antagonismo. O mundo, a América Latina e o Brasil de hoje não é mais o relevo de planície do início da década de 1990. A visão religiosa de muitos foi a responsável por uma grande débâcle social, originando movimentos de resistência e atrito à ordem recentemente instituída. No Brasil de Lula, os monges continuam a ter grande voz e seu Dalai-Lama ocupa o centro nervoso da aplicação de uma política monetária importada pela “Meca do neoliberalismo”.


 


O espaço que detinham, está de forma lenta, gradual e segura em franca desmoralização. O outro lado (o nosso lado) avançou com a imposição de uma agenda positiva prevendo e executando muitas obras, gerando emprego, renda e alçando para um futuro ainda difícil de ser auferido, um lugar digno do tamanho do Brasil no rol das grandes nações do mundo. Como qualquer economia que cresce, mas ironicamente sem os correspondentes investimentos em novas capacidades produtivas (dada a política cambial “religiosa” imposta pela clique do Dalai-Lama tupiniquim), a inflação surge como um fenômeno de curto prazo. Mas planejar e elaborar estratégias para um país, não é um exercício de aborto de contradições surgidas no âmbito imediato. Eis o jogo de nosso Dalai-Lama e seus monges: atacar os efeitos de curto prazo, solapando construções com resultados no médio e longo prazo, num governo que falha na prática dos 10 mandamentos inscritos nas tábuas de Moisés (von Hayek).


 


Como não podem vociferar contra o fato de o povo estar vivendo um pouco melhor, despejam seu ódio sobre os chamados “gastos governamentais”. É a forma de atacar indiretamente iniciativas como o PAC e as discussões que envolvem a elaboração de uma política industrial. A mente das pessoas um pouco mais instruídas foi devidamente trabalhada nas últimas semanas para uma acolhida tranqüila da retomada de alta nas taxas de juros. Prova disto foram as declarações de muitos economistas sérios aprovando o corte de R$ 30 bilhões nos “gastos governamentais”: eis o dízimo que muita gente de nosso lado tem pago para não desaparecer da mídia, fazendo de conta – em sus opiniões – que nossa política cambial ou não existe ou não tem grande significado estratégico às nossas pretensões de soberania nacional.


 


Retornando, o “corte de gastos” é parte de um conjunto que envolve aquela velha ladainha judaico-cristã de sinônimo entre “sofrimento na terra, paz no céu” que na economia vulgar e religiosa tem síntese na expressão que ouço desde criancinha de “se arrumar a casa primeiro, para depois crescer”.


 



A luta de idéias pelo “estabelecimento da verdade”


 


Deixando de lado figuras bíblicas e religiosas em geral, o melhor que temos de fazer é encampar de frente esta batalha de idéias em prol do desenvolvimento nacional que tem novo capítulo com a descarada ofensiva do Comitê de Política Monetária (COPOM) –  um verdadeiro “colégio de cardeais” que de tempos em tempos se reúnem para eleger o “representante de deus na Terra” – contra o PAC e em para retomada da tendência de alta nas taxas de juros. Um religioso de primeira grandeza, Luiz Carlos Mendonça de Barros, já deixou muito clara esta disputa em entrevista concedida no caderno de economia do Jornal do Brasil no último domingo, para quem: “Para mim, o PAC é uma grande embromação, um grande problema de gastos correntes do governo (…). Grande parte desse aumento de juros que o BC vai fazer é para compensar as obras do PAC.”


 


Estabelecer a verdade é seguir as trilhas do pensamento de Ignácio Rangel, onde se lê (em seu clássico “A Inflação Brasileira”) que uma das grandes responsáveis pelo fenômeno inflacionário brasileiro é a mediação de preços por oligopsônios e monopsônios de produtos alimentícios. O fato é que atualmente cerca de 60% de nosso processo de alta inflacionária é causada por injustificadas altas nos preços do feijão e da carne. Tentam nos fazer parecer que o fechamento de mercados externos é a causa da alta dos preços dos alimentos no Brasil, quando na verdade, produzimos carne suficiente para inundar as prateleiras de quase todas as redes de supermercados pelo mundo. Eis o “x” da questão: devem-se atacar não os gastos governamentais e sim esses espoliadores que mediam o preço entre o produtor e o povo que tem o direito de se alimentar.


 


Os gastos governamentais devem ser mantidos e ampliados. Nossa política cambial deve ser fator de indução de uma política industrial e não seu contrário.


 


Assim como na China, a luta é árdua e difícil. Mas se a verdade é revolucionária, não existem razões para deixá-la de lado. Nunca existiu momento tão propício, uma conjuntura tão favorável para tê-la (a verdade) como arma letal contra aqueles, como o Dalai-Lama e seu primogênito brasileiro, que insistem em navegar no tenebroso mar da verdade religiosa: um tipo de verdade incapaz de ser auferida historicamente.


 


Logo, sem lastro histórico, transforma-se em mentira. Algo pobre, sem fundamento…

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