Natural é a flor desabrochando
O ipê é a cor mais viva entre o marrom, o cinza e o desbotamento daquele horizonte
Publicado 16/09/2022 10:07

Na dor nem todos gritam. Os urubus catam com os humanos a sobrevivência. Ali mesmo entre a espera de um caminhão e outro, sobre um tapete de restos, um banquete vencido alimenta a fome.
Um caderno denuncia a crueldade da miséria anotada em quilos para poucos pães. Os paletós rasgados vão se endurecendo de grude e permanência, enquanto o suor faz nervuras nos rostos com o sol e a poeira.
O ipê é a cor mais viva entre o marrom, o cinza e o desbotamento daquele horizonte. O amarelo do ipê se destaca no movimento esquartejado.
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O cheiro é algo desconhecido. A catinga trivial já não é cantiga. Tudo parece natural, a aparência esconde a essência. Natural é a flor desabrochando.
A noite chega cansada como os ombros que carregam as riquezas do mundo. A lua já esconde o seu brilho, o sexo deixou de ter o sabor das estrelas e entrou na fila do serviço militar obrigatório.
O dia nasce, os urubus já cortam as carnes podres. Os humanos correm, parece festa, é mais um caminhão chegando.
Todos procuram, ainda sem êxito, o dia de amanhã, mas só chegam os caminhões.