“O Último Vagão”: um elogio à educação e à amizade

No simbolismo do presente do livro de Júlio Verne a Ikaal, a professora evoca a ciência, que resiste no  “último vagão”, mas pode passar a ser locomotiva de mudanças e transformações

Foto do filme: O último vagão. A classe da professora Georgina diante do vagão-escola

O filme “Lo último vagón”, além de nos emocionar por sua singeleza, evoca a  generosidade e profunda esperança de quem se dedica a formar gerações, a arte de ensinar e acreditar que a inocência é uma qualidade a ser cultivada em um mundo assustador onde o que predomina não são as boas relações humanas mas sim o lucro. Dirigido por Ernesto Contreras e escrito por Javier Peñalosa, O Último Vagão retrata uma história real e consistente, que envolve expressões da questão social: a pobreza e a desigualdade social de crianças que vivem em uma pequena região do México, fronteiriça com os EUA. Destaca-se a competente fotografia de Juan Pablo Ramírez, que  incita reflexão sobre as desigualdades que permeiam as relações sociais.

No papel central da película encontra-se Ikaal (Kaarlo Isaacs), um menino de uns 8 anos, com a família de pai e mãe. Ikaal constrói amizades com um grupo de outras crianças na escola, cujas aulas são dadas dentro de um vagão velho pela professora Georgina (Adriana Barraza). A relação dela com Ikaal, como primeira mestra dele, e dele com sua turma de amigos ocupam boa parte do desenrolar da trama, pois diversas cenas destacam o papel da educadora, assim como da amizade simples e verdadeira entre os colegas.  São momentos profundos, comoventes, mesmo sublimes, que animam acreditar nas potencialidades humanas nas ações de educar e de querer aprender. Mesmo que em meio a contradições, dificuldades materiais da escola e dos alunos, e a política de brutal descaso do governo mexicano para com a educação da época retratada.

Enquanto seus pais trabalham na construção de uma ferrovia em condições degradantes, as crianças convivem na esperança de um mundo muito além daquela triste e opressiva realidade. Esse mundo de novas e boas possibilidades é o mundo da educação fomentada pela firme e generosa professora, que encontra palavras para fortalecer cada sentimento, cada descoberta, como na cena em que, após realizarem como dever de casa um trabalho de campo, as crianças são estimuladas em seus esforços e potencialidades pela professora Georgina. Ainda há trechos para jogar luz sobre o cuidado com os animais, pois Ikaal adota um cachorro viralata abandonado, a quem dedica muito afeto, sempre recíproco, o que fortalece o sentimento de Ikaal pela vida e a  natureza. Ikaal batiza seu companheiro canino como “Quetzal”, nome abreviado que alude a uma divindade dos povos antigos habitantes da América Central  (Quetzalcoatl, o deus asteca do vento, do ar e do aprendizado, um importante simbolismo quanto à temática do filme).  Várias cenas fazem lembrar, àqueles que assim a vivenciaram, a infância passada em cidade pequena do interior, incluindo a sempre ruidosa e agitativa visita de um circo mambembe, um verdadeiro ‘Palacio de las Maravileas’ para as crianças. 

Toda ação da professora Georgina tem um sentido libertador, fazendo-nos recordar do grande educador brasileiro Paulo Freire, que deixou lições fundamentais como a de que “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem”, ou a de que “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Assim, ela, para além dos ensinamentos no vagão, quando Ikaal se despede da professora, porque precisa ir com sua mãe viúva a outra cidade, recebe de presente um livro de Júlio Verne, um pioneiro no fim do século 19 de histórias de ficção científica (como “Viagem à Lua”, de 1865 e “20 mil léguas submarinas”, de 1871), deixando uma mensagem extraordinária de o quanto a ciência é necessária para o futuro da humanidade, em especial quando nosso país acabou de sair de uma realidade de negacionismo científico e obscurantismo intelectual patrocinados pelo anterior governo. No simbolismo do presente do livro de Júlio Verne a Ikaal, a professora evoca a ciência, que resiste no  “último vagão”, mas pode passar a ser locomotiva de mudanças e transformações.

Referências:

https://entreterse.com.br/resenhas/resenha-o-ultimo-vagao-original-netflix/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Quetzalc%C3%B3atl

https://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%BAlio_Verne

https://pt.wikipedia.org/wiki/De_la_Terre_%C3%A0_la_Lune

Ficha Técnica: O Último Vagão (Original Netflix) (pode conter spoiler)

Gênero: Drama, Comédia

Título Original: El Último Vagón

Duração: 95 minutos

Estreia: Maio de 2023

Direção: Ernesto Contreras

Classificação: 12 anos

País de Origem: México

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