O estranho silêncio de Paulo Guedes

O ex todo poderoso da economia começa a sair de fininho das manchetes e abandona sua anterior assiduidade com as declarações bombásticas quase cotidianas

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Paulo Guedes adora um holofote. Desde que começou a ganhar um pouco mais de projeção nos grandes meios de comunicação, seu ego se amplificou com a crescente importância que a ele passou a ser conferida. É bem verdade que o então deputado federal do baixo clero, defensor das pautas da extrema direita, precisava de alguém que lhe abrisse as portas do seleto meio do financismo tupiniquim. Naquele noivado que surgia ainda durante o início do segundo semestre de 2018, banqueiro oferecia uma oportunidade única para Bolsonaro. Era o momento para ele tentar se catapultar junto às elites de nosso País em sua tentativa, inicialmente solitária, de impedir a volta do PT ao governo federal.

Outro personagem importante para o sucesso da trajetória do defensor da pena de morte e da tortura havia sido o juiz Sergio Moro, responsável direto pelo impedimento que Lula fosse candidato naquele pleito. O ex xerife da Operação Lava Jato havia manipulado de forma escandalosa os processos em Curitiba contra o ex presidente, tal como foi esclarecido muitos anos depois. As ilegalidades cometidas pelo responsável foram tantas e de tal magnitude, que todos os processos terminaram por serem anulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Mas a prisão de Lula e a obstrução de sua candidatura foram reconhecidos pelo candidato vitorioso e Moro tornou-se um dos auxiliares turbinados daquele começo do governo, acumulando de forma inédita as pastas da Justiça e da Segurança Pública.

Paulo Guedes também foi agraciado com o título de super ministro e tornou-se o ministro mais poderoso da história da República. Seu desempenho para tornar o candidato tosco em alguém palatável pelo povo da Faria Lima e das classes dominantes de forma geral foi fundamental. Em troca da ajuda oferecida ao candidato, o admirador do ditador sanguinário Augusto Pinochet e das experiências do ultra liberalismo pelo mundo afora tornou-se ministro acumulador das pastas da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior e do Trabalho. Muito poder concentrado em uma pessoa que gosta de exibir poder.

Guedes: arrogância e vaidade.

 Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Paulo Guedes tem um apreço todo especial por falar bem de si mesmo. Devia mesmo chegar ao êxtase nas noites que se seguiam aos longos dias na Esplanada, quando os meios de comunicação se dedicavam a tecer loas ao comandante da economia do governo do miliciano. Paulo Guedes adora falar e se exibir. Diga-se de passagem, até um pouquinho mais além do que seria adequado para alguém ocupando seu posto. Mas ao perceber a falta de limites e de compostura do próprio chefe, provavelmente se sentiu mais à vontade para falar tudo aquilo que seu ego desejava. Às favas com a autocensura e com as exigências da liturgia do cargo.

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Paulo Guedes esnobou a maioria da população, os servidores públicos, a parcela mais razoável da intelligentsia do país e seus congêneres pelo resto do mundo. Manteve-se no discurso monotônico em prol de uma austeridade fiscal cega e burra, independentemente do que se passava no Brasil antes e depois do início da pandemia. Fiel a uma agenda neoliberaloide completamente ultrapassada, inclusive nos países desenvolvidos e nas instâncias das instituições multilaterais, o aprendiz frustrado de banqueiro não falava em outra coisa que não fosse arrochar as despesas públicas e promover a privatização do Estado brasileiro.

Tentou destruir de forma completa nosso modelo de seguridade social com a inspiração na malfadada experiência chilena de privatização e capitalização, mas felizmente a essência do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) foi mantida, apesar dos ataques perpetrados na votação final da reforma da previdenciária. Tentou aniquilar de vez com o regime de nossa administração pública federal, quando chegou mesmo a identificar nos servidores públicos o inimigo central a ser combatido, por meio de colocação de granada em seu bolso. Mas outra vez seu intento da Reforma Administrativa não avançou muito. Ele batia no peito orgulhoso e espalhava aos quatro ventos sua garantia de que o governo iria vender todas as empresas estatais. Mas, aqui também, ele havia exagerado em sua presunção e arrogância, cada vez mais desacreditadas. Apesar de todo o estrago que promoveu, a maior parte das empresas públicas e de economia mista não foram transferidas ao capital privado.

Da austeridade ao apego ao cargo.

Além disso, Paulo Guedes sempre fez questão de apresentar sua longa lista de promessas e de bons serviços prestados aos colegas de métier, o povo do financismo. Trata-se da condução da política fiscal com a mão de ferro, promovendo cortes draconianos na execução do orçamento público. A frase mentirosa do “não temos recursos” converteu-se em lema do governo para a área econômica. Ocorre que a chegada da pandemia em 2020 ofereceu um banho de realidade para muitos dirigentes e lideranças políticas também do campo conservador, que perceberam a necessidade de promover algum tipo de flexibilização na política do teto de gastos introduzida por Temer & Meirelles na Constituição em dezembro de 2016.

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Paulo Guedes agarrava-se como podia à Emenda Constitucional nº 95 e prometia impedir o crescimento das despesas pelos longos 20 anos que o dispositivo do Novo Regime Fiscal previa. Porém, o governo foi derrotado pelo Congresso Nacional, que aprovou um Auxílio Emergencial com valores e duração contrários ao desejado pelo Ministério da Economia. A aprovação do estado de calamidade foi a condição para evitar que o governo fosse responsabilizado pelo primeiro “furo” no teto de gastos. A partir de então, veio o acordo do núcleo do governo com o fisiologismo do Centrão e Paulo Guedes foi perdendo a cada dia mais espaço e protagonismo na definição das propostas do governo.

O ex todo poderoso da economia começa a sair de fininho das manchetes e abandona sua anterior assiduidade com as declarações bombásticas quase cotidianas. Afinal, como compatibilizar as promessas e as crenças da versão anterior de Paulo Guedes com a defesa da política econômica atual do governo? O que diria o então banqueiro a respeito da possibilidade de aprovar subsídios para minorar os efeitos negativos da política de preços da Petrobrás? O que diria o liberal empedernido com as sucessivas tentativas de Bolsonaro de emplacar um pau mandado para o comando da estatal do petróleo, indo em direção oposta a tudo aquilo que o chamado “mercado” propunha?

Traição ou oportunismo: a covardia do silêncio.

Mas a gota d’água mesmo deve ter sido a tal da PEC do desespero, por meio da qual Bolsonaro abre mão de forma desavergonhada de 3 anos e meio de rigidez da austeridade fiscal para se jogar nos braços do fisiologismo do parlamento em sua busca desesperada por um segundo turno no pleito presidencial. Assim, Paulo Guedes se vê obrigado a defender tudo aquilo contra o que se bateu em sua vida no interior do sistema financeiro e mesmo depois de sua chegada à Esplanada dos Ministérios. Para alguém que sempre dizia ter uma “biografia a preservar” quando indagado a respeito de sua inflexibilidade na defesa do austericídio, deve ser mesmo difícil explicar o apoio à já promulgada Emenda Constitucional nº 123.

O teto de gastos foi abandonado, os recursos inexistentes apareceram e nem por isso o Brasil vai quebrar. Ou seja, ficou absolutamente cristalino para quem quiser enxergar que a falácia da ausência de recursos era apenas um instrumento de retórica para levar a cabo o desmonte das políticas públicas e a privatização dos serviços que cabem à administração pública oferecer à maioria da população. Na verdade, Paulo Guedes foi derrotado pelo governo ao qual prestou serviços desde antes mesmo de sua posse. Ao não ter a coragem de abandonar o barco para se manter fiel a seus princípios, Paulo Guedes deixa claro que faz parte do mesmo esquema oportunista do bolsonarismo e do fisiologismo. No findo, todos eles se merecem. E agora estão desesperados e morrendo de medo de serem enviados para a lata de lixo da História.

Essa é a razão maior do estranho silêncio recente de Paulo Guedes. A covardia de não entregar o cargo e seguir engolindo os sapos do chefe. A vergonha de ser obrigado a se mirar a cada manhã no espelho do banheiro antes de entrar no carro oficial e ser conduzido pelo motorista para seu gabinete ou para algum evento, onde deverá perfilar ao lado do candidato à reeleição. E o antigo patrono orgulhoso da maldade e da austeridade sabe muito bem que a única tábua de salvação de Bolsonaro para um eventual segundo turno é a defesa arraigada de tudo aquilo que o Ministério da Economia sempre combateu. Afinal, os auxílios assistenciais, os subsídios econômicos setoriais e a ruptura do teto de gastos são a marca desse final de mandato. Enfim, nada como um dia após o outro. O oportunismo e a canalhice estão sempre de prontidão, aguardando a chegada dos personagens do momento.

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