Natural é a  flor desabrochando 

O ipê é a cor mais viva entre o  marrom, o cinza e o desbotamento daquele  horizonte

Foto: Reprodução

Na dor nem todos gritam. Os urubus catam com os humanos a sobrevivência. Ali mesmo entre a espera de um caminhão e outro, sobre um tapete de restos, um banquete vencido alimenta a fome.

Um caderno denuncia a crueldade da miséria anotada  em quilos para poucos pães. Os paletós rasgados vão se endurecendo de grude e permanência, enquanto o suor faz nervuras nos rostos  com o sol e a poeira. 

O ipê é a cor mais viva entre o  marrom, o cinza e o desbotamento daquele  horizonte. O amarelo do ipê se destaca  no movimento esquartejado. 

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O cheiro é algo desconhecido. A catinga  trivial já não é cantiga. Tudo parece natural, a aparência esconde a essência. Natural é a flor desabrochando.

A noite chega cansada como os ombros que carregam as riquezas do mundo. A lua   já esconde  o seu brilho, o sexo deixou de ter o sabor das estrelas e entrou na fila do serviço militar obrigatório.

O dia nasce, os urubus já cortam as carnes podres. Os humanos correm, parece festa, é mais um caminhão chegando.

Todos procuram, ainda sem êxito, o dia de amanhã, mas só chegam os caminhões.

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