Unidade, resistência e ousadia em defesa das mulheres e da democracia
Nossas conquistas históricas não podem ser derrubadas por um governo ultraneoliberal e genocida como o de Jair Bolsonaro
Publicado 08/03/2022 11:24

Há 112 anos, durante o 2º Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, em Copenhague, a alemã Clara Zetkin defendeu a existência de uma data para marcar a luta pelos direitos das mulheres, contra a opressão e exploração capitalista. Desde a Revolução Russa, de 1917, não prescindiu da luta heroica das mulheres trabalhadoras do setor de tecelagem que, em 8 de março de 1917 (23 de fevereiro no Calendário Juliano), entraram em greve e pediram apoio aos metalúrgicos. Registra-se que este teria sido o primeiro momento da Revolução de Outubro. Esse dia testemunha reverbera até nossos dias a união entre as mulheres trabalhadoras, herdeiras das lutas feministas e das resistências operárias de todos os tempos.

Em 2022, às vésperas de realização de atos políticos em torno da consigna “Pela Vida das Mulheres, Bolsonaro Nunca Mais”, por um Brasil sem Machismo, sem Racismo, sem fome e sem miséria, o movimento feminista brasileiro demonstra maturidade politica e unidade. De um extremo a outro do país acontecem atos unitários sob tal mote para impedir piores retrocessos nos direitos das mulheres, exigidos pelo modelo econômico ultra-explorador e pelo sistema político-ideológico autoritário.
Vivemos tempos de barbárie, de marcha ré, de ofensiva do conservadorismo e do fundamentalismo, que buscam subtrair conquistas históricas das mulheres e do conjunto das trabalhadoras e trabalhadores. Somos mulheres mães, trabalhadoras, negras, indígenas, periféricas, com deficiência, encarceradas, em situação de rua, transexuais, lésbicas, chefes de família. Enfrentamos o assédio nas ruas, a violência doméstica em casa, o estupro coletivo, a faixa salarial mais baixa e, mesmo assim, resistimos e batalhamos todos os dias.
Não é de hoje que as mulheres, a maioria pobre do planeta, luta contra o sistema patriarcal, o colonialismo, o racismo e o capitalismo em todo o mundo. Toda a trajetória de combates comprova que as conquistas de mais direitos dão-se em um pano de fundo que propicie a subversão de valores e de padrões dominantes. Como, por exemplo, a conquista do voto feminino no Brasil em 1932, objeto de longas reivindicações antes desse ano, alcançado quando no país o cenário político-econômico se mudou radicamente com a revolução burguesa de 1930. Essa conquista agora completa 90 anos, e foi um baque na oligarquia rural e segmentos reacionários da sociedade brasileira de então.

A resistência das mulheres negras, como Dandara, guerreira na luta pela liberdade do povo negro, pela libertação do Quilombo dos Palmares, merece outro destaque. Ela, que em 1694 morre na batalha, ou se suicida para não ser capturada e escravizada, é símbolo até hoje. E de Luiza Mahin, também escravizada, protagonista na revolta dos Malês na Bahia. Ou Carolina Maria de Jesus, catadora de papel, autora do livro “Quarto de Despejo”, um best-seller. São exemplos da resistência das mulheres, negras, indígenas, brancas, registros da memória dos esforços de enfrentamento e busca de ruptura com o sistema patriarcal e o colonialismo, abrindo perspectivas para debates sobre a questão de gênero.
Nossas conquistas históricas não podem ser derrubadas por um governo ultraneoliberal e genocida como o de Jair Bolsonaro, que ataca fortemente a democracia, incita a violência em um país de estrutura patriarcal como o Brasil.
O ano de 2020 trouxe uma triste soma de mais de 13 milhões de mulheres que sofreram violência em nosso país; muitas delas são mães. De acordo com o Instituto DataFolha e FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), 48,8% das mulheres brasileiras sofreram violência doméstica em 2020, com um aumento de 42% em 2019. Segundo dados do levantamento dos últimos 12 meses do FBSP, 65,2% das vítimas de agressão física eram mães. Um número altíssimo e que nos leva ao encontro de uma triste realidade.
No que tange à participação no parlamento brasileiro, nosso país ocupa a vergonhosa posição de número 140 em ranking que contempla 192 países pesquisados pela União Interparlamentar. O País está atrás de todas as nações da América Latina, com exceção do Paraguai e do Haiti. Somos 51,8% da população brasileira, mas nossa representação nos cargos eletivos como prefeitas, vereadoras deputadas federais e senadoras, não passa de 15%. Se colocarmos o corte de raça e classe, a participação será ainda mais diminuta.
Os índices do desemprego também são alarmantes. O número de mulheres desempregadas no nosso país já chega a 8,6 milhões. São quase 51 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza; delas, mais de 10 milhões passam fome.
Todos estes sofrimentos encontram paralelo na selvageria dos insultos com fortes traços de machismo, misoginia e autoritarismo, como, por exemplo, os lançados pelo ex-deputado Jair Bolsonaro contra a presidenta Dilma Roussef. Foi justamente a primeira mulher eleita presidenta do Brasil que sofreu um golpe político para derrubá-la, com forte faceta misógina, que encontra eco na tenebrosa realidade de nossos dias com a escalada autoritária e constantes manifestações misóginas de parlamentares, como Bolsonaro contra Maria do Rosário incentivando o estupro. Como o assédio visto em todo o país e fora dele, tal qual o abjeto deputado estadual paulista Fernando Cury descaradamente abusando da deputada Isa Penna (PSOL), o qual, recebeu mera suspensão de quatro meses de seu mandato, quando mereceria uma cassação. E, na semana passada, o deputado estadual Arthur do Val (Podemos-SP) – conhecido com o ridículo apelido de “Mamãe Falei” -, ao viajar para a Ucrânia, gravando áudios insultuosos contra as mulheres daquele país que sofrem com a guerra. São falas hediondas que ele transmitiu para seu grupo de amigos no WhatsApp e que se tornaram públicas. As ofensas às mulheres, aos pobres, aos povos refugiados, com conotação racista denotam um estereótipo nitidamente machista e desumano: não importa a situação de guerra, a aflição terrível de mulheres buscando desesperadamente refúgio, importa que fisicamente elas são, para o deputado pervertido, “deusas”, que podem ser facilmente dominadas, por serem “pobres”, para servirem de mero objeto de luxúria. Esse deputado tem um currículo asqueroso, assediador e misógino, como quando, em 2016, estudantes secundaristas, a grande maioria meninas, ocuparam durante o mês de outubro de 2016 mais de 300 escolas estaduais no Paraná para a defesa da educação pública de qualidade e contra a reforma do ensino médio proposta pelo golpista Michel Temer. Na ocasião, o abjeto deputado, utilizando seu canal de mídia, praticou assédio a estudantes menores de idade durante a ocupação em um dos maiores colégios da cidade de Curitiba. Os relatos da época, conforme documenta a advogada Tania Mandarino, do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (Caad), demonstram que Arthur do Val foi para a porta do Colégio Estadual para “entrevistar” as estudantes de forma violenta e questionar os motivos da ocupação. Em meio a provocações aos estudantes, falas machistas e assédio sexual físico a meninas menores de idade. Assim, os movimentos sociais e feministas, ao lado de entidades ligadas ao povo ucraniano, demanda a imediata cassação desse parlamentar que macula a democracia, agride vilmente a condição feminina e desonra o país.
Que o 8 de março de 2022 possa galvanizar muitas mulheres e homens do povo para, em ampla unidade de sentido progressista e civilizatório, ampliar a luta para o fim do governo fascista de Bolsonaro, no sentido da retomada do país para uma autêntica reconstrução, que restaure a soberania nacional, a plena democracia, traga de volta direitos sociais subtraídos pelas reformas neoliberais e a esperança num futuro de grande nação.