Um governo em putrefação

Bolsonaro tenta demonstrar força após queda de popularidade com atraso em vacinas, depoimentos na CPI, investigação sobre Salles e participação do Exército no governo em xeque

Nada está tão ruim que não possa piorar. Esta máxima das leis de Murphy, seguidamente utilizada como brincadeira quando alguma coisa não dá certo, parece ser uma realidade implacável para o governo Bolsonaro nesses últimos dias. Sua popularidade, em especial devido à falta de vacina e à lentidão da imunização, iniciou uma queda de popularidade que não será recuperada. Pelo contrário, tende a se acentuar. Não bastasse todas as ações que tomou no sentido de não adquirir as vacinas, o que resultou em menos de 20% da população imunizada com a primeira dose e menos de 10% com a segunda em quatro meses de vacinação, as provocações feitas à China, nossa única fornecedora de IFAs, o Insumo Farmacêutico Ativo para produção das vacinas em território nacional, representará, no mínimo, em mais um mês de atraso no ritmo de imunização. Nessa cadência, de 10% com a segunda dose a cada 4 meses, levaremos 20 meses para ter 50% da população totalmente imunizada. Até lá, quase ao final de 2022, a propagação do vírus não cederá, correndo-se, ainda, o risco de surgimento de novas variantes resistentes às atuais vacinas. Tal situação colocou o governo no corner.

Bolsonaro tentou reagir convocando manifestações de apoio no penúltimo final de semana. A articulação ficou por conta do agronegócio e dos evangélicos e foi um verdadeiro fracasso. Reuniu alguns gatos pingados em algumas capitais e, em Brasília, para onde se deslocaram apoiadores de todo o país, foi um desastre tão grande que os apoiadores passaram a divulgar fotos de atos contra a Dilma, anteriores a 2018, dizendo que era o ato de apoio a Bolsonaro. Na manifestação real, até parecia que finalmente os bolsonaristas haviam passado a adotar o distanciamento social, pois se espalharam pelo gramado da esplanada para aparentar maior número de manifestantes. Dois dias antes, inventou uma inauguração em Alagoas para fazer provocações baratas a Renan Calheiros e seu filho governador. A mesma estratégia provocativa fez no Maranhão, na semana passada, afrontando Flávio Dino. Em ambos os casos, apenas gastou dinheiro público para nada. Suas provocações apenas se voltaram contra ele próprio.

Bolsonaro começa a colher aquilo que ele mesmo plantou. As cidadãs e cidadãos que aguardam ansiosamente pela vacina para retomarem minimamente a normalidade da vida passaram a perceber que este singelo ato de libertação foi e está sendo retardado única e exclusivamente pela política sanitária desastrosa do governo federal. Segundo a última pesquisa do Datafolha, a rejeição a Bolsonaro se aproxima de 60%, quase 50% da população apoia o seu impeachment e mais da metade afirma que não votaria nele em hipótese alguma. Ainda que a pandemia seja um impeditivo para manifestações de rua, tal insatisfação de enormes parcelas da população já foi suficiente para a mobilização de significativas forças sociais e políticas, em um movimento de frente ampla, para forçar o Senado a instalar a CPI da Covid e apurar as responsabilidades do governo federal na crise sanitária.

Em apenas duas semanas de depoimentos vai ficando patente que a tragédia não foi somente resultado do negacionismo, mas uma ação deliberada e criminosa para possibilitar a disseminação da doença. Nos depoimentos tanto de Mandetta quanto de Teich ficou evidente a existência de um “Ministério da Saúde paralelo”. Ou seja, de um núcleo de pessoas que orienta Bolsonaro quanto a essa questão, e o tem feito em sentido totalmente oposto àquilo que a ciência recomenda. Não ficou explícito se por desconhecimento ou autopreservação, nenhum dos dois citou nomes, mas o que ficou evidente é que as opiniões de tal ministério se sobrepunham às do Ministério da Saúde, o que levou à exoneração tanto de Mandetta quanto de Teich.

Do depoimento de Ernesto Araújo, além de se confirmar que se trata de um beócio que, com sua total imbecilidade, só criou crises nas nossas relações externas, o fato mais relevante do depoimento diz respeito à comitiva que foi a Israel sob a justificativa de conhecer um suposto spray nasal contra a Covid. Certamente tal visita não teve nada a ver com isto. Dos sete membros da comitiva, somente dois tinham alguma relação com o assunto, os representantes do Ministérios da Saúde e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Caso tal viagem tivesse objetivo sanitário, seria coerente uma comitiva de especialistas e não se justificaria a presença do ministro das Relações Exteriores e um embaixador. Mas o que chama mais a atenção são os demais participantes.

Uma primeira pista do caráter dessa viagem surgiu no depoimento de Wajngarten, um dos membros da comitiva. O que ele fazia no séquito organizado por Araújo, sendo secretário especial de Comunicação Social da Presidência? Ao fazer suas considerações iniciais na CPI, afirma sua origem judia e ter como gurus políticos e espirituais Malafaia e RR Soares, dois pastores neopentecostais e adeptos do chamado sionismo cristão. Dos demais membros, como explicar a presença do deputado Hélio Lopes, um ex-militar, conhecido como papagaio de pirata de Bolsonaro antes de ser eleito, que tudo leva a crer não passava de um segurança de luxo? Na comitiva também estava o assessor da Presidência, Felipe Martins, que, ao que tudo indica, é o operador do gabinete do ódio coordenado por Carlos Bolsonaro. Além da injustificada presença de Eduardo Bolsonaro, chama a atenção a presença de Max Moura, um ex-oficial do BOPE carioca que atualmente ocupa um cargo de assessor de Bolsonaro. Tendo em conta tal composição da comitiva, as relações da família Bolsonaro com membros do BOPE articulados com as milícias cariocas, as relações da família e de Wajngarten com o sionismo cristão, fica no mínimo muito suspeita esta visita a Israel, um estado belicista e fabricante de armas de combate. Se tais membros da comitiva não entendem nada de medicamentos, não se pode dizer o mesmo quanto a armamentos. Tal visita merece uma investigação minuciosa, pois tem caroço, e dos grandes, nesse angu.

Mas Wajngarten trouxe outra pista importante sobre o ministério paralelo. Que os três filhos fazem parte dessa estrutura era algo fácil de se deduzir, mas que Malafaia é um dos mais importantes conselheiros de Bolsonaro e conversa diariamente com o genocida foi uma novidade, confirmada por Flávio Bolsonaro na audiência de Pazuello. Por aqui se pode compreender o envolvimento de Wajngarten com as negociações da Pfizer, pois desejosos de voltar a lotar seus templos e consequentemente seus cofres, os “pastores de sua própria prosperidade” também passaram a pressionar Bolsonaro para negociar vacinas. Tal movimento evidencia, portanto, um racha no tal ministério paralelo e que Bolsonaro está oscilando entre as duas correntes que se formaram.

Já Pazuello, pau mandado que foi na sua gestão no Ministério da Saúde, igualmente pau mandado foi no seu depoimento na CPI. Tratou de blindar Bolsonaro, comprometendo a si próprio para livrar a cara daquele a quem se subordina. Ao seu deprimente e comprometedor depoimento somou-se a revelação da escandalosa e corrupta gestão do coronel Divério, nomeado por Pazuello, na Superintendência do Ministério da Saúde do Rio de Janeiro. O depoimento e o escândalo no Rio inevitavelmente farão aumentar o mal-estar nas forças armadas, pois é impossível separar a imagem de Pazuello e Divério da imagem do exército. Será mais uma crise na sua base para Bolsonaro lidar.

Mas não são só a desastrosa gestão de Pazuello e o caso da Superintendência no Rio que devem estar tirando o sono dos militares. O escândalo do contrabando de toneladas de madeira para os Estados Unidos, envolvendo o Ibama e Ricardo Salles, é outro pesadelo para os oficiais que estão preocupados com a imagem do Exército, chamuscada pelo envolvimento da instituição com a podridão do governo Bolsonaro. Salles, sob os elogios do vice-presidente, tratou nestes dois anos de desmantelar todo o sistema de fiscalização ambiental e Mourão, como presidente do Conselho da Amazônia, envolveu a Força até o pescoço na “atividade” de fiscalização. Não bastasse o fato noticiado de que comandantes utilizaram verbas de fiscalização para pintar quartéis, é razoável supor-se que era do conhecimento desses mesmos comandantes as ações ilegais dos madeireiros, assim como, que os atos de Salles e do presidente do Ibama ocorreram com a benevolência do próprio Mourão.

O odor fétido de um governo em pleno estado de putrefação começa a vir à tona. Bolsonaro se debate com o total descontrole da crise sanitária, com as revelações escabrosas da CPI, com os escândalos de corrupção e com as divisões na sua base de apoio. É um corpo moribundo que se só se mantém em decorrência da frágil aliança com o Centrão. Crescem as movimentações na Câmara pela abertura de uma CPI para apurar a gestão de Salles que, em paralelo à CPI da Covid no Senado, escancarará ainda mais a podridão do “governo das milícias”. Resta saber se ou por quanto tempo sobreviverá diante de tal estado de desintegração.

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