Última partida
Eles já estavam casados há uns três filhos e quatro netos quando, diante da TV, assistindo o Palmeiras jogar, em uma noite de verão, o calor comendo solto – só o calor -, como se diz no nordeste, sua mulher vira-se e pergunta. Antes uma explicação, ele, palmeirense até à medula, estava assistindo ao jogo, ela estava lixando as unhas. Continuando:
Publicado 29/05/2014 19:18
– Ô, Juvenal, você ainda faz sexo?
– O que é isso mulher?!
– Sexo, homem! Sexo do verbo: Trepar, foder, dá um tapa na periquita, botar pra dentro, lepo lepo, fazer amor, gratinar a danada, carcar, meter…
– Eu sei o que significa sexo, ou no mínimo tenho uma vaga lembrança, só não entendi o porquê de uma pergunta desta, a esta altura do jogo. O Juiz – e apontou para o teto de sua casa – já está quase apitando o fim do segundo tempo e você me vem com uma destas!
– Quase apitando, Juvenal, mas ainda não apitou. Não é você mesmo quem diz que o jogo só termina quando acaba? Pois é, ainda não ouvi aquele som agudo e irritante do apito.
– O que você está querendo, mulher? Está querendo prorrogação?
Juvenal já perguntou isto com aquele antigo sorrisinho safado no canto da boca.
– Claro que não, homem! Perguntei por perguntar. Respondeu sua mulher.
– Porque se você quiser, subimos agora mesmo para o “vestiário”! Aí eu te respondo só por responder.
– Como se ainda servisse para alguma coisa!
Sua mulher também responde para o Juvenal com um jovial brilho nos olhinhos apequenados pelos anos. E continua como quem mexe em brasa. Brasa que a muito tempo já se tornará cinza. Ou como o Juvenal mesmo costuma dizer, cinza sim, mas se assoprarem, debaixo desta cinza ainda tem muita lenha para queimar, mora?
Foi a procura destas lenhas que sua mulher se embrenhou cinzas a dentro.
Depois de algum tempo:
– Você não anda fazendo sexo na rua né, Juvenal? Não quero que você me venha passar doença!
– E eu lá ando pensando nisto, criatura!? Tem mais, como vou lhe passar doença se nós nem, nem mais!? E tem mais, eu nunca fui de contratar "atleta" no exterior, se é que você me entende!
Pergunta vai pergunta vem, aquele calorão do verão paulista, o jogo rolando na TV e o clima esquentando, esquentando na sala. E não é que ainda tinha uma lenha mesmo? Pois de tanto esquentar uma pequena fagulha surgiu, foi queimando devagarinho e o Juvenal, que há muito não comia carne, ainda conseguiu fogo para assar uma pequena chuleta. Foi ali mesmo na sala, ou em campo, para usar uma expressão do Juvenal, que o jogo começou. Não subiram nem para o “vestiário”.
Já estavam lá os dois naquele jogo, o calor comendo solto – não era só o calor -, a bola rolando já há algum tempo, ele terminando de queimar a última lenha, quando o juiz apita e o Galvão grita com aquela sua voz cheia de efeitos e defeitos: Fim de jogo no Pacaembu! Um a zero para o Palmeiras!