Um país do futuro, sequestrado pelo passado, querendo retomar o presente
O BraZil, que nunca teve uma ruptura social ou uma revolução, não passou por bruscas mudanças no seu tecido social. As elites nunca sofreram grandes sustos
Publicado 17/11/2021 10:41 | Editado 17/11/2021 10:45

País historicamente jovem, sendo que sua independência foi construída tanto pelo enfraquecimento da metrópole, pobre e dividida, e pela tutela financeira da potência da ocasião, a Grã-Bretanha, o BraZil tem a fama de ser o país do “jeitinho”, onde tudo se arranja; em que o símbolo do funcionalismo público foi criado de forma pejorativa, simbolizado por um paletó numa cadeira vazia e com “ele volta já”; e onde a memória é tão curta que costumamos a cometer os mesmo erros com um hiato pequeno de tempo.
É óbvio que muito do que se tornou “característica” do nosso país está relacionado a uma visão pejorativa do nosso povo, algo muito presente na nossa elite, escravocrata e corrupta. O BraZil, que nunca teve uma ruptura social ou uma revolução, não passou por bruscas mudanças no seu tecido social. As elites nunca sofreram grandes sustos.
Nem a “revolução de 30” foi revolução, embora a ascensão da burguesia metropolitana e industrial tivesse reformatado a estrutura econômica e social do país nos anos 30, 40 e 50; nem a “revolução de 64” foi revolução, tratando-se nada mais e nada menos que um golpe militar, mergulhando o país em 21 anos de ditadura, deixando como legado um país endividado e desigual, com reflexos pelos anos seguintes.
País sem tradição política, posto que até 1945, à exceção do Partido Comunista do Brasil, então PCB, e fundado em 1922, não havia uma organização política nacional e quando estas começaram a se constituir, a partir de 1946, foram interrompidas em 1965, só sendo retomada a partidária em 1979, mas com sequelas tão profundas que até hoje, quando falamos em partidos no país, são poucos que conseguem identificar nas siglas, partidos.
Collor, Enéas, Bolsonaro e agora Moro e Dallagnol, são o legado da nossa formação econômica, política e social. Exemplos da nossa história.
Lembremos que um dos favoritos às eleições de 1989 era o apresentador cafona Silvio Santos, que só não concorreu devido a problemas com o seu registro eleitoral; e nesse mesmo ano, os 35 milhões de eleitores (no 2° turno) elegeram um “caçador de marajás” (53,0% dos votos válidos). Quem não lembra da figura soturna do médico fascista Enéas, que vindo do nada, em 1994 teve 4,6 milhões de votos (7,4%), batendo lideranças históricas como Orestes Quércia, Leonel Brizola e Espiridião Amim.
Em 2006 tivemos os 6,6 milhões de votos dados à ultra esquerdista Heloísa Helena (6,9% dos votos), e o recém fundado Psol, tratorando a candidatura de Cristovam Buarque. Quatro anos depois foi a vez da ex-petista Marina Silva abocanhar 19,6 milhões de votos (19,3%) e empurrando a eleição para o segundo turno. Marina viriam a assombrar o PT novamente em 2014, com 22,2 milhões de votos (21,3% dos votos), favorecendo um segundo turno que foi disputado palmo a palmo.
Ocorre que tanto Heloisa Helena, como Marina Silva, eram do espaço político tradicional e suas candidaturas favoreceram o fortalecimento da democracia representativa. Bolsonaro, a peste de 2018, irrompeu passando a imagem, falsa, de ser “fora do sistema” e o cansaço e incompetência política do governo, aliado a uma conjunção de fatos e fenômenos que criaram a “tempestade perfeita”, fez o país relembrar Enéas, na sua versão mais perigosa.
Caminhamos para 2022, já que o impeachment está descartado na prática, e é necessário que a política seja recuperada. Que a democracia seja recomposta. Que a anomalia fascista seja expurgada do sistema e seja trancada numa cela, com a chave jogada fora.
Para que isso ocorra, é fundamental que os partidos dispostos a recuperar o BraZil e os eleitores que tenham uma visão racional da política, formem uma grande união nacional, de salvação nacional mesmo.
Sem isso corremos o risco de continuar a ser governados por uma horda desqualificada, o que poder, historicamente, ser a destruição de uma país que tragicamente abraçou o passado.