Pazuello: herói da Operação Cloroquina

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Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Sábado retrasado assistimos a uma cena absolutamente grotesca onde um general da ativa sobe em palanque para prestar apoio a Bolsonaro. Ainda que o Estatuto do Exército proíba a militares de se manifestarem a respeito de assuntos político-partidários assim como de participar de manifestações coletivas de caráter político e reivindicatório, não é aí que reside a bizarrice do fato. Desde que as hordas bolsonaristas passaram a promover atos, o próprio Pazuello foi visto em outras manifestações ao lado de Bolsonaro e até mesmo o general Fernando Azevedo sobrevoou, também ao lado de Bolsonaro, manifestação na praça dos três poderes. Nessas outras ocasiões, onde poderia ser plenamente invocado o Estatuto e aplicado penalidades aos envolvidos, a Força tratou que calar-se ou minimizar o acontecido.

No entanto, desta vez o oficial não foi mero coadjuvante, mas sim o astro da manifestação e então sua atitude provocou desconforto no Alto Comando. Em um verdadeiro escárnio para com a sociedade e para com o Senado, ele estava ali para comemorar, junto àquele a quem obedece, a vitoriosa política sanitária genocida por ele próprio conduzida. Com certeza, também comemorava o fato de ter mentido deslavadamente na CPI, acobertado por um habeas corpus concedido pelo Supremo. Muito provavelmente o desprendimento com que Pazuello se jogou em tal ato decorreu do fato de que, em nenhuma das situações anteriores, qualquer punição ou censura foi feita pelo Alto Comando.

Além do sentimento de impunidade, o oficial de intendência devia estar deslumbrado. Afinal de contas ele, um mero general de três estrelas, havia roubado a cena e assumido o protagonismo de avalista do governo de extrema direita. Governo este cuja eleição e formação haviam sido tramadas nas casernas pelos seus superiores, os generais de quatro estrelas. Ainda que se afirme que os demais generais que participam do governo encontram-se na reserva, lá estão porque foram parte atuante tanto na construção da candidatura como na campanha eleitoral de Bolsonaro. Todos, exceto os generais Mourão e Heleno, encontravam-se na ativa quando da construção dessa trama. Foram para a reserva quando assumiram os cargos de ministros e, ainda assim, alguns, como o general Ramos, resistiram a abandonar a farda e vestir o pijama. A trama, armada sob o comando do general Villas Boas, não contou com a participação de Pazuello, pois o Alto Comando é composto pelo comandante e pelos 16 generais de Exército, todos quatro estrelas. Pazuello, figura secundária e oficial subalterno, só ganharia tal protagonismo com o concurso daqueles que foram seus superiores.

Critica-se Bolsonaro por frequentemente se referir ao Exército como sendo dele e frequentemente promover ameaças de que utilizará as Forças Armadas para impor sua vontade. Se por um lado tais afirmações decorrem do seu ego megalomaníaco, por outro, revelam o acerto existente. Bolsonaro se dirigir a Villas Boas dizendo que “o que conversamos ficará entre nós” e receber o aceno de cabeça de concordância do general, quando da posse de Azevedo no Ministério da Defesa representou um claro recado aos militares, combinado entre os dois, de que um pacto havia se estabelecido. Com este simples ato e com o fato de vários generais, até há pouco na ativa, assumirem cargos de ministro, sinalizaram que, em nome do Exército, tais oficiais estavam avalizando o novo governo. E na condição de avalistas, passaram a ser parte ativa da formulação da desastrosa política conduzida por tal governo e do clima de conflito que tomou conta do país.

Para quem não se recorda, os atos antidemocráticos, a exemplo deste em que Pazuello participou no Rio de Janeiro, se iniciaram por incitação do general Heleno. Em evento do governo, o militar de pijama afirmou que o governo não poderia ficar cedendo a chantagens do Congresso e que era preciso convocar o povo às ruas. Tal afirmação foi gravada e “vazada”, servindo de deixa para que as hordas bolsonaristas passassem a realizar manifestações pedindo a intervenção militar, o fechamento do Congresso e do STF. Os primeiros atos começaram no início da pandemia e, além da defesa de bandeiras autoritárias, passaram a ser também manifestações de apoio à política sanitária genocida adotada.

Da mesma forma, não se pode dizer que tal política genocida tenha sido obra exclusiva da mentalidade desiquilibrada de Bolsonaro. Aqui também tem a mão dos generais governistas. Sob a justificativa de coordenar as ações de governo no enfrentamento à pandemia, logo no início, foi criado um gabinete de crise. Descobriu-se em seguida que a constituição de tal gabinete tinha por objetivo exclusivo tirar Mandetta de cena, pois a coordenação do gabinete ficou a cargo de Braga Neto, então ministro chefe da Casa Civil, e não a cargo daquele que conduzia a política de saúde. Tal ato era uma evidente desautorização à condução que vinha sendo dada pelo então ministro da saúde. Não demorou muito para que o próprio Braga Neto, ladeado pelo general Ramos, viesse a dar as coletivas. Pregando uma orientação negacionista, na contramão daquilo que implementava Mandetta, não faziam outra coisa senão acusar a imprensa de alarmismo. Tal discurso não foi produzido por Bolsonaro e sim pelos seus ministros militares. Bolsonaro apenas o incorporou. Depois que Pazuello assumiu o ministério, nunca mais se ouviu falar de tal gabinete.

Sendo um general subalterno, ainda que fosse um admirador de Bolsonaro, Pazuello não participou da articulação da candidatura presidencial nem da articulação da composição do governo. Muito provavelmente Pazuello só entrou nessa cena macabra por obra dos generais ministros e não porque Bolsonaro o tenha escolhido. Removido Mandetta, que era contrário à prescrição de cloroquina para tratamento de Covid, tendo sido escolhido Teich, que se esperava fosse uma dócil marionete, era necessário alguém que operacionalizasse a produção e distribuição de cloroquina. Produção esta, obviamente, encomendada ao laboratório do Exército, que já a produzia para abastecer seus hospitais no combate à malária em suas tropas. Nada melhor para tal tarefa que um general de intendência. Desta forma, Pazuello foi indicado pelos generais ministros e designado por Bolsonaro para assumir a Secretaria Executiva do Ministério da Saúde.

Tendo Teich desistido rapidamente da inglória tarefa de fazer papel de fantoche, a operação cloroquina não poderia ser colocada em risco. Era necessário manter a posição estratégica de Pazuello e, desta forma, foi sendo prolongada a sua interinidade no Ministério até que, finalmente, foi nomeado como ministro. Não só se prestou a ser um pau mandado de Bolsonaro, como também cumpriu à risca a missão militar para a qual foi designado pelos seus comandantes. O laboratório do Exército, segundo vários veículos de imprensa, quintuplicou a produção do medicamento e toda a produção foi distribuída às secretarias estaduais e municipais de saúde. Ou seja, Pazuello foi extremamente incompetente em logística quando se fala da falta de oxigênio em Manaus, da falta de kits intubação em todo o país e de seu desinteresse em obter vacinas. No entanto, foi absolutamente competente no cumprimento da sua missão: levar a cabo a operação cloroquina e engordar os cofres do Exército.

A estratégia governista, de conduzir a população à imunização de rebanho fracassou totalmente. Tendo sido estabelecida com a participação ativa dos generais de pijama e tendo Pazuello à frente do Ministério da Saúde, passou a ser impossível dissociar o Exército da responsabilidade com a tragédia sanitária, econômica e humana em que o país foi sendo jogado. Parcela dos generais da ativa passaram a se incomodar com tal associação e a exigir que Pazuello ou se afastasse do ministério ou solicitasse ir para a reserva. Para Pazuello, no entanto, era uma missão que havia recebido e militar que é militar não abandona o campo de batalha. Portanto, não largaria nem a farda nem o ministério. No jargão militar e conforme afirmou na CPI da Covid, missão dada, missão cumprida. A operação cloroquina foi um sucesso e as 300 mil mortes na sua gestão não passaram de efeito colateral. Na sua tosca mentalidade, vencida a batalha, nada mais justo que colher os louros sendo aclamado como um herói pelas hordas bolsonaristas. E lá foi ele ao Rio receber a sua condecoração no palanque do genocida. Resta saber até quando e até onde os generais da ativa continuarão afundando a Instituição na lama, aceitando passivamente a associação do nome do Exército com Bolsonaro e agora com Pazuello.

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