Reflexões sobre o Estado Palestino

Apesar do nome pomposo do título de nossa coluna desta semana, a minha intenção é na verdade tecer considerações, no atual estágio da luta de classe no mundo e da correlação de forças desigual que vivemos, sobre a construção do Estado Nacional Palestino.

A necessidade do estado


 


 


A região que hoje chamamos de Palestina é das mais antigas, milenares, existentes na história da humanidade, que tem um mesmo povo habitando esse espaço com vida continuada, sem interrupção. O que se chamou no passado longínquo de Israel, tem a ver única e exclusivamente com a lenda bíblica e existe apenas e tão somente no imaginário coletivo dos seguidores das chamadas religiões monoteístas do mundo, especialmente a judaica, a mais antiga.


 


 


Já li muita coisa sobre a história de Israel, isto é, do Israel bíblico. Todos os livros escritos por historiadores judeus. Invariavelmente, estes, para serem o mais “científicos” possíveis, advertem seus leitores de que tudo que trataram nessas obras, tem como base única e exclusivamente, a Torá, livro do antigo testamento, aproveitado também pelos cristãos (nem todos os livros judaicos foram absorvidos e assimilados pela nova religião cristã, entre eles a Cabala).


 


 


Falamos de um período histórico que se situa há dois mil anos antes de Cristo, quando judeus teriam habitado a Palestina, vindos da Caldéia, mais especificamente a cidade de Ur, onde o patriarca Abraão morava e ajudou a conduzir o seu povo nessa imensa peregrinação. O estabelecimento na Palestina acabou nunca se dando em todo o território palestino, mas apenas em parte dele. Por pouco tempo tiveram uma unidade territorial, política, uma nação e um estado. Tinham as chamadas 13 tribos de Israel. Estima-se, sem prova alguma, que esse aglomerado que se pode dizer de “Estado de Israel”, tenha sobrevivido por cerca de 400 anos e ocupava por volta de 30% de todo o território. O provável unificador dessas tribos teria sido Davi, um rei, que teve como sucessor Salomão, que acabou construindo o primeiro Templo, sagrado pelos judeus.


 


 


Um dos mais renomados juristas internacionais, especialista em Direito Internacional, Henry Cattan, tratou, entre outros autores, sobre esse tema. E sempre foi duro na questão: reconhecer a ocupação por um povo no passado, como argumento para entregar terras e um novo povo que habita um território seria como se defendêssemos hoje devolver as terras dos Estados Unidos aos índios Sherokees ou Comanches, ou Sheyenes e assim por diante. Dono das terras deve ser um povo que vive nela e que garante a sua continuidade e ocupação. E nesse sentido, os palestinos lá sempre viveram, nunca de lá saíram, ainda que tenham sido terras ocupadas por diversos impérios e nações que invadiram constantemente a região.


 


 


A partilha da ONU


 


 


A luta pelo Estado Palestino é muito antiga. No entanto, o povo palestino estava sob ocupação do Império turco otomano. Com o fim da 1ª Guerra Mundial, em 1918, ruiu o império e as potências vencedoras da guerra partilharam o botim entre si. À Exceção dos Estados Unidos, potência ainda emergente e sem tradição de ocupação territorial externa, a França e a Inglaterra, dividiam entre si a colonização dos países do Oriente Médio.


 


 


Aos poucos, uma a uma das nações árabes, Iraque, Síria, Líbano, foram, gradativamente, conseguindo as suas independências. Ora por lutas nacionais, ora por concessão e consentimento de uma das potências. O caso de libertação por luta sangrenta foi a Argélia, retirada das mãos francesas após sangrenta revolução, retratada de forma tão magnífica no filme de Gile Pontecorvo, em Batalha de Argel. No caso da Palestina, houve outro tipo de movimento.


 


 


A liderança judaica em plano mundial, a Agência Judaica, o Congresso Sionista, o Alto Rabinato, incentivavam judeus do mundo inteiro migrarem para a Palestina. Isso a partir de uma orientação estabelecida na cidade suíça da Basiléia, a partir da realização do 1º Congresso Sionista Mundial, presidido por Theodor Herzl. A ordem era uma migração maciça para a Palestina, para ir criando uma situação de fato, de forma que fosse feito pelo menos uma partilha da Palestina e daquelas terras. O slogan que eles usavam, equivocado, era “dar uma terra sem povo a um povo sem terra”. Uma verdadeira mentira e falácia.


 


 


Entre 1917, quando Lord James Arthur Balfour escreveu a famosa declaração (no dia 1º de novembro), dizendo que o governo de sua majestade estaria disposta a garantir um lar nacional judaico na palestina, sem prejudicar os direitos dos palestinos até a aprovação pela ONU na sua 2º Assembléia Geral, na 49º sessão, em 29 de novembro de 1947, passaram-se 30 anos de muita luta, mortes, atentados, matanças, prisões, batalhas. E uma migração maciça de judeus para a região. Ainda assim, quando da aprovação pela ONU, os palestinos, que em 1917 eram 90% da população, em 1947 ainda eram mais de 70% da população.


 


 


O resultado todos sabem. A ONU aprovou por 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções a criação de dois estados, o de Israel e a Palestina. O primeiro, com 53% das terras, as melhores e mais férteis e o segundo com 47% apenas, com mais problemas de irrigação, de acesso à água e de fertilidade para agricultura. E mais densamente povoado por palestinos. Jerusalém havia ficado uma espécie de território internacional, sob gestão da ONU.


 


 


Quais as possibilidades de Estado?


 


 


Apresento aqui nesta coluna, pela primeira vez em quase seis anos que escrevo, a construção e os comentários sobre todas as propostas possíveis da construção de estado nacional na região. Sabendo que, no atual estágio, nem os estados nacionais estão fortalecidos, nem a luta dos palestinos encontra-se em condições de fazer impor uma solução que lhes seja mais favorável.


 


 


1. Um estado único chamado “Palestina” – Este existiria em todo o território da Palestina que hoje se chama Israel. Nele viveriam palestinos que lá habitam há milênios e os que quisessem retornar do exílio forçado, teriam esse direito. Seria um estado bi-nacional, ou seja, uma organização jurídica e burocrática, com um governo eleito democraticamente, mas habitado por dois povos distintos que conviveriam lado a lado e com Jerusalém sua capital. Funcionariam livremente partidos árabes e judeus, e comunistas, socialistas e outras agremiações e quem obtivesse a maioria, governaria o país, que seria democrático.


 


 


Sabemos que não há hoje, nem no passado havia, condições políticas para a implementação dessa proposta. Seria a ideal, pois no passado conviveram harmonicamente judeus e árabes na região. Há radicais dos dois lados, pois uma variante dessa proposta, de um estado único, com apenas um nome é defendida por ortodoxos tantos do lado dos judeus como dos palestinos. Há israelenses e judeus radicais que defendem toda a Palestina chamar-se Israel e todos os palestinos serem expulso, deportados de suas terras, com ou sem indenização. Do lado dos palestinos, especialmente o grupo Hamas, não reconhecem Israel, chamam de “entidade sionista” e há desejo de que todos os judeus sejam “jogados no mar”.


 


 


Por tudo isso, vê-se que essa proposta não teria a menor condições hoje de prosperar.


 


 


2. Dois povos, dois estados – Esta é a proposta que mais vem sendo ventilada nos colóquios internacionais, sejam eles jurídicos ou diplomáticos. Dois estados que fizessem fronteiras, que fossem vizinhos e, claro, convivessem harmoniosamente e até se cooperassem. A capital poderia ser, de ambos os estados, Israel e Palestina, Jerusalém, sendo que a Palestina teria a sua capital na parte Oriental da cidade e Israel teria a sua capital na parte ocidental, mais nova da cidade. Aqui entra em discussão a questão da ligação territorial, da continuidade territorial do estado Palestino, que seria cortado ao meio, pelo Estado de Israel. Teria que ser construída uma estrada internacionalizada, com total autonomia, que ligasse as duas partes do território palestino. Que o espaço aéreo também fosse livre para movimentações de aviões. Por fim, ambos os estados teriam total autonomia, territorial seus exércitos, cobrariam seus impostos e fariam tudo que um estado normal faz.


 


 


Apesar dessa ser a proposta que mais se ventila hoje em todos os meios diplomáticos, a que surge nas mesas de negociações, o chamado “Mapa do Caminho” (map of road), ela não fácil exeqüibilidade. Não por ser difícil, mas por não haver absoluta vontade política para que seja implementada por parte do governo de Israel. Além de fraco politicamente, o primeiro ministro Ehud Olmert não tem força alguma nem seu partido, o Kadima, para implementar a proposta. A pressão dos ortodoxos não permitiria. A prova disso é que mesmo depois da reunião de Annapolis em novembro nos Estados Unidos, onde se acordou que nenhum novo assentamento seria construído (ainda que nenhum também seria desmantelado) e que ao final de 2008 se tentaria apontar para o Estado Palestino, o atual governo permitiu a construção de novas habitações de judeus em territórios palestinos na Cisjordânia.


 


 


Pessoalmente, politicamente, juridicamente, quero dizer que sou muito simpático a primeira proposta, um estado nacional único, com nome Palestina, onde convivessem dois povos em harmonia e paz. Mas, confesso também que não vejo a menor possibilidade que ele se realize. Se nem a segunda opção, menos favorável a uma situação mais justa se viabiliza, imagine a primeira alternativa. É fruto da correlação de forças para os setores mais progressistas que vivemos hoje no mundo, muito adversa para todos nós. Mas, isso não durará para sempre e temos que perseverar tanto nas propostas mais corretas e justas para o momento concreto que vivemos, como no apoio à luta dos palestinos.

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