O elixir mágico parte 2
Ilustração: Thiago Recchia
Publicado 19/05/2020 12:05 | Editado 19/05/2020 12:06
No último dia 12 de abril escrevemos a respeito do elixir mágico, utilizado de forma insistente na narrativa do Palácio do Planalto como saída para a crise do coronavírus. Menos de um mês depois muita coisa mudou, simultaneamente, tudo continua igual. Essa ambivalência sobre as propriedades místicas da cloroquina tem sido, dia após dia, confrontadas pelos estudos científicos produzidos pela medicina. Bolsonaro se agarrou ao elixir como a uma tábua de salvação num naufrágio. Diante da pandemia, que deveria ser tratada com a seriedade que lhe cabe, o presidente repete comportamentos típicos de sua personalidade difícil, não aceita ser contrariado, pois entende as críticas como ataques à sua própria pessoa.
Equipes médicas trabalham de maneira incansável para salvar vidas, enquanto pesquisadores seguem na busca de entender melhor o padrão de funcionamento do vírus e perseguem maneiras de enfrentá-lo. A cloroquina não tem eficácia comprovada, portanto, não é uma fórmula mágica que deve ser distribuída como tal, ponto. Isso deveria ser uma discussão simples. “Povo brasileiro, não temos evidências suficientes de que a cloroquina funciona no tratamento da covid-19, então vamos aguardar um pouco mais”. A mensagem à sociedade nacional não é tão difícil, se tivéssemos no comando uma liderança razoável. Mas se Bolsonaro não pode estar errado, nós estamos. Por isso Luiz Henrique Mandetta caiu, por isso Nelson Teich caiu e cairão todos os ministros que insistirem em contradizer o presidente.
O que importa neste momento não é a eficácia da medicação, a capacidade de dar uma resposta digna aos brasileiros hospitalizados ou consolo para os familiares que se encontram de luto, o que importa nesse momento é combater à corrupção e eliminar o socialismo. Revisitar a Doutrina Truman, montando um governo surrealista e esquizofrênico, este parece ser o plano da nau bolsonarista.
O agora ex-ministro Nelson Teich foi pego de surpresa na última segunda-feira, quando lhe informaram que o decreto presidencial colocava como atividades essenciais salões de beleza, barbearias e academias no rol de estabelecimentos que poderiam retomar atividades. Ora, ele esperava algo de diferente do que já lhe fora apresentado até este momento? Os embates de Bolsonaro com Mandetta foram testemunhados pelo Brasil e pelo mundo e não serviram de lição para Teich, que emprestou sua biografia e currículo por 28 dias a um projeto político que já nasceu autoritário.
E o que sobra do legado de Teich? Sobra o que nos acostumamos a ver ao longo dos últimos erros do governo: a burocracia das forças armadas assumindo de vez o protagonismo no primeiro escalão ou o terraplanismo negacionista se entranhando ainda mais no governo. Nestes 28 dias de gestão, Teich esteve sempre com um general ao lado, indicando o certo e o errado na condução das articulações com os estados.
Estas parecem ser as saídas possíveis para lidar com a crise do coronavírus, que já ultrapassa 16 mil óbitos. Ou apostar no pragmatismo militar, que luta internamente para colocar ordem em um processo administrativo absolutamente caótico, ou investir na radicalidade do discurso, personificada aqui na careca e bigode de Osmar Terra, um senhor já de idade que usa seu tempo livre para vociferar aos quatro cantos que estamos errados.
Resta pouquíssimo espaço para fazer algo diferente, uma vez que a direção tomada é acabar com o isolamento social a qualquer custo, mesmo que para isso, se prometa um medicamento milagroso, mesmo que se utilize um medicamento que não cura e provoca sérios efeitos colaterais. A qualquer custo sempre, acima de todos, acima de qualquer bom senso ou retificação.
Artigo elaborado em coautoria com a cientista política e professora Ananda Marques