Simão do Deserto de Buñuel

Celso Marconi comenta o clássico filme do consagrado cineasta espanhol e fala também sobre suas recordações e sua rotina de vida na sua casa, em Olinda (PE), aos 90 anos.

Há poucos dias, eu revi “O discreto charme da burguesia” de Luis Buñuel. E me lembrava de “Simão do Deserto”, um filme produzido no México por Buñuel em 1965. E eu o vi justamente em 1965, no Rio de Janeiro, numa sessão do 1º Festival Internacional de Cinema do Rio,  que foi produzido por Moniz Vianna, um crítico muito famoso na época, inclusive com uma posição de direita. Esse foi um festival em que fui com Fernando Spencer, pois na época eu não era titular da crítica de cinema. O Exército brasileiro não deixava. Então Fernando me deu a credencial do Diário de Pernambuco. Tenho a impressão de que ainda no mesmo ano revi “Simão do Deserto”, que teve uma exibição aqui no Recife.

Agora descobri “Simão do Deserto” aqui no YouTube, e apesar de algumas confusões, consegui vê-lo integralmente, embora falado em italiano e com uma legenda numa língua árabe. Entretanto, o italiano falado é bem simples, e não será por isso que o espectador não vá entender a estória. Buñuel se inspirou na vida de Simão Stilites, que segundo consta viveu 37 anos no topo de uma coluna pregando a cristandade.

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Claro que Buñuel conta a história à sua maneira, e Simão subiu na coluna e de lá pregava. Mas ao mesmo tempo sofria a perseguição do demônio, que era representado por crianças e belas mulheres. Mas o ermitão resistia. O filme é curto e assim mostra como o cinema não depende de um tempo específico, pois a velha estória de 1 hora e 30 minutos foi criada por Hollywood, para gerar mais tempo em fazer sessões durante o dia.

Em 43 minutos, Buñuel cria com o ator Claudio Brook, caracterizado como o personagem Simão, sua história. São 30 minutos como ermitão e 13 minutos raptado por um superavião, que o leva para provavelmente Nova York. Lá ele vai para um superbaile com o iê-iê-iê, que então estava na moda. E o novo Simão pergunta a uma moça que baile era aquele. Ela responde que é ‘o baile final’. Ficamos buscando mil textos para entender o mundo chamado moderno, e num filme como esse “Simão do deserto” poderemos ter quase toda a explicação.

A produção do filme é de Gustavo Alatriste, mexicano. E o melhor ainda é saber que a cinematografia é do grande fotógrafo mexicano Gabriel Figueroa. O demônio principal é a bela atriz mexicana Silvia Pinal.

Olinda, 28.01.23

Recordações não sei de quê

Quem está nos 90 anos como eu, Fred, Gilvan, Paulo e outros, está vivendo talvez o que desejou viver quando estava vivendo aos 50 anos. Eu, nesse meu tempo, adorava quando podia ficar em casa sozinho e ler por exemplo um romance inteiro. Me lembro de um carnaval em que fiquei três dias em casa e li um romance. Hoje me lembro do estilo do autor e da estória, mas não consigo me lembrar nem do nome do autor e nem do nome do romance. É uma pessoa que esteve aqui no Recife e era muito ligado a Cadengue.

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O que ocorria comigo nos anos 60, 70, 80 e outros era que eu ganhava muitos discos e muitos livros, mas quase não conseguia ouvi-los ou lê-los. Hoje tenho cerca de 4 mil LPs aqui em casa e Pedro Celso ainda tem na casa dele uns 2 mil LPs. E tenho aqui em casa mais de 6 mil livros. Então minha vista não tem condições de lê-los. E não tem mais sentido ouvir discos, pois as músicas estão quase todas na internet. Assim, por exemplo, tenho passado grande parte do tempo, todos os dias, ouvindo a rádio “Pure Jazz”, que é uma estação de Nova York especializada em jazz. Tem uma certa desvantagem, pois sem dúvida ela possui uma tendência para o jazz ‘branco’ (nem sempre), que é muito bom, mas menos forte como aprofundamento jazzístico. Tenho a revista Cahiers du Cinéma e o jornal Le Monde para ler. Muitos livros de filosofia. A televisão GNews que vejo das 21 às 24 horas com informações minuciosas sobre a vida do Brasil. Tudo isso, mas não tenho mais como usar todas essas informações. Não tenho mais forças físicas para exercer minha profissão, seja de professor ou de jornalista.

Foto: Reprodução Youtube Folha de Pernambuco

Assim me sinto um tanto solto. Minha ligação é dentro de casa com Trudy e os outros. Meus filhos e alguns amigos me comunico, mas nem sempre podemos nos entender com mais aproximações, pois cada um tem seus caminhos pessoais. A questão dos velhos me parece justamente essa falta de condições do encontro social pelo trabalho. Considero o mundo hoje muito melhor, principalmente pela tecnologia que temos à disposição. Mas certamente as deficiências dos idosos são a cada passo maiores. O que eu mais preciso é força para continuar amando às pessoas e às coisas.

Olinda, 03. 02. 23

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