Paz e Direitos

Quando se fala em Paz, o que logo nos vem à cabeça são os conflitos internacionais, a voracidade bélica dos EUA, as novas armas que surgem e assim por diante. Em verdade, porém, Paz tem a ver com os direitos básicos do ser humano, no seu cotidiano ou em eventos especiais.

A Paz é pressuposto das relações entre nações, mas também deve existir intra-nações, nas sociedades e mesmo entre as pessoas. O verso do cancioneiro popular de que “aqui na Terra só se pensa em guerra, matar o vizinho é nossa intenção”, ter a ver com a boa convivência humana.

É com esse foco que o Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta Pela Paz iniciou um projeto denominado “Balcão de Direitos”, destinado a formar formadores nesse tema. Trata-se de uma parceria com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

Prevê-se, inicialmente, oficinas em 13 estados, com carga horária de 16h e com finalidade de fixar metodologia de difusão da Cultura de Paz em larga escala. A abordagem é global, mas com destaque à realidade brasileira no que toca aos direitos humanos.

Esse enfoque na luta pela Paz no mundo não é novo. O destaque maior na sua elaboração e aplicação talvez seja o pensador e ativista norueguês Johan Galtung, nascido em Oslo, em 1930. Ele já escreveu cem livros sobre o tema e mediou conflitos mundo afora.

Seu principal alvo sempre foi fazer a cabeça de lideranças e pessoas com a visão de que, na solução de conflitos, não deve haver vencedor. Uma dissensão só é bem resolvida quando todas as partes se julgarem satisfeitas na distensão.

Seu método de trabalho parte de que a Paz deve suprir as necessidades humanas. Sobrevivência, bem-estar físico, liberdade e identidade são, para ele, as primícias fundamentais para a humanidade gozar de Paz verdadeira e permanente.

A própria Organização das Nações Unidas (ONU) fixa que “uma Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida”.

E, ao classificar os meios de aplicação dessas premissas, sugere que isso ocorra em primeiro lugar “no respeito à vida, no fim da violência e promoção e prática da não-violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação”.

Isto vale para as mais diversas situações. A polícia de Osni Bubarak, no Egito, mandou bala nos integrantes da gigantesca “revolução pacífica” que levou à queda do regime. As forças norte-americanas invadem países, matam quem resiste e intimidam milhões com suas bases militares ao redor do mundo.

Há disputas em todos os continentes sobre fronteiras ou por contendas interétnicas. Há, enfim, embates de toda ordem no plano internacional e isso, muitas vezes, nos faz esquecer que a Paz é violada todo momento nas relações de estados e seus próprios cidadãos, ou entre esses próprios cidadãos.

As “Mães da Praça de Maio” de Buenos Aires, na Argentina, não são as únicas a reclamar por notícias de seus maridos e filhos e filhas. Nos EUA, por exemplo, há movimento parecido das mães que têm seus filhos jogados nas incontáveis guerras que o país mantém.

Imigrantes que encontram dificuldade na língua ou nativos com baixa escolaridade assinam documentos sobre as obrigações de seus filhos sem saber o que está escrito. Quando vão ver, os filhos são convocados sem escolha para alguma missão bélica. E nunca mais dão notícias.

Mas há, de igual modo, os conflitos mais próximos de nós, que estão debaixo de nossos narizes sem que a gente saiba como com eles lidar. São abusos da polícia, brutais dificuldades na locomoção para o trabalho, penoso acesso ao amparo legal, trabalho escravo, violência da pistolagem no campo, desmandos de traficantes etc.

E, para completar, é comum a falta de jeito com portadores de deficiências, a discriminação racial, exclusão na educação e no atendimento de saúde, falta de moradia e saneamento básico, pouca paciência com nosso vizinho ou parente e por aí vai.

Pontos de atritos não faltam, portanto.

O tratamento desses embates exige postura diferente dos primeiros impulsos, que infelizmente são quase sempre agressivos. Seja do chefe de estado, do comandante militar ou do cidadão comum. E o currículo da escola regular, do piso ao doutorado, nem sempre ajuda.

Daí, a importância dessa ação da Cebrapaz. Pode parecer pouco, mas é bastante, pois a Cultura da Paz se constrói assim mesmo, pela difusão sistemática e perene da idéia de que, por mais que o caminho exija, às vezes, a violência, é por Ela que lutamos.

A metodologia usada nesse ciclo de oficinas, com um seminário final de avaliação e produção de materiais para replicar as atividades, é montada sobre séculos de luta. Mas tem sua matriz básica em tempos mais recentes, no Conselho Mundial da Paz, surgido no pós-Segunda Guerra e do qual o Cebrapaz faz parte.

Do processo, participarão representantes de entidades congêneres de seis outros países latino-americanos. Fica, assim, assegurada uma ação continental em torno de um tema que é global, mas que tem suas peculiaridades em cada cantinho desse mundo.

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