O fetiche do idealismo em contradição ao exercício da dialética na política real*

Explorando a complexa interseção entre idealismo político e a pragmática da dialética marxista-leninista nas estruturas de poder capitalistas.

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Uma das maiores divergências entre os idealistas de esquerda e os marxista-leninistas, reside exatamente na análise real dos confrontos eleitorais burgueses, sejam eles de qual tipo for, especialmente os pleitos para o parlamento ou executivo.

Talvez a grande diferença se dê na tática. Enquanto os primeiros preferem agir sem analisar o perfil das massas, os segundos preferem atuar de modo a enxergar as contradições reais que os trabalhadores vivem, sujeitos às determinações da socidade capitalista. Não está claro? Vamos para um exemplo prático.

Tendo em vista a composição das câmaras de vereadores do país afora, seria possível transformá-las simplesmente elegendo um ou dois vereadores de esquerda em cada uma? Ou bastaria eleger um prefeito progressista, quando se tem uma casa legislativa viciada pela prática clientelista?

E essas práticas clientelistas, como, por exemplo, a compra de apoio político em troca da nomeação para cargos (funções gratificadas, comissionados, contratos diretos), podem ser tratadas como meros vícios morais individuais dos edis, ou devemos considerar que são consequência das condições de vida dentro de uma sociedade de cunho burguês?

Ou seja, não são as altas taxas de desemprego, resultantes da necessidade do sistema de se manter um imenso exército de reserva, aliada à necessidade que o trabalhador/eleitor tem de se sustentar, um fator determinante para esse processo de troca-troca político?

Não devemos ser simplistas ou reducionistas ao analisar essas questões. Entretanto, os idealistas não apenas adotam esse tipo de visão, como vendem ao eleitor a falsa imagem de antagonismo com os demais grupos políticos, no intuito de fazer crer que sua prática, no exercício do poder, será diferente.

Bucam, assim, numa contradição moralista de bem contra o mal, levando o trabalhador a criar falsas expectativas com as eleições burguesas, achando que nelas é possível realmente modificar, do dia para a noite, todas as estruturas da sociedade capitalista e as suas próprias contradições.

Quando esses grupos são eleitos, essa irresponsabilidade discursiva leva-os a colocar toda a esquerda num grande descrédito perante às massas, uma vez que para governar, acabam por ter que exercer a chamada “real politik”, ou seja, encarar a realidade política em sua concretude, a qual é muito diferente das idealizações e demagogias presentes em seus discursos.

Entretanto, por não entender como se dá esta “real politik”, parte importante do eleitorado se revolta, passando a odiar quem foi eleito e migrando para outros salvadores da pátria, que na última década, recorrendo ao mesmo moralismo idealista, usam o discurso contra a corrupção (e pela família, moral, bons costumes, etc.) como espantalho retórico e passam a se travestir de negadores da política, alegando não serem “nem de esquerda, nem direita”. Na verdade, nada mais são que a própria direita, em sua faceta mais extrema, só que com nova roupagem.

Um dos maiores exemplos disso é o PT, quando, lá nos anos 90, vestiu a bandeira da ética na política e, depois de eleito em 2002, precisou exercer o presidencialismo de coalisão, que o forçou a fazer acordos com grupos políticos pautados unicamente pelo fisiologismo. Tal imperativo do jogo político o fez perder, na década seguinte, apoio significativo de seu eleitorado da classe média, hipnotizada pelo ideal de uma política que não existe concretamente na sociedade capitalista, afinal de contas, as regras de jogo político foram feitas justamente para garantir o controle da burguesia em todas as esferas de poder.

É interessante como essa visão idealista, em sua essência, não compreende o quão dialética é a realidade material. Preferem idealizar uma política e uma cidade (estado ou país) que não existem concretamente, subsistindo apenas em suas mentes sonhadora. Idealizam um cenário que não possui correspondência direta com o mundo real. É essa mesma visão que se encontra por trás das críticas feitas pela esquerda liberal às experiências socialistas reais, ou mesmo governos progressistas e anti-imperialistas, como a Coreia Popular, a China, Cuba ou a Venezuela. Iludidos, rejeitam qualquer tentativa de superação da sociedade burguesa que não se encaixem em seus modelos imaginativos e irreais.

Em outras palavras, essas pessoas idealizam um novo modelo alternativo de sociedade que só existe na cabeça e nos artigos escritos por eles. Assim, quando se deparam com as tentativas reais de construção de um outro sistema ou modelo de governo, ao invés de tentar entender as determinações engendradas pelas condições materais e históricas, preferem atacar e condenar tais experiências. Assim, acabam fazendo coro com a direita, cujo único interesse é manter intactas as condições excludentes da sociedade capitalista, bem como as contradições por ela produzidas.

Como explicar tamanha revolta e intransigência, senão pela falta de compreensão do materialismo histórico e dialético, ou seja, o não entendimento de que a sociedade é tanto produto, como reprodutora das próprias contradições do modo de produção dominante? Não existem saídas simples para problemas complexos. Quem vende essa ideia, apenas faz demagogia com o povo.

A pergunta que fica é: até quando parte da esquerda vai preferir negar a essência do marxismo em detrimento de desvios idealistas pautados em concepções liberais – e portanto burguesas – da realidade? A análise concreta da realidade é a principal ferramenta para alterar qualquer correlação de forças que possa dar sustentação aos neoliberais nos governos ou parlamentos.

Insistir em sonhos e devaneios sem fundamento prático, serve apenas para levar parte importante do campo progressista para aventuras sem perspectivas de vitórias, carentes de acúmulo de força e incapazes de produzir transformações reais no seio da sociedade.

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*Este artigo foi escrito em colaboração com Leandro Andrade Cardoso (Professor Barbudo), Geógrafo, Historiador, Professor e Mestrando em ensino de Geografia pelo IFMG. 

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